terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Errata:
Na crônica As Vovós e os Botões cometi um engano. Em vez de escrever FRANCISCO ALVES, escrevi Francisco Carlos. Desculpem. Feliz Ano Novo.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

AS VOVÓS E OS BOTÕES






Considero-me privilegiada. Vivo em dois mundos. Sou do tempo do Repórter Esso com as notícias da 2ª Guerra Mundial, do Rei da Voz Francisco Carlos, da capital da república no Rio de Janeiro, das Rainhas do Rádio Emilinha Borba e Marlene e agora vou festejar o centenário de Lupicínio Rodrigues, que considero  ainda novo, um guri.
Atravessei muitas fases em que as modas eram outras e agora são imitadas de forma estilizada. Rui Spohr se refere às tendências dos anos 50, 60, 70, como se fossem muito antigas – mas com todo o respeito – e eu acho que elas parecem ter acontecido ainda ontem...
Quando me olho no espelho, fico comparando meus sinais de idade com os de minhas tias faceiras que não se descuidavam dos cremes. Peles muito boas, bem claras e protegidas do sol. Elas se horrorizavam quando nos viam de volta da praia bem escurinhas. Tinham razão, ainda mais se considerarmos as deficiências da camada de ozônio de agora. E dizer que em criança fiz aplicações de ultravioleta para curar minha anemia.
Neste verão escaldante do mês de dezembro, fico imaginando como as coitadas suportavam o calor da estação com as roupas que usavam. Nada de bermudas e camisetas, nem calças jeans. Shortinhos e vestidinhos, nem pensar. Eles  tapavam  os joelhos, com mangas até quase a metade do braço e decote  - só nos vestidos de festa.
Mas o que mais me causa admiração eram os mantôs pretos, de seda pesada que as tias e avós daquela época usavam. Eram abotoados de cima abaixo com botões forrados do mesmo tecido, e as alcinhas para fechá-los tinham um acabamento perfeito. Que trabalheira para vestir ou despir!
Tudo, porém, tem suas compensações, e a gente acostuma logo com os novos hábitos.
O mundo girou, girou, as maquininhas surgiram, e ninguém escapa de sua tecnologia. Nem os menos letrados, pois para receberem a aposentadoria têm sua senha e devem apertar os botões.
Enquanto me familiarizo com a TV de alta fidelidade, os skipes e novos aplicativos do computador – já apertei botões errados, e só os filhos, netos ou sobrinhos me tiraram dos apuros – vou bendizendo certas inovações que nos vêm dando uma vida mais confortável. Ventiladores, ar condicionado, batedeiras e liquidificadores, como é que nossas avós viviam sem eles? Sem celular, ficando dias e dias esperando notícias dos filhos! Agora é só clicar e já sabemos onde estão e o que fazem. Cada dia mais aperfeiçoados e inteligentes.
As vovós de agora deixaram o cesto de costura de lado e se ocupam com o Notebook.  Os botões são outros, mas a satisfação de conectar-se com o mundo, a vida, as pessoas queridas é mil vezes maior.
Um Feliz Ano Novo com tudo o que temos direito. Deus nos abençoe.



sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

MAIS UM ANO






Não vejo mais a figura do velhinho encurvado, cajado no ombro e um cartaz com o número do ano que se despede. E do outro lado o bebê sorridente, coradinho, de cachinhos loiros, acenando com o novo estandarte do ano que vai começar. Estavam sempre na sobrecapa do calendário. Dá uma peninha na gente aquele vovozinho e, por que não confessar, também do menininho inocente. Sabe-se lá o que terá de viver.  Mas a hora é de comemoração, a família toda brindando às boas coisas que aconteceram e em especial ao amor e à compreensão que nos vêm unindo há tanto tempo. Que bom!
Se formos lembrar tudo o que aconteceu, vamos dar razão a qualquer cartomante que previu coisas boas e coisas ruins. Tragédias e conquistas, gente famosa morrendo, calouros “bombando”, políticos e criminosos aprontando novos golpes - nenhuma novidade, já vimos esse filme que vem sendo repetido há séculos e séculos.
Mas, procurando esquecer as grandes tristezas coletivas, e a mágoa da perda de amigas queridas, um grande acontecimento foi a visita do Papa ao Brasil na Jornada Mundial da Juventude. Foi quando se revelou a verdadeira alma do povo brasileiro. Gentil, sonhador, acolhedor e piedoso. Além das aparências, apesar das falhas da Segurança, da ganância dos aproveitadores e oportunistas, o clima daqueles abençoados dias foi perfeito, lembrando os primeiros tempos do cristianismo. Até hoje as imagens daqueles dias tão especiais nos animam fazendo crer que a bondade existe.
O verão chegou no dia certo e com ele o calor que promete aumentar ainda mais. As pobres flores dos canteiros das avenidas e jardins – ainda bem que recebendo boas aguadas – vão ficando murchinhas sob o calor do sol. As hortênsias, coitadas, apareceram tão vistosas e agora têm a aparência de fim de estação. Geralmente dá gosto chegar perto e sentir seu frescor. Elas me lembram os fins de ano com suas formaturas e entregas de prêmios escolares. A grande mesa do salão da escola secundária era sempre ornamentada com essas flores, os professores tinham um ar solene ao entregar-nos as notas – resultados de um ano dedicado ao estudo e com muitos sacrifícios e privações em prol do sucesso esperado.
No primário, os exames finais tinham um clima austero, o coração da gente batendo forte enquanto os pontos da prova eram sorteados, papel almaço em prontidão, com a margem devidamente dobrada, os tinteiros no vão próprio para eles nas carteiras de madeira maciça recebendo tinta de uma garrafa tamanho família, e finalmente a ordem de “começar”.
Dias depois, junto à entrega dos boletins, havia a exposição dos trabalhos manuais realizados no ano. Meu pobre guardanapo - de quarenta por quarenta centímetros - era minha única obra, de longe competindo com as belas toalhas de chá bordadas por minhas colegas, com pontos de Richilieu, pintura de agulha e outros bem complicados e lindos. Minha mãe, depois de uma boa lavada, enfeitava-o com uma pontilha de crochê e o engomava. Assim parecia mais atraente o coitado. Em compensação, minhas notas mereciam “troféus”, como um cartão pintado pela Irmã Laurentina, que além de artista plástica era nossa professora de música. Com todos os conhecimentos que ela trouxe do Velho Mundo e da sua saudosa Alemanha.
As salas de aula, então, mudavam de aspecto. Chão de madeira devidamente lavado de escova, bem como as carteiras na ocasião cobertas com os trabalhos das alunas, não tinham mais o ar de ambiente de estudo que tanto nos ocupou durante o ano. E as hortênsias ali estavam também.
Nossos fins de ano mudaram tanto nas últimas décadas. Meus manos e eu agora somos do primeiro escalão, os venerandos, que nas festinhas familiares ocupam os primeiros lugares nas mesas. Parece que foi ontem o tempo em que servíamos o chá ou refrigerantes nos aniversários de nossos pais!  Os dias e anos passaram tão rápido que ainda não assimilei meu novo papel. Acho graça quando alguém me dá o braço para subir ou descer uma escada, transpor algum obstáculo, enfim... Ainda me sinto a filha daqueles velhinhos queridos que só nos deixaram lembranças doces e uma grande capacidade de amar assim como eles nos amaram.
Minhas amigas de mocidade estão-se indo. Mas não me sinto só, pois  agora tenho a graça de fazer novas amizades, gente mais nova que eu, que me acompanharão até o fim.
Bendito ano que passou, com suas tristezas superadas e expectativas de dias felizes. Na convivência de filhos, irmãos, amigos que são o meu mundo.
Pensando bem, as alegrias foram em maior número. Obrigada, meu Deus.



