sábado, 16 de junho de 2012

NOITES DE JUNHO

Outro mês de junho na vida da gente. O mesmo céu, o mesmo frio. Nós é que já não somos os mesmos. Não vejo mais fogueiras de S. João nem festejos de Santo Antônio. Parece que os santos juninos foram esquecidos. Porém, ainda a caminho da escola vão menininhos à caipira e prendinhas cheias de babados e fitas. É uma graça vê-los tão fofinhos e encantadores! Devem gostar da festinha com pipoca, pinhão, brincadeiras e bailados. Eu já vi esse filme. As crianças eram outras, uma, duas gerações atrás. Depois elas crescem. Vão ficando sem graça como os pintinhos que perdem aquela plumagem adorável e encompridam o rabinho. A gente tem pena de vê-los assim desajeitados! Mas, de repente, é como a primavera: as cores voltam, as penas mudam. Surgem os cisnes. É emocionante assistir pela terceira vez a essa mutação. O brilho do olhar é mais intenso na adolescência. Principalmente quando entra em cena o amor. Também é a fase dos ideais altruísticos, pelos quais vale a pena viver; e das grandes amizades que, quando sinceras, nos acompanharão pelo resto da vida. Um dia destes tive a grata impressão de ver cintilarem estrelas nos olhos de uma adolescente apaixonada. Ela é caixa de um Supermercado que a ocupa todo o dia. E à noite estuda preparando-se para o futuro. Mas todo o tempo fica esperando ansiosa o fim de semana quando encontrará o bem amado. Falando com ela, sentindo sua ternura contida, cheguei a esquecer-me do tempo. Parecia ter voltado ao passado. Ao sair, parecia estar ouvindo a canção que ficou na minha lembrança, a que fala no sonho azul dos namorados – aquele que nunca morrerá. Recordei outros junhos e senti que o amor ainda existe e vai redimir o mundo. E concluí que se existe uma razão para os “coroas” invejarem os jovens, a única que me ocorre é esta: só eles, nessa quadra da vida que mal desabrocha têm a capacidade de amar com todas as forças da alma, sem cálculos nem medidas. Com as emoções à flor da pele e nas profundezas do coração. Como Romeu e Julieta. Mas recordar também é bom e aquece a gente, mesmo nestas noites frias de junho!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

A VOZ DO MINUANO

Nas noites dos meses de junho dos últimos anos, tenho procurado em vão ouvir a voz do minuano.O vento das coxilhas gaúchas, que anunciava à velha Bibiana a morte de mais um varão da família nas lutas de fronteiras, e mais tarde na guerra dos Farrapos – esse vento parece estar em extinção. Pelo menos nas cidades modernas, com edificações adequadas ao clima. É que não há mais frestas nas janelas. O pé direito das paredes diminuiu. Os sótãos e os porões sombrios, onde se guardavam os móveis arcaicos, também desapareceram. Mas eu o ouvi certa noite. Por minutos, talvez segundos. E ele me fez lembrar cenas da minha infância: suas rajadas fazendo bater as velhas portas e janelas, fechadas com tranca de ferro. Porém impotentes contra ele que invadia os domínios da casa, fazendo minha mãe ou meu pai levantar para cobrir-nos melhor, no frio das madrugadas de junho. Lembro as árvores da praça – tão raquíticas naquele tempo – vergastadas por esse vento “macho” do Rio Grande. Lembro os antigos prédios que faziam frente à Igreja Matriz, escuros, misteriosos, como o “Império”, que recebeu D. Pedro II nas homenagens prestadas pelos caçapavanos. E um casarão sombrio, vizinho, lembrando uma história de sangue: o assassinato de um cidadão que, levantando da mesa onde jantava com a família, foi atender à porta. E levou um tiro fatal. Motivo: rivalidades políticas. O tempo passa. E o vento vai levando esses ecos para longe. A Igreja Matriz de então era sombria. Mas os nichos dos altares, principalmente do altar mor, cheio de degraus de madeira trabalhada, de um azul forte, porém já desbotado pelo tempo – esses davam tratos à imaginação infantil. Era como se Deus, os santos e todos os espíritos celestes ali habitassem. O incenso que se elevava às alturas fazia pensar em anjos voando em torno do altar. As ladainhas em latim, enquanto o vento soprava, e os fiéis levantavam as golas de seus casacos, eram invocações que se misturavam à tênue fumaça do incenso e se dirigiam aos céus. Ah, Minuano de minha infância, como então imperavas nesta “Clareira da Mata”! Às vezes parecias cochichar no milharal do terreno ao lado de casa. Lembro-me de que eu acordava em sobressalto, pensando em almas penadas. Hoje os ambientes claros das residências são despovoados de fantasmas. A velha Bibiana não teria dentro deles o cenário próprio às suas divagações. O tempo passou, e a vida continua para as novas gerações. E cada um de nós, na extrema idade, pode olhar para trás e à nossa frente – no meio do caminho – e ver do alto da colina se descortinarem os horizontes. Somos ponte ligando o passado com o futuro. A vida passa, o vento sopra, mas algo fica – a nossa história.

sábado, 2 de junho de 2012

TAMBORES NA ALDEIA GLOBAL

Não ouço mais o canto dos galos nas novas madrugadas. Agora o que me acorda é o som do caminhão do lixo fazendo a coleta e o ruído dos jornais sendo jogados pela fresta da janela. Mas antes que eu possa apanhá-los, o rádio me dá as primeiras notícias do dia. Antônio Carlos Macedo e outros locutores da Gaúcha são os primeiros a pôr-me a par do que vai pelo mundo. Recordo a voz bonita de José Aldair, agora aposentado. De olhos ainda fechados, fico sabendo do panorama político nacional e mundial, da previsão do tempo com Cleo Kuhn e condições do trânsito na região metropolitana, por Saraiva Jr. O doloroso de ouvir são os acidentes e mortes violentas. Depois da crônica de Túlio Milman e do Correspondente Ipiranga, é hora de levantar. Na mesa do café, ponho-me a ler os jornais. Mas das notícias já sei as mais importantes, e os editoriais e crônicas dos colunistas, deixo para saborear à noite, na hora da novela das nove. Se o capítulo me interessa, restam-me os intervalos. Meu humor, ao sair de casa, vai depender em muito do que os “tambores da aldeia global” me comunicarem. A morte de um menino atropelado ao sair da Catequese foi demais. Pensei em meu netinho que agora é adolescente e não precisa sair de mão com ninguém. Agora é que vem o perigo. Fiquei louca de pena dos pais daquele garoto. E devia ter uma vovó que, de coração sangrando, ainda tem a missão de enxugar as lágrimas dos filhos. E tantos adolescentes assassinados nesta última madrugada. Dezesseis, dezessete anos, no vigor da vida. Na rua, nas filas dos bancos e nos supermercados, vou encontrando gente de carne e osso. Que eu posso abraçar, ouvir, conversar. Ontem vi uma colega do primário. Naquele tempo, tão distante, os galos cantavam, e sua mensagem era respondida de pátio em pátio até os confins da cidade. Mas atualmente há coisas melhores. Pelo menos, mais fáceis. Não é preciso esperar que a lenha se transforme em fogo para aquecer o leite do café da manhã. Nem tirar água do poço para tomar banho. Se esqueço de alguma encomenda para o almoço, minha empregada me alcança no celular. Cartões de banco substituem dinheiro e cheques. Difícil é ensinar alguns idosos a guardar as senhas e acessar os devidos botões. Em contrapartida, o peso das misérias humanas se abate mais fortemente sobre todos nós. Ao vivo e a cores, de todos os cantos do mundo pela mídia inclemente. Por isso, à noite, depois de ler os bons cronistas, eu quero mesmo é conviver com meus amigos virtuais: Seinfeld e seus amigos de seriado; Paul e Jamie de “Mad about you”; os detetives e os promotores de “Law & Order” que eu tenho o prazer de reencontrar sempre nos mesmos horários. Às terças é “Tapas e Beijos”; às quintas a “Grande Família” que revelam o talento de nossos artistas nacionais. Sejam daqui ou estrangeiros, o que importa é a carga de humor que transmitem, ajudando a gente a levar a vida. Apesar de tudo e por tudo.