quinta-feira, 18 de outubro de 2012

NOVOS ESTILOS DE VIDA






É preciso mudar, é o que dizem terapeutas, cardiologistas e entendidos em bom viver. Mudar de calçada, de lugar à mesa, de lado da cama e até de cama. Ninguém disse ainda que se deva mudar de travesseiro. Essa eu quero ver alguém seguir! Dizem que a rotina envelhece, entristece, tira o sentido da vida. Por que será? Porque se age automaticamente, talvez, sem pensar nos gestos ou não observando o que se passa ao redor. Ao passo que experimentando algo novo, o interesse renasce.
Lembro-me da mudança para a minha casa de agora. Tudo novo, até os cheiros. Meus filhos queixavam-se da falta dos amigos da antiga vizinhança. Eu adorei os novos horizontes, pois não perdi o carinho dos ex-vizinhos que continuavam me visitando, e eu retribuindo. E ganhei novos que se mostraram muito gentis.
Cheguei a dedicar uma tardinha, após o expediente de trabalho, para explorar as redondezas, percorrendo a pé todo o quarteirão. Descobri quem morava em muitas casas, que eu só via rapidamente ao passar de carro. Senti um cheirinho de pão quente onde um cartaz à janela anunciava que ali era uma padaria caseira. Noutra mais adiante, o anúncio era de salgadinhos e tortas por encomenda. Mercearias, venda de lenha, costureira, tudo isso eu fui descobrindo no meu novo pedaço. Que mina!
Admirei um jardim cheio de rosas. E qual não foi minha surpresa quando a dona da casa me viu e veio ao meu encontro sorrindo. Era uma antiga colega do primário que há muito tempo não via. Concluí que é bom mudar, sair do círculo em que gravitamos sempre nos mesmos lugares, para descobrir outros cenários, conhecer nova gente e redescobrir pessoas que já foram importantes em diferentes épocas de nossa vida.
Hoje sou veterana na quadra. Uma das mais antigas moradoras. Perdi o hábito do chimarrão na área da frente, quando minhas vizinhas mais próximas se reuniam comigo no fim do dia. Houve mudanças – de endereços, de hábitos, e a Internet é o meu programa das tardinhas, quando e-mails são  recebidos e respondidos, vencendo as distâncias e amenizando  saudades. Mas ainda aprecio as novidades das redondezas. Agora estou aguardando a nova padaria que vai abrir em breve. Oxalá faça pães gostosos, melhores do que os dos Supermercados, tão despersonalizados!
Observando agora minha casa, vejo que ela já passou por muitas transformações. Não me lembro o que fiz da mobília da sala, mesa, cadeiras e armário-  daquele tipo oratório -, a mesinha de centro, os sofás modulados.  Mudei tudo. Meu quarto também já não é o mesmo. Foi composto de móveis avulsos, uma cama bem sólida (a antiga quebrava as pernas seguido), a cômoda, a escrivaninha, as mesinhas de cabeceira. Umas eu comprei, outras, mudei de quarto e de utilidade. As peças que não tinham a mesma cor, tratei de mandar pintá-las. Os outros cômodos ficaram diferentes. Filhos adultos só de visita, minha tia partiu para sempre, foi preciso fazer novos arranjos.
Procuro outros trajetos para sair de casa e voltar, mas os destinos permanecem os mesmos - as casas das manas, supermercados, Bancos, igreja. Hoje tenho um aniversário para ir. Uma casa diferente, tenho de achar o endereço. Que bom, é uma quebra na rotina.
Espero ter seguido os conselhos dos entendidos em viver bem.  Tenho mudado tudo o que é permitido mudar, pois a essência é a que fica.
Baixada a poeira das mudanças, não posso deixar-me ficar acomodada. Por isso, vou sacudir o comodismo e... viajar.
É a vida, e para vivê-la em plenitude é preciso estar sempre pronto para 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