            

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

QUANDO OS JACARANDÁS FLORESCEM






De novo aquele cheirinho agradável de fruta amadurecendo, que sempre aparece no início de cada verão. Só que não é de fruta. Há poucos anos descobri que vem da corticeira em flor. Aquela do Clube Recreativo está uma beleza! As pétalas, tão alvas, têm a maciez do rostinho de criança.
Enquanto isso os jacarandás também se apresentam no seu esplendor – uma nuvem lilás roubando a cena nas avenidas de nossa cidade. É uma imagem que me transporta a um grande acontecimento em minha vida, o nascimento de meu filho caçula.
Da janela do quarto do hospital foi que os surpreendi pela primeira vez justamente quando todas as flores se abriam. Novembro, mês do aniversário. Perguntei que árvore era aquela. Foi então que adotei o jacarandá como uma das minhas preferidas.
A História Sagrada nos conta que o homem foi feito de barro, e Deus soprou-lhe a vida. Os minerais, vegetais e animais foram criados antes, e o ser humano já nasceu num estágio mais evoluído. As diversas teorias falam que somos um conjunto de todos esses elementos, e é natural que nos identifiquemos com um ou outro preferencialmente. Eu sou da árvore, ela me fascina todo o tempo. Não passo por uma sem admirá-la, elas merecem minha atenção e respeito.
Inconscientemente fui associando o jacarandá com a personalidade do meu filho. Expandindo-se em galhos e ramos, brotos e flores, tudo no seu tempo certo. Como um ser social, disposto a cultivar amizades, a prestar serviços, a compartilhar. Alegre, comunicativo como o Gijo, que desde bebezinho procurava comunicar-se com as pessoas ao redor. Na rua, nos ônibus, na escola, na vida. Sempre me incentivando a mudar, sair da rotina, trocar o velho pelo mais novo, a TV preto e branco pela colorida, o canal aberto pelo pago, a máquina de escrever pelo microcomputador, a Internet, o celular...
Mantendo minha casa sempre cheia de amigos, jovens simpáticos que até hoje, adultos, me tratam com carinho.
E agora, fora de casa, ele está cada vez mais perto pelo amor que nos une, o dia a dia contado ao telefone todas as noites, as dificuldades e alegrias, os desafios e as conquistas, sem nada a esconder.
No dia de hoje, seu aniversário, quero mandar-lhe um muito obrigada por ser meu filho, uma bênção, um milagre que agradeço todos os dias a Deus. E de ter-me dado a querida Adriane, sua companheira amada, que se não fosse para ser nora, pediria aos céus que fosse minha filha.
Flores de jacarandá, voltem sempre para comemorarmos por muitos e muitos anos esta data feliz.


domingo, 17 de novembro de 2013

AS RUAS FALAM





Ouso dizer que as ruas de uma cidade são como rios, sempre mudando de cara. As casas, calçadas, meio da rua podem ser os mesmos, mas as variáveis são muitas. Ruas alagadas pelas chuvas, ruas torrando ao sol escaldante de verão, ruas tranquilas nas tardes de domingo, ruas agitadas nas vésperas dos feriados, feriadões ou  eventos sociais importantes.
As ruas variam também ao sabor dos dias da semana ou do mês. Quando esse começa, seus passantes aglomeram-se em torno das agências bancárias para receber ou efetuar pagamentos. Estacionar um carro é um problema, e nos dias de calor a “briga” dos motoristas é para conseguir um lugar à sombra. Raríssima em nossa cidade de poucas árvores – a nossa Clareira na Mata.
À frente das lojas e supermercados oferecendo promoções, o movimento é intenso e lembra uma cidade grande.
Depois do dia quinze a gente respira aliviado. Impostos, taxas e prestações pagas, porém mais nada a receber, o remédio é apertar a bolsa e procurar outros afazeres. As ruas, então, são espaços abertos para pedestres ou motoristas. Somos uma cidade interiorana sustentada economicamente na maior parte pelas aposentadorias de seus habitantes idosos. Portanto, nossa receita municipal é bem previsível.
As ruas de dia têm uma cara, e nas altas horas outra muito diferente. Pela manhã, bem cedinho, são as empregadas domésticas que se dirigem ao trabalho. Coitadas! É a hora preferida dos estupradores, mas que fazer? É confiar em Deus e no socorro do próximo.
Também, ali pelas seis horas, ônibus das empresas de calcáreo recolhem seus trabalhadores em determinadas esquinas.
E o sono dos aposentados é interrompido pelo ronco dos motores desses coletivos e ainda mais pelo aquecimento dos caminhões de transporte, o que leva mais tempo, nos invernos. Aprendi a calcular a hora ouvindo esses barulhos. Porque galo cantando na minha vizinhança não se ouve mais. Que saudade!
Um pouco depois, são estudantes com suas mochilas e cara de sono. Seguem-se os funcionários de repartições ou do comércio, muitos deles – principalmente as comerciárias – em suas motinhas barulhentas, mas nem tanto.
À noite, depois do fechamento dos bares e pizzarias, o movimento escasseia, e o cidadão comportado pode dormir um sono profundo. Nem sempre, pois as ruas mudam de donos, e estes não se importam em causar transtorno. São os boêmios, os mal intencionados - arrombadores, assaltantes e bandidos - e os amigos das drogas. Às vezes, apenas alguns jovens sadios saindo de baladas. Música alta nos seus carros velozes, mas tudo bem, a gente entende, é a mocidade. Mas quando os gritos são de brigas, espancamentos, agressões, choro de mulher, aí é de ficar-se arrepiado.
Sirenes da Samu ou da Polícia são frequentes nessas horas, e a gente fica pensando quem terão sido as vítimas. E os culpados?
Enquanto o sono interrompido não volta, ficamos pensando onde estamos. Numa redoma? Cercados de grades e de cadeados, o mundo é dos outros, dos sem lei nem piedade. Mas a claridade do dia é nossa aliada, aí podemos sair do casulo para conviver com nossos semelhantes.
“A porta da rua é a serventia da casa” – quem terá inventado esse chavão e em que  trágicas circunstâncias? Nem é bom pensar nos dramas familiares que levam uma família a esse ponto – expulsar alguém assim.  E esse alguém, antes um ser amado e protegido, vai agora para o “olho da rua” – outro chavão.
Os nomes que dão às ruas não dizem nada ou quase nada. Nomes de políticos que quase ninguém se lembra quem foi. Ou o que fez. Ainda mais, que com essa tendência atual de reviver o nosso passado histórico, muitos deles de heróis se tornam vilões. Deveriam ser chamadas com um nome de flor, ou poético, ou animador. Como Rua da Esperança, das Andorinhas, Rua das Margaridas. Conheço algumas com apelidos medonhos: Beco do Laçaço – onde a Lei Maria da Penha não tem sossego – Rua dos Enforcados e outras até divertidas. O povo tem humor, é a sorte!
Ruas de minha vida, adorei todas elas. Posso contar os dias em que fiquei só dentro de casa. Por doença, é claro, pois como vou deixar de ouvir o seu apelo chamando-me para o social, o encontro com outras pessoas, outros assuntos, outros afazeres? E as surpresas a cada esquina! Minha rotina diária termina na porta da rua. Depois, é só aguardar para ver. E viver...




sexta-feira, 1 de novembro de 2013

FINADOS, DIA DE LEMBRAR







Nas conversas dos últimos dias, ele foi o assunto principal. Todo o mundo se queixava: “Que vento!” Janelas batiam e portas também. Ele soprava nas frestas mais escondidas.
Na rua, os passantes quase davam meia volta no esforço de resistir ao vento que agia com força em sentido contrário.
Se fosse no tempo das saias rodadas, que dilema! As mulheres não saberiam como usar as mãos: para não deixar a roupa levantar ou para proteger o penteado.
Outro sinal de que chegamos a Finados são aqueles lírios se abrindo no canteiro aqui de casa. Plantados por minha saudosa tia, eles vão enfeitar agora o seu túmulo. Ela os cuidava tanto, e agora eles brotaram mais do que em outros anos como uma homenagem póstuma.
Um ar tristonho paira neste céu azul que aos poucos vai ficando sombreado de nuvens. E as memórias rodopiam como o vento e me fazem pensar que estou ouvindo os sinos de bronze – aqueles antigos da igreja matriz – que chamavam os fiéis para a missa das sete, depois das dez nos passados domingos de Caçapava. Ressoavam ao longe, lá nas Caieiras, no Pinheiro, Chácara Queimada, Segredo...
Revi os vultos endomingados dos paroquianos de então, com suas roupas melhores, exalando perfumes da Coty.  Senhoras e moças bem vestidas e penteadas entrando pelo corredor central da Matriz. Gente recalcada costumava dizer que missa não era lugar para desfile de modas. Mas eu achava tão bonito vê-las passar, ajoelhar-se, abrir suas bolsas de couro, tirar um lencinho de renda. Tenho certeza que até o bom Deus aprovava. Estar bonito, ou pelo menos na melhor forma, é uma obra de caridade que se pratica ao próximo. Assim dizia uma grande professora que tive – Noemy Athayde.
Tempo e vento andam sempre ligados. Eles trazem de volta o passado. Dizem que o que Deus faz, o homem separa, e o vento reúne outra vez.
Nesse tempo de Finados, quanta gente que já não mora mais aqui temos ocasião de rever ! O problema é reconhecer no senhor corpulento, na senhora grisalha, os mesmos jovens que eles foram quando partiram.
A vida passa, as rugas chegam, os cabelos escasseiam ou embranquecem, mas o sorriso fica, e este não muda a expressão de alegria pelo reencontro.
Flores têm o seu dia de festa. As amarelas daquele arbusto-  mesmo no chão - ficam tão bonitas! E as folhas despencadas pelo vento escondendo-se no cantinho do portão! Parece que uma vassoura jeitosa as amontoou ali, bem juntinhas e quase desapercebidas.
Esse redemoinho, eu pensava em criança que escondia o Saci Pererê. Bastava encostar uma garrafa sem tampa, empurrar o maroto numa soprada de vento para dentro e colocar a rolha de volta. E ele seria nosso para fazer todas as travessuras possíveis.
Finados, gente querida que partiu de nosso convívio. Mas continua fazendo parte de nossas vidas na saudade, nos exemplos, no grande amor que nos uniu. Sua lembrança é mais forte neste dia em que visitamos seus túmulos e os enfeitamos com flores, última homenagem que podemos prestar-lhes. Deus os tenha em seu Reino, Amém.



sexta-feira, 11 de outubro de 2013

BAILES DE OUTROS TEMPOS





Como tudo acontece no mundo, os bailes também têm seu prazo de validade na vida da gente. Cinco, dez anos, não mais do que isso. Depois perdem o encanto, as músicas são outras, e as circunstâncias também.
As músicas de “meus” tempos eram os tangos, boleros, às vezes alguma valsa. E o samba e a marchinha nos carnavais.  Precisavam acertar os passos, dois p´rá cá, um prá lá na valsa. No bolero, dois para um lado, dois para o outro. O tango era mais complicado. Passos para a frente e para trás e uns volteios que só os bem entendidos conseguiam acertar. Um espetáculo!
Os bailes, então, imperavam como acontecimentos muito importantes.  Quando mal surgia a TV – as imagens distorcidas, branco e preto, precisando sempre de uma correção, não interessavam os jovens – Internet nem pensar!  De mídia, só o rádio é que existia.
Portanto, as ocasiões para encontros de jovens eram raras. Para os mais tímidos, os namoros resumiam-se em  flirt (só de olhares), ao passarem um pelo outro na rua ou em festas da igreja. Os bailes, sim, podiam aproximar os namorados que então conversavam e se entendiam para os próximos encontros. Muitos casamentos foram alinhavados nessas  oportunidades, e muitos casais, mesmo depois das Bodas de Prata costumavam dançar no aniversário do Clube para lembrar...
A cidade se animava quando um baile era anunciado. Pode-se dizer que os dançarinos viviam no antes, no agora e no depois. Primeiro, nos preparativos, as moças providenciando vestidos, enfeites, cuidados com os cabelos, a pele, as unhas. Os rapazes, menos complicados, precisavam escovar o terno, rever as condições da camisa, pedir emprestada uma gravata, engraxar os sapatos, um bom corte de cabelo e não esquecer a brilhantina para domá-lo. Ensaiar um bom sorriso e pronto.
Clube feericamente iluminado e de portas e janelas abertas, a orquestra lançando seus primeiros acordes, os participantes iam chegando emocionados ao salão. Os rapazes costumavam ficar logo na entrada, e as mocinhas com seus pais ou responsáveis geralmente iam para as mesas previamente reservadas. E o moço tinha de atravessar o salão para convidar sua escolhida para dançar. Enlaçava o par pela cintura, e ela colocava uma das mãos no seu ombro, enquanto com a outra ficavam de mãos dadas. Os pés é que se mexiam, nada de gingados de cintura e quadris como acontece hoje.
Sempre o número de rapazes era bem menor que o das moças, e o terror dessas era fazer “crochê” a noite toda, isto é, ficar sem dançar nenhuma marca.
A noite prosseguia cheia de emoções até que a orquestra tocava a música final, sua característica. Quem estava feliz e realizado pedia mais, e os músicos atendiam sorrindo a seu desejo.
Dias depois, o assunto ainda era o baile. Namoros iniciados ou interrompidos, histórias de traições - amigas que tomavam o par de outras - mas geralmente tudo era alegria ao recordar aquela noite mágica que balançou aquelas vidinhas pacatas e deixou muitas  promessas no ar.



terça-feira, 17 de setembro de 2013

PRIMAVERA CHEGANDO





Ao dobrar aquela esquina, o passante recebe em cheio o perfume das frísias do jardim.
Noutro canteiro, os pés baixinhos de azálea, de tão carregados de flores, parecem garotinhas roliças vestidas de prenda com saia de muita armação.  As flores de laranjeira da vizinha renovam nosso gostinho de estar viva.
Os pássaros cantam alegres, e a vida retoma um ritmo de festa no colorido do entardecer.
Já se pode contemplar o céu estrelado sem estremecer de frio. E a lua, que nos últimos dias não tem cessado de surpreender-nos, vem surgido com um acompanhante bem próximo. Parece uma estrela, mas dizem que é o planeta Vênus, ou Marte. Quem sabe?
Novos caminhantes ensaiam seus primeiros passos nas calçadas da vizinhança. Vultinhos, que no inverno eram  bebês envoltos em mantas,  agora já mostram seu sorriso inocente  enquanto se equilibram nas perninhas ainda bamboleantes.
Vovôs e vovós se animam a sair à rua, procurando os bancos do calçadão para uma parada e um bom papo, sem medo de resfriados.
Os jovens já podem namorar à luz das estrelas.
Para apreciar melhor esta primavera que está chegando, é só olhar os canteiros de nossas praças e avenidas cheios de flores, amores perfeitos, bocas de leão, alegrias de jardim, cravinas -  que beleza! A gente fica alegre e sente que a vida renasce, e as tristezas dão uma trégua.
Nossa cidade criou alma nova. O trânsito, o comércio, as pessoas nas ruas têm uma  energia que traz grandes esperanças. De progresso e de paz, frutos da solidariedade, de caminhar de mãos dadas, povo e seus governantes.
É preciso acreditar nos administradores da cidade. Isso está acontecendo. E acreditando, os munícipes têm gosto em colaborar para o bem comum. Respeitando as áreas públicas, os bancos das praças, as calçadas. Para que todos se sintam felizes em ser parte dessa cidade cartão postal no Portal do Pampa. Cheia de belezas e riquezas naturais que aprendemos a honrar e conservar.
Parabéns, caro prefeito Otomar, seus colaboradores, edis e voluntários, que estão mostrando que é possível mudar e levantar nossa auto estima que esteve tão abalada.

Novos tempos, nova vida. Deus seja louvado! 

sábado, 7 de setembro de 2013

EM TORNO DA MESA





Que bom viver em cidade do interior, ter tudo à mão, mais ou menos perto de pontos estratégicos, local de trabalho, escolas, Supermercados, Farmácias, Bancos e Igrejas. Não depender de enormes filas de ônibus! Outra grande vantagem: poder almoçar em casa antes do turno da tarde. Sentar à mesa com os familiares e ter aquelas conversas que só precisam de meias palavras - todos se entendem.  Melhor ainda aos domingos e feriados quando a gente pode ficar mais tempo prolongando a reunião, sem pressa de acabar. Felizmente nesses dias  é a folga da cozinheira, a louça pode esperar na pia sem prejuízos a ninguém.
Nas grandes cidades quantas famílias nem mesa têm. Cada um almoça perto de seu local de trabalho, e quando em casa servem o prato e vão sentar à frente da televisão. Cada um no seu mundo, os diálogos são raros.
Quando estudantes, nas férias as refeições da família ficavam bem animadas, cada um falando de seus estudos e das idéias de como modificar o mundo para melhor. Todos éramos a favor dos pobres e desvalidos. Uma tia se horrorizava e dizia: “Vocês são comunistas”. Não me lembro de nossas propostas, mas do guisadinho feito pela Marcina não consigo esquecer. Era picado na medida certa, muito melhor do que o fazem agora essas máquinas modernas. E que gostinho o dele, com o molho natural, da própria carne, que ela sabia fazer fritando a cebola.
Nos domingos, frango assado era o prato principal, e não sei como naquele tempo ele era suficiente para toda a família, atendendo ao gosto de cada um. Carne clara, carne escura, coxas, peito, até miúdos que eram disputados pacificamente. Eu preferia o fígado.
A salada de maionese da casa dos Dindos não tinha igual. Não descobri o segredo, mas lembro que o frango assado sobrava para o jantar. Era quando o Dindo distribuía as entradas para o cinema e pedia que fôssemos antes deles. Para guardar os lugares. Lá chegando era certo encontramos Maria, João Santos e seus filhos, amigos diletos dos tios. Vizinhos de poltronas, sempre.
No ano que passei nos Gomes –  eu ajudava a filha única deles, minha grande amiga, nos estudos – foi quando saí da minha magreza de então para vários quilos a mais. Pudera! As mulheres da família cozinhavam bem demais. Aos domingos não faltava a massa feita em casa com um molho que jamais alguém conseguiu fazer. Nem nas Casas de Massa em São Paulo encontrei semelhante.
O pai da minha amiga assinava a revista X-9, de contos policiais. Tive pilhas delas à minha disposição. Antes do almoço eu ficava lendo aqueles enredos fascinantes, dos melhores autores de ficção detetivesca da época, enquanto sentia os cheiros das gostosuras que aconteciam lá na cozinha. Até hoje salivo ao lembrá-los. E quando engravidei do meu primogênito, o único desejo que eu tive – fui uma gestante muito comportada – foram aquelas massas da Dona Alice. Mais tarde visitei essa família no Rio de Janeiro, almocei com eles, e a massa já não era feita em casa. Gostosa por causa do molho que era o mesmo, mas lembrei com saudades aquelas tiras perfeitas que elas cortavam com tanta maestria. Somente com a faca. Duvido que os “chefs” de agora consigam essa proeza.
Hoje, aposentada, tenho o luxo de permanecer à mesa enquanto minha fiel doméstica almoça – ela sempre espera que eu termine para depois servir-se- e ali conversamos sobre os assuntos do momento e as tramas das novelas.  Fico sabendo tanta coisa da vida na periferia! Como os “auxiliares de serviços gerais” sobrevivem e conseguem realizar seus sonhos mais urgentes. Famílias que se endividam e caem para sempre no SPC, mas não deixam de comemorar bodas, quinze anos, casamentos de filhos. As mocinhas parecendo top model com as jaquetinhas de couro vegetal ou napa ou coisa parecida. Mas o efeito é o mesmo. Algumas viram garotas de programa. Os rapazes caem nas drogas, fazem parte das gangues, volta e meia a polícia faz blitz por lá. É o jeito de gozar daquilo que os afortunados ganham de graça, já nasceram assim. Mas é lá, também, que se encontram as fiéis acompanhantes de idosos e de doentes, as empregadas domésticas com ótimas referências, os ovos crioulos e o leite puro de tambos bem cuidados. O  técnico sem diploma que conserta eletrodomésticos bem rápido e sem demora. É só dar o grito, e eles aparecem. Benza-os Deus.
Fico pensando na grande verdade: não é só de pão que vive o homem.  Imagino a gostosura do pão e dos peixes que Jesus comia com os apóstolos. Tendo por tempero a sua palavra, o seu olhar de amor, os gestos.
Que refeição bem gostosa foi aquela que Ele preparou para os amigos pescadores, no milagre da grande pescaria. Enquanto eles chegavam de barco às margens, Cristo assava os peixes para mitigar-lhes a fome e o cansaço. Na missa ao ouvir esse Evangelho, fico louca de fome.
Vou agora a um almoço em família – aniversário de um sobrinho querido. Desde já antegozo o prazer do churrasco e acompanhamentos, mas principalmente o reencontro com  familiares e amigos que muita coisa têm a partilhar.

Uma mesa cheia. Sem pressa de levantar. Que bom!

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

AMARRANDO AS PONTAS







Passei por tantas fases na vida – bem longa, com a graça de Deus - que preciso seccioná-las para desfrutar plenamente de suas lembranças. E os reencontros com pessoas dessa ou daquela época ajudam no processo.
É verdade que o mundo gira, está sempre rodando, e nós nessa dança, agora cada vez mais frenética, precisamos apegar-nos a alguma coisa mais sólida para não cair.
Meus livros de cabeceira variavam de acordo com minha própria evolução. Li muito Cronin, nos momentos de idealismo e de fé na humanidade. O personagem de Chaves do Reino, um padre de oitenta anos morando na China na maior pobreza, foi um dos heróis mais cotados. E os médicos ingleses que o autor colocava em localidades humildes, sem grandes recursos a não ser a sua capacidade de acertar pela própria cabeça e senso de humanidade. Lembrei-me deles nos episódios de agora focando médicos cubanos vindo para o Brasil. O que pensar disso? Se me perguntarem na rua, nas pesquisas de opinião, nem sei o que dizer. Certo ou errado?  Na Inglaterra dos tempos de Cronin, os recém formados tinham de passar um tempo no interior, em localidades humildes, para depois terem o direito de ir para as cidades maiores. Assim mesmo, submetendo-se a provas teóricas e práticas e aguardando uma vaga. Era o pagamento pelo estudo em universidade pública. Mas nós somos Brasil, e aqui tudo é diferente, os ricos estudando de graça, e os mais pobres tendo de pagar instituições particulares. E os que podem mais estabelecendo-se nos melhores lugares após a formatura, com os clientes  bem colocados na vida.

Mas não era isso que eu queria falar hoje, e sim nos reencontros que acontecem quando a gente menos espera. As redes sociais – virtuais – facilitam muito. Pessoas que saíram de nosso meio para outros destinos, quantos anos se passaram, e agora reaparecem. Pois este ano de 2013, que para muitos pressagia desastres, trouxe-me uma grata surpresa: o reencontro com minha afilhadinha do coração, aquela que na sua tenra idade tive o privilégio de acolher como filha. Imprevistos nos separaram, muitas lágrimas e saudades. Foram anos e anos de procura, e a Internet ajudou e muito a encontrá-la. Agora nos correspondemos seguidamente, por enquanto de maneira virtual, mas com promessa de uma visita no próximo verão. São pedaços de minha vida que se romperam e agora conseguiram recompor-se. Não inteiramente, pois houve muitas mudanças de parte a parte, mas estou-me esforçando para amarrar as pontas que escaparam e fazer um nó bem forte para que não mais se rompam.  Confio em Deus que me ajude.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

NOSSO PAI DE CADA DIA





Neste último Dia dos Pais, fiquei lembrando as pequeninas coisas que caracterizavam nosso pai, essa figura querida que lembramos com tanto carinho. Lembro-me dele à cabeceira da mesa presidindo as refeições. Tinha um modo elegante de servir-se, usando garfo e faca como mandam as etiquetas.  Ele veio de um lar muito simples, de gente da campanha. Quem o ensinou?
Gostava de vê-lo pôr farinha no feijão e misturá-lo com laranja de umbigo.
Após o almoço, cada um de nós chegava até ele para receber a colherada de emulsão de Scott seguida de um gomo da fruta. Assim, não dava para sentir o gosto do remédio que era tomado sem queixa. Papai temia as gripes e gostava de saber-nos prevenidos contra elas. Além das preocupações com a doença, as despesas com os remédios ameaçavam o modesto orçamento da família.
Papai gostava de frutas, e seu pequeno pomar tinha um pessegueiro (seu orgulho) que dava pêssegos gostosíssimos. Que só ele apanhava e fazia questão de oferecer-nos com muito orgulho e satisfação. O primeiro colhido na época ficava um dia ou dois no guarda-louça da cozinha esperando amadurecer bem. Quando chegava a hora, ele descascava-o com todo o  cuidado para reparti-lo conosco. Doty, a mais gulosa, não via a hora de poder comê-los inteirinhos.
Nas manhãs de domingo, antes da Missa das dez, nós o víamos fazendo a barba diante do espelho pendurado na parede da copa-cozinha. Noutras manhãs, perdíamos o “espetáculo”, porque era a hora de ir à escola. Tão pequeno e ficava bem alto, fora de nosso alcance. O barbeador, antes do descartável de hoje, um aparelho que se abria ao apertá-lo para colocar a lâmina, não era a mais conhecida Gilette, mas da marca Valete, mais resistente. Sua barba, muito densa e forte assim o exigia. Aquelas lâminas eram poupadas e afiadas numa tira de couro guardada junto com seu kit de barba numa caixa de goiabada – de madeira. Ah, lembrei-me de outra cena doméstica que ele protagonizava. Éramos loucos por açúcar, e quando não havia sobremesa, ele abria uma embalagem desse doce. Nós ficávamos na expectativa, salivando, enquanto ele tirava com uma faca os grampos da tampa. Colocava a barra num prato raso e ia partindo fatia por fatia, enquanto mamãe lhe alcançava nossos pratos.
Seu senso de economia funcionava admiravelmente. Pudera! Ele foi um ótimo profissional, contador da Prefeitura, perito em fazer orçamentos. E no lar nada de essencial nos faltava, mas ele combatia todo o desperdício. Dava gosto ver seu prato depois das refeições. Costumava dizer, fazendo graça, que funcionário público tem que roer os ossos, e assim ele fazia.
O expediente na Prefeitura era em dois turnos, o da tarde começando às duas horas. Depois do almoço, sobrava-lhe um tempinho para uma soneca de janelas abertas para não perder a hora. Ele e a mamãe ficavam ouvindo as novelas do rádio deitados. Duvido que soubessem da trama a metade, pois o sono atrapalhava. Quando se ouvia o barulho das chaves tilintando no molho que ele usava no cinto, sabíamos que ele já levantara e estava pronto para retornar ao trabalho.
Voltava à tardinha, e então se dedicava aos assuntos do lar. Conferir o caderno do armazém, ouvir os relatos do dia dos filhos e da esposa, assinar os boletins do colégio – e que satisfação a minha quando lhe apresentava as notas altas! Papai se mostrava satisfeito, mas nunca me incentivou a competir com os colegas pelo primeiro lugar. E eu lhe agradeço também por mais esse traço de seu caráter. Ele sempre nos deixou escolher nossos caminhos, sem pressão, mas infundindo-nos sua confiança. Sempre dizia que deixaria como nossa herança a educação. E assim foi, mas muito mais do que isso. Todos os  valores que norteiam nossos caminhos.
À noite, antes de irmos para a cama, havia o beijo e o pedido de bênção. Dormíamos tranquilos, não antes de ouvi-lo passar as trancas nas portas da frente e da cozinha e verificar os ferrolhos das janelas. Nas noites de tempestade seus cuidados com a segurança da casa eram ainda maiores.
Domingos de visita aos avós, caminhando no meio da rua, nós na frente e eles seguindo de braço dado atrás, naquele diálogo interminável de um casal feliz.
Ou nos levava a um piquenique. A pé, nas cercanias da cidade. Ele fazia um churrasco, e era tudo tão gostoso.
Pequenos flashs ficam pipocando na minha memória, e eu vejo aquela figura inesquecível trepado numa cadeira meio capenga, com a doce companheira firmando-a, enquanto ele trocava alguma lâmpada queimada. Ou trocando fuzíveis no “contador” da sala., que estavam sempre queimando. Nossa rede elétrica era um desastre na época. Noutros momentos, recordo-o puxando o balde do poço onde ele colocara garrafas de refrigerante ou apenas água para refrigerar. As bebidas ficavam na temperatura certa para os nossos suaves verões.
Estas são lembranças apenas de minha infância e começo da adolescência. Quando todos, pais e irmãos coabitávamos debaixo daquele teto abençoado.
A vida nos levou a outros lares, e a figura do nosso pai foi ganhando novas dimensões, de avô, de amigo, de companheiro em todas as horas, de exemplo. E enchendo-nos de muito carinho e orgulho de sermos seus filhos.
Posso dizer com certeza que nunca nenhum de nós, seus filhos, teve crises de rebeldia na adolescência. Nunca o recriminamos por nada. E todos os dias até hoje, lhe agradecemos, e a nossa querida mãe, pelos caminhos que nos ajudaram a escolher na vida. Sermos seus filhos foi um “privilégio”, como diz minha querida amiga Rita.



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

AS COISAS TÊM ALMA?






Coisa tem alma? Depende. Às vezes me surpreendo ouvindo o que me dizem objetos que acumulei na vida e me contam estórias... Eles me remetem a tempos idos, lembram pessoas e fatos que não consigo ou não desejo esquecer.
Rezando diante da imagem do Coração de Jesus, devotamente colocado acima da lareira da sala, revejo com os olhos da saudade minha tia, de quem o herdei, rezando diante dele. E sinto que aquela imagem, na sua estrutura de papel, vidro e moldura, não é apenas um objeto inerte. Ele guarda tanta energia, tanta fé e também muitas lágrimas e pedidos de ajuda.  Por isso minhas orações me dão a esperança de serem atendidas.
A vida tem suas fases, e da infância passamos à juventude, à maturidade, à velhice. Mas sempre fica alguma coisa de cada etapa manifestando-se em nossa maneira de agir e encarar as coisas. Por isso aceito certas manias que estou adquirindo e o meu gosto pelas relíquias que me cercam.
Nestas noites frias de nosso inverno, achei bem escondidinha num baú uma peça de meu enxoval de noiva, que passei a usar agora. Uma “maianita” (assim se dizia e não sei de que língua ela vem) tricotada pela Chica em nossos serões de conversa e cafezinho, no antigo Hotel do Comércio. Revejo com saudade as figuras queridas da Elsa, da Amélia, da Lindóia, da Ana Maria, às vezes a Norma, depois que atendia no balcão de doces do cinema de seu pai. Todas já disseram seu adeus definitivo. Fazíamos tricô, e as conversas sobre o mundo e nossas vidas, cada uma exercendo uma profissão, bancária, comerciária, professora, tricoteira, eram variadas. Não se resumiam em falar nos alunos, como em reuniões de colegas minhas, também apaixonadas pela profissão. Mas nas noites em que o cinema exibia novos filmes, não contassem comigo e com a Elsa. Era um de nossos hobbies.
Hoje o sensato é ficar em casa para fugir do frio e da umidade do inverno. Cada uma na sua casinha, como diz minha mana Duty, e a companhia são os personagens das novelas. E se todas as irmãs, agora viúvas e com os filhos criados, passassem a morar junto, não seria o ideal? Mas como abandonar nosso cantinho, nossos guardados que tentamos diminuir a cada faxina, mas que formam o relicário de nossas vidas?
São dilemas que a gente vai empurrando com a barriga até que eles se resolvam por si mesmos. Até lá, vamos conservar nossas lembranças e a cada dia tirar o pó dos objetos que as representam. Pendurados nas paredes, colocados de enfeite na mesinha da sala, sobre a cômoda do quarto, nas cristaleiras e armários de livros, ninguém os tire dali.  Eles são pedaços de nós e falam de coisas que só nós entendemos.


sábado, 27 de julho de 2013

NOVAS ESPERANÇAS





Este ano, de 2013, não cessa de surpreender-nos. Cada mês, cada semana, novidades acontecem. Coisas que a gente nem imaginava. Umas boas, outras trágicas, como o incêndio da Boate Kiss. Mas tudo isso ficou em segundo plano nestes últimos dias. A vinda do Papa para a Jornada Mundial da Juventude abalou o país. De vibração, comoção, solidariedade, beleza. Foi como S. Francisco estivesse entre nós. Com o seu amor aos pobres, aos desvalidos e injustiçados. Ou o próprio carisma de Jesus Cristo se expressasse por ele nas várias aparições oficiais e espontâneas. Um chefe poderoso dispensando privilégios e confortos, desejando estar em contato direto com o povo, acariciando criancinhas. Dando esperanças a este povo tão machucado pelos desmandos dos governantes, esquecido em seus anseios mais básicos, saúde, segurança, educação. E como um pai amoroso aprovou as manifestações de rua e criticou a “pacificação” das favelas. Adorei o incentivo e suas palavras: “ A grandeza de  uma nação só pode ser medida a partir de como ela trata seus pobres, como ela soluciona a questão das favelas.”
Confesso que revigorei minha fé na Igreja Católica. Senti-me orgulhosa de estar sob o comando de um chefe tão espetacular na sua simplicidade, pureza de intenções e piedade. Que mostrou estar em casa onde quer que o roteiro do evento o tenha levado. No Rio, na Aparecida, pelas ruas, nos altares. Foi um raio de sol que brilhou sobre nós aquecendo-nos a alma e nos aproximando mais dos irmãos. Que exemplos maravilhosos de solidariedade esta Jornada nos trouxe. A Juventude tem-nos surpreendido. Nada de alienados como os mais velhos os julgávamos até há pouco. Os jovens estão conscientes da realidade, dispostos à luta pelas transformações que se fazem necessárias em nosso país. Podemos agora gozar mais tranquilos nossas aposentadorias, apenas rezar e dar-lhes a força de nosso carinho e compreensão. Pois em suas mãos está o futuro do Brasil. Mais justo, mais humano, mais próspero e feliz.
Outra novidade que nos tirou da cama sem queixas foi a neve em Caçapava do Sul. Começando na madrugada fria que não nos impediu de apreciá-la e tirar belas fotos. Ficamos famosos nos noticiários, jornais, revistas e TV. Parece que há trinta anos não acontecia. Minha irmã da Rua 7 se queixa da falta dos passarinhos na árvore da calçada. Eles faziam uma alegre algazarra nos finais de tarde ao se recolherem aos ninhos. Parece que foram buscar plagas mais quentes. Mas eles voltam, para desgosto dos carros ali estacionados. A sujeira dos capôs não sai com pouca água, é preciso esfregar...
Tudo isso nos trouxe umas férias inesperadas das tristes notícias. Foi um intervalo valioso em que pudemos apreciar melhor a vida e acreditar que o bem ainda existe e pode vencer o mal. Nossa situação política, econômica e moral é alarmante, mas, como disse o nosso querido Papa, temos que ter esperanças. Deus é pai. Não estamos sós.                   

sábado, 13 de julho de 2013

A SOGRA DO WALCYR

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 Em nome do bom senso, é difícil acreditar que haja sogras como a personagem do Walcyr na novela Amor à Vida. Uma megera! Convidada, a contragosto do genro, para morar com a filha na casa da família, ela não esquece as velhas implicâncias com ele. E continua a hostilizá-lo, pedir-lhe satisfações e colocar espiões à sua volta para flagrá-lo em mais uma infidelidade conjugal. Até no    seu ambiente de trabalho, o Hospital que ele dirige.
Pois eu conheci alguém que parece ter sido a inspiração para essa figura. Era a Dona Mimosa, que de mimosa não tinha nada. Viúva pobre, criou a filha única como uma princesinha bem vestida (a mãe era exímia costureira), e preparou-a desde cedo para um  casamento de sucesso. A mocinha era meiga e bem bonitinha, e com os truques da mãe – estar no lugar certo na hora certa e agir certo – conseguiu um bom partido. Ele era diretor de importante instituição pública do Estado. Pois a sogra metia o bedelho até na repartição, convidando para o chá da tarde as secretárias mais influentes e delas extraindo os segredos que lhe interessavam. Daí a uma rede de intrigas e fofocas foi um passo. Pode-se dizer que ela foi a responsável por muitas decisões oficiais do pobre genro...
Um dia destes, recordando essa personagem intrigante, minha mana lembrou uma de suas façanhas. Nossa tia era amiga desde jovem da filha dela e continuavam seu relacionamento visitando-se com frequência, na casa de uma, na capital, ou da outra, no interior. Numa ocasião, Dona Mimosa se queixava de que titia estava demorando a aparecer por lá. E descobriu que o motivo foram nossas doenças de criança que fizeram nossa Dinda vir em socorro da mãe atribulada. Pois a velhinha, enciumada com essa preferência, escreveu uma violenta carta que ficou na história. Em certo trecho dizia assim: “Ondina, quando te juntas com a tua mana e a filharada dela, é como construíres uma arca de Noé só para vocês. O resto do mundo pode soçobrar que nem estás ligando.” Ficamos encantadas com a expressão “soçobrar” que a velhinha empregou. Ela conhecia o poder das palavras e usava as expressões lidas nos romances da época, cheio de palavras pomposas!
Hoje somos as fontes mais antigas para essas heranças históricas. Quando procuramos alguém para confirmar nossas lembranças, não a encontramos mais. Somos sobreviventes de um mundo que ficou para trás. Como no filme Farherneit, do livro de mesmo nome, história de uma sociedade do futuro que proibia livros e leituras, e os rebeldes – escondidos em florestas -  decoravam as obras famosas, passando-as oralmente aos mais novos que tinham de também de decorá-las, porque os livros  eram incendiados em grandes fogueiras pelas brigadas do governo.
Tal como eles, mas sem a mesma pressão e sofrimento, pelo contrário, quando hoje nos reunimos em aniversários, casamentos e até mortes, os assuntos remontam a décadas atrás. E as lembranças se reacendem e se complementam. É quando uma das manas chega divertida dizendo: Trago hoje “novidades” antigas. O bom é que os mais novos se interessam, ficam ouvindo e depois passarão adiante. Assim, a tradição oral não vai morrer.
Por isso achei interessante registrar esse episódio da sogra e ao mesmo tempo confirmar que a arte imita a vida. E a inspiração se encontra em toda a parte...


sexta-feira, 5 de julho de 2013

NA RETAGUARDA









Este ano de dois mil e treze será lembrado como o da explosão do povo brasileiro, que cansou de ser bonzinho. Quando a gente – nós, os inativos – pensava que a juventude estava alienada, que pra eles tudo bem desde que não lhe faltassem os prazeres, eis que a turba se levanta através das redes sociais e faz aquele barulho! Capaz de fazer tremer os escalões superiores que mandavam e desmandavam sem ouvir suas reivindicações. Bem feito! E nós, na retaguarda, de mãos atadas, sem poder de barganha – quem vai atrás dos pedidos de aposentados que não fazem o país parar com greves? - vimos o milagre acontecer. Alguém pensou como nós, alguém sentiu como nós e com a força da juventude foi à luta. Que bom, nós que descríamos do poder da Internet, achando que só servia para distanciar os jovens dos diálogos com os mais velhos, agora descobrimos sua importância. Não foi preciso comícios, não foi preciso debates preliminares em locais anunciados previamente, pois quando chegou a hora, todos estavam avisados e compareceram.
As ruas e praças das grandes cidades, e até de pequenas, tornaram-se campo de batalha, onde se digladiam manifestantes contra policiais que, diga-se a bem da verdade, não desejam ferir ninguém. Mas, na confusão, quem pode garantir. E os maