terça-feira, 17 de abril de 2012

UM DIA É DA CAÇA


Dizer que quase desisti de ser Colorada, porque estava cansada de perder! Eis que o Internacional vence todos os torneios possíveis e se torna campeão de tudo. Aí o entusiasmo se renova e, deixá-lo, nem pensar.
Da experiência concluo que o ânimo das pessoas tem limite. Esperar que as coisas melhorem, sem qualquer sinal de recuperação, desanima qualquer um. Ainda mais que não há muitos que exercitem a força de vontade.
Talvez tenha sido o caso daquela esposa que cansou de acompanhar o marido, capataz de fazenda, em lugares aonde não chega a televisão nem sinal do celular. O marido prometia tomar providências, comprar uma parabólica, mas surgiam outras necessidades mais urgentes. E ela desanimou. Hoje está na cidade como empregada doméstica, mas não lhe faltam as novelas que mexem com suas emoções. E o celular sempre em contato com as amigas cheias de novidades para contar.
Que seu companheiro esteja assoberbado de trabalho e sem uma refeição quentinha à sua espera. Que a roupa pessoal e da casa se avolume até ele encontrar um tempinho para ir à sanga lavá-la – são problemas que não a sensibilizam mais. Cansou.
Certo dia alguém me contou o caso de uma viúva que, na sua pensão de apenas um salário mínimo, já se separou de mais três maridos. Recentemente ela apareceu na casa de uma vizinha acompanhada de um senhor bem idoso, seu companheiro do momento. Vinham pedir licença para plantar mandioca, batata, milho e outros produtos na parte ociosa da chácara. Conseguido o consentimento, o casal passou a trabalhar a terra, ou melhor, o velhinho suava em bicas para dar conta do recado, enquanto ela procurava uma sombra e dizia que era a coluna que a impedir de fazer esforço.
Meses depois, chegou a hora da colheita. Só que o companheiro já era outro, bem mais moço até do que a dona em questão. Ela, com todo o carinho, ia-lhe alcançando as ferramentas, os cestos, e ao fim do dia voltavam carregados com a boa safra que o velhinho rejeitado havia plantado.
Aposto como essa dona, de unhas bem compridas pintadas de vermelho, deve chorar cântaros de lágrimas assistindo às novelas da TV. Mas vai chorar mais ainda quando o novo parceiro lhe der as costas depois de tê-la explorado ao máximo. Mesmo então, provavelmente ela nem lembrará que também explorou os sentimentos, o bolso e o trabalho de alguém.
A insensibilidade é a couraça de quem já cansou de esperar por uma vida melhor. E resolveu desistir, mudar de planos e viver de qualquer jeito.
Um dia é da caça.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

CRIANÇA "APARECIDA"


Ele surgiu na cidade faz uns dois ou três anos. Trazido pelo pai, dizem, e aqui deixado em casa de velhos bisavós. De mãe desconhecida! Agora é assim...
Aos poucos foi tomando conta da cidade. Onde encontra uma porta aberta, vai entrando e apropriando-se do local.
Nos Supermercados, mexe nas prateleiras, serve-se de salgadinhos, iogurtes, refrigerantes, frutas. Quando o expulsam, vai logo dizendo: “O juiz não deixa que me batam.”
Em escritórios é um perigo. Ao menor descuido vai bulindo até no computador e já inutilizou vários aparelhos eletrônicos.
Mesmo em casas de família ele entra e se adona da situação. Mexe no televisor, vai à cozinha petiscar e se intromete na sala onde estão as visitas.
Agora, tomou-se de amores pela igreja de portas abertas. Nas novenas, importuna os “anjinhos” a ponto de deixá-los em pânico e não permite aos fiéis adultos concentrarem-se nas orações. É uma “praguinha”.
Ninguém sabe sua idade nem o grau de sanidade mental.
Nas escolas parece não haver estrutura para mantê-lo interessado sem prejudicar os colegas. Pois sua maneira de ser e agir não conhece limites entre o bem e o mal, o que é seu e o do próximo. Alguém já o ensinou?!
Os frenologistas não teriam dificuldades em classificar seu caráter pelo formato da cabeça oval, semelhante a um melão gaúcho, ou melhor, uma melancia. O queixo erguido, arrogante, é como se dissesse: “aqui vou, abram passagem.”
Mas acontece que tais cientistas só estudam os crânios de criminosos confessos, encarcerados. Depois que o mal aconteceu, portanto. Só para identificar os motivos que os levaram ao crime. Mas aí já é tarde.
E os anos vão passando sem solução à vista. Ninguém faz nada de positivo a respeito, pelo menos é a impressão que se tem. Mas um ser humano está vivendo sem rumo nem guia diante de nossos olhos. Talvez se espere que ele chegue à idade de ir para a FASE. E dali para o mundo do crime ou dos marginalizados, Depois, a cadeia ou o manicômio.
Ainda há tempo. Quem quer adotá-lo?

terça-feira, 10 de abril de 2012

FOI NA FESTA DO DIVINO


Ah, tempos bons aqueles!
Chegava o mês de maio, lá pelo meio, perto de junho, a cidade se animava. Quantas casas de fazendeiros, fechadas até então, se abriam para a rua, numa azáfama de arrumação, risos, providências.
Eram as donas de casa tratando de combater o pó sobre os móveis e deixando o sol entrar e acabar com o cheiro de mofo. Os donos descarregando a camioneta com mantas de carne, aipim, abóbora. As meninas dirigiam-se logo à costureira para provar os vestidos. Os rapazes tomavam o rumo do barbeiro e do alfaiate.
Debaixo da porta, a correspondência atrasada. Entre ela, convites para mordomos, pedidos de oferta para os leilões e quermesses.
Primeiro, a alvorada festiva. Sinos badalando, foguetes assustando as crianças e os cachorros, a banda rompendo em acordes. Os capitães do mastro é que ofereciam o primeiro churrasco.
De dia, senhoras e senhoritas da comissão da Festa do Divino batiam de porta em porta com as bandeiras. Eram tão bem acolhidas! A fé, o amor, a alegria entravam nos lares, saudando as famílias. Velhos sorriam lembrando seu tempo passado, revivido pelo evento religioso. Jovens alvoroçavam-se na expectativa das confraternizações da Paróquia.
À noite, a igreja iluminada, cheia de flores, recebia os paroquianos da cidade e do interior. Ladainhas ecoavam pelas espaçosas abóbadas. Perfumes variados misturavam-se ao cheiro gostoso do incenso. A igreja era pequena para tanta gente. E depois aquela multidão seguia os festeiros com as bandeiras, a banda, o fogueteiro, pela cidade, até o salão da festa.
Aí começava a quermesse: a roda da fortuna premiando galinha assada aos vencedores. Pescaria, sorteios diversos, concursos, música. E uma confraternização alegre de gente que se quer bem e que se sente à vontade junto.
Naqueles tempos as mamães vigiavam as meninas. Mas seu olhar compreensivo fingia não ver o “flirt” de sua filhinha com o rapazinho simpático. Era o amor chegando devagarinho. Quanto moço tímido teve na Festa do Divino a primeira oportunidade de declarar-se à jovem de seus sonhos!...
É verdade. E para isso contribuíram os “telegramas” – mensagens anônimas, na maioria das vezes, pelo menos para iniciar – que algumas meninas nomeadas “telegrafistas” da festa se encarregavam de levar e trazer.
Havia também um programa de dedicatórias. A mocinha ruborizava-se quando ouvia seu nome irradiado pelo alto falante: “Alô, alô, senhorita Clarice, seu admirador dedica-lhe com muito amor a música Céu Cor de Rosa.” As amigas vibravam solidárias. Que emoção!
Ontem eu vi o antigo admirador, hoje um senhor respeitável, de cabelos grisalhos, passando por mim. E aí me lembrei: eu estava com a Clarice de seus sonhos naquela distante Festa do Divino. Ela recebeu um telegrama tímido, mas amoroso. Olhamos à volta, e foi o olhar dele que o denunciou.
Hoje eles são um casal feliz, com alguns filhos bem criados e vários netinhos. Tudo por amor e graça do Divino Espírito Santo em sua Festa.

terça-feira, 3 de abril de 2012

CÉUS DE ABRIL


A vida humana tem muito a ver com as estações. Acho que me demorei demais tentando “sentir” a primavera, mas já era outono, e eu não percebia.
Por isso agora, quando olho este céu azul dos dias de abril, a emoção me toma de mansinho, e as recordações também. Ora me vejo acompanhada pelas antigas colegas de Ginásio, procurando a pose mais bonita para uma foto no cenário do “Chateau-d´Eau” da Praça de Matriz em Cachoeira. Ora me encontro mais longe no tempo, “lagarteando” ao sol depois do meio dia, ao saborear as primeiras laranjas do ano. Seu caldo adocicado me escorre pela manga comprida. Lembro-me ainda daquele desconforto que um pouco de água e sabão resolveriam, mas na minha preguiça de criança eu protelava.
E era sempre em abril e o céu sempre azul.
Eu me vejo, bem adiante, de livros e cadernos sob o braço a caminho da escola e de meus primeiros alunos. Os livros passando logo de mãos, pois as crianças disputavam o privilégio de carregá-los.
Contra o céu limpo, tão azul, aquela crianças nos seus tapapós bem branquinhos pareciam borboletas esvoaçantes a meu redor. Eu sorria feliz, a vida era bela como os dias de abril.
Um pouco além no tempo, são os carrinhos de meus bebês que dirijo cuidadosamente pelas calçadas, nas manhãs claras de abril. Sem o vento inquietante da primavera, perigo para seus ouvidinhos sensíveis. Sem o sol escaldante do verão. Clima ideal. Tempo de amor e de esperanças.
Mais tarde, eles mais crescidos, merendeira recheada de ovinhos de Páscoa, ou fantasiados de índios, vejo-os a caminho do Jardim da Infância, depois às primeiras letras, ao mundo da ciência e do conhecimento. Aprendendo a viver e a conviver.
A vida passa, o tempo voa. O céu de abril é o mesmo. Nós é que mudamos.
Nossas crianças de ontem estão adultos. Procurando ensinar-nos que aqueles velhos esquemas, nosso legado, não servem mais. Neste mundo de corrupção que abala até os mais idealistas. De violência que nos rouba vidas jovens, que contemplaram conosco o mesmo céu de abril. É preciso outra postura. Cercar-nos de grades nas casas, temer os estranhos, os telefonemas anônimos ameaçando sequestros. A violência.
Hoje nossos pequenos de ontem procuram novos caminhos, outras profissões. O mercado de trabalho evoluiu muito, e nossos ideais parece que não os atraem. É preciso agora produzir mais, competir, ser o melhor no seu ofício para garantir o emprego e o “status” conquistado a duras penas.
Mas os céus de abril ainda emocionam os corações enamorados que trocam juras de amor eterno, dando-nos a certeza de que alguma coisa não mudou no mundo e não mudará jamais: a ventura de amar e ser amado.