NA PROCISSÃO DE RAMOS





Antes, eram filas organizadas, e no meio alguns representantes das associações religiosas portavam seus estandartes. Agora, os fiéis se aglomeram num bloco compacto em torno do andor que leva a imagem do santo homenageado, seguindo seu líder – o Pároco – que preside as orações e cantos.
Neste ano não foi diferente a Procissão de Ramos. Alcancei-a bem no início, logo na saída da Capela, e me coloquei no primeiro vão encontrado, sozinha, sentindo falta de alguém a meu lado.
Logo às primeiras palavras da música “O Povo de Deus”, continuei cantando: “no deserto andava/ e à sua frente,/ alguém caminhava./ O povo de Deus/ era rico de nada/ Só tinha a esperança/ e o pó da estrada.” E a figura de minha mãe, que tanto apreciava esses versos, me fez companhia. Foi tão forte a sua presença que meu coração palpitou de saudade. Mas foi um sentimento bom. Lavou-me a alma.
Eis que avisto meu amigo procurando seu espaço na procissão. E lembro que ele deve estar sentindo falta de sua companheira de fé, a querida sogra, falecida há pouco. Eram tão chegados, como mãe e filho, sempre juntos nas missas de domingo. Perdi-o de vista, mas logo senti seu abraço e daí em diante percorremos todo o trajeto lado a lado, sentindo-nos, tenho a certeza, mutuamente confortados.
Ao evitar os desníveis do paralelepípedo – e os buracos - dei graças pela escolha que fiz dos sapatos para a ocasião. Há anos procurava um modelo assim confortável. Que contivesse meus pés, largos e altos, sem comprimi-los nas antigas formas tão estreitas e apertadas. Lembrei-me do sofrimento nos bailes de outrora: aqueles sapatos de verniz, duros demais e sem a necessária inclinação. Como os empresários da área de então ignoravam o perfil de sua clientela! Viva a nossa indústria calçadista de agora e seus inteligentes designers! Perdoa, Nossa Senhora, se no meio de uma Ave Maria eu fiquei pensando em tudo isso.
Ao meu lado¸ uma senhora miudinha, afro-brasileira (não dá para citar a cor, senão já falam em preconceito)¸ procurava acertar os passos com o cortejo. Lembrava os seus antepassados na maneira de vestir e portar-se: humilde, quase despercebida. Um ar de sofrimento franzindo seu rosto: seriam os sapatos ou algum mal da alma? Engraçado, como nossos irmãos de cor evoluíram de uns tempos para cá. Nem “catinga” eles têm mais. Hoje eles são orgulhosos, até arrogantes, cobrando dos brancos tudo o que lhes devemos em submissão, trabalho, oportunidades perdidas... Melhor assim. Oxalá chegue o tempo de todas as dívidas pagas, e que reine a igualdade entre nós, humanos. Afinal, não somos todos irmãos?
Meu Deus, perdoa minha desatenção. Que me faz olhar à volta e lembrar os antigos moradores das casas por onde passamos. Ali, dona Celeste, exímia tricoteira. Fez algumas peças dos enxovaizinhos dos meus filhos. Na casa vizinha ficava aquela moça que não perdia casamento na igreja. Só para olhar e depois contar às amigas como era o vestido da noiva, o noivo, se ele tinha cara de feliz, os convidados quem eram, enfim, levava dias para concluir a “reportagem”. Dizem as más línguas que ela anotava num caderninho as datas das cerimônias, e quando nascia o primeiro bebê, ela fazia as contas... Na seguinte, era como se as visse ainda: as irmãs Coutinho tão prendadas e piedosas. De missa diária, fazedoras de rosquinhas e outros petiscos muito procurados. Devem estar assistindo lá do céu a nossa passagem.
A procissão prosseguia, e de tempos em tempos os fiéis erguiam os ramos numa saudação ao homenageado -  o Cristo feito homem que entrava em Jerusalém dias antes de sua morte. Parecia-me vê-lo em carne e osso abençoando, casa por casa, os seus moradores, com aquele seu sorriso doce. Foram momentos de plena comunhão, de amor e de paz.
Finalmente a chegada à Matriz. Onde está meu amigo que não vi nos últimos momentos? Eis que sinto seu braço me apoiando na subida da escadaria. E lá dentro uma nuvem de incenso, luzes, cantos, parecia o próprio paraíso. Deus nos acolhendo como Pai. Louvado seja!

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

COMEMORANDO A VIDA






Não é preciso ir longe, basta ligar a televisão. O mundo torna-se pequeno, tudo bem próximo. Assim, é possível ver as comemorações dos japoneses pelo surgimento das cerejeiras em flor a cada nova primavera. Feriado nacional. O povo nos parques, nas praças, nos jardins.
O verde da grama, o riacho tranquilo, as pontezinhas de arquitetura bem característica,  os barquinhos com casais japoneses deslizando mansamente, enquanto admiram os ramos floridos de centenas de cerejeiras debruçadas sobre as margens, são imagens que nos sensibilizam profundamente.Que  nós podemos apreciar, comodamente sentados à frente  da TV, este belo espetáculo representando a vida que está do outro lado do mundo. Revividas com respeito comovido pelos japoneses de São Paulo que, por força das circunstâncias, tiveram de transplantar-se para o lado de cá.
Nós, brasileiros, costumamos comemorar datas de batalhas e de guerras, datas de morte de mártires e de heróis.
Eles, não. Gostam de comemorar a vida. E sua história, mil vezes mais longa que a nossa, não tem nada de mansa. Mais violenta que os nossos gritos do Ipiranga.
Tudo bem! Aos mártires e heróis, a coroa que merecem. Mas não seria mau também comemorar de vez em quando a vida.
E há tanta coisa para celebrar, graças a Deus. A começar pelo pátio da vizinha com um pequeno pomar onde as laranjeiras estão carregadinhas de flores perfumosas, promessas de frutos maduros.
Em nossos longos invernos, é muito bom contar com essas frutas tão cheias de vitaminas. Tal como admirar as cerejeiras em flor dos japoneses, comer laranjas em nossa terra também segue o seu ritual. Valeria  a pena conservar a tradição da família caçapavana que até há poucos anos costumava reunir-se após o almoço para saboreá-las à frente da casa ou no pátio, ao sol do inverno. De preferência colhendo-as diretamente do pé.
Um ritual seguido à risca era o ato de descascar a fruta. Tarefa dos adultos, enquanto as crianças ficavam pedindo mais e mais. E exigiam -  Quero com tampa. Mas, se fossem de umbigo, o melhor seria em gomos, Havia os perfeccionistas que cavavam um pequeno buraco no topo da laranja, por onde era possível chupar o suco sem deixá-lo escorrer fora.
As crianças maiores, e os jovens, iniciavam-se nessa arte, fazendo competições: quem descasca mais ligeiro e sem fazer cortes na pele branca. Acontecia de saírem cascas perfeitas, que eram depois dependuradas a secar no varal. Lembram-se para que serviam? No fogão a lenha, transformavam-se em gravetos sequinhos, muito bons para iniciar o fogo.
Hoje as coisas mudaram. Não há mais quintal nem pomares, pelo menos nas cidades maiores. As laranjas vêm empacotadas em saquinhos plásticos dos Supermercados. Perderam o seu cheiro e até o sabor. Não se sabe de onde elas vêm. Nem conservam um galhinho com folhas verdes, tão boas para o chá que cura resfriados e faz baixar a febre.
Hoje há máquinas para fazer suco em quase todos os lares. Gerações e gerações estão-se criando sem aprender a descascar uma laranja, nem a mastigar seu bagaço.
Mas estamos em Caçapava, terra dos “papa-laranjas”, e se não as temos no quintal, não nos faltam os fregueses das chácaras próximas para trazê-las até nós.
Um poeta disse que as rosas são as mais democráticas de todas as flores. Porque são vistas tanto nos jardins das mansões como nos ranchos mais humildes, com seu perfume e beleza. Assim digo eu das laranjas: estão na mesa do rico, mas também servem de sobremesa ou aperitivo ao mais pobre que não tem açúcar para fazer doces.
Quem viu as cerejeiras em flor do Japão do Discovery deve ter lembrado de outro espetáculo que não perde para o primeiro: é o que assistimos todos os anos, quando nossas laranjeiras florescem. Vale a pena estar bem próximo para admirá-lo e sentir o suave perfume.
Mesmo que os ventos soprem forte, despetalando as flores em tapete branco pelo chão, outras conseguirão tranformar-se em frutos, e o espetáculo da vida se renovará sempre diante dos olhos de quem desejar apreciá-lo. Ao vivo...
Isso não é um bom motivo para comemorar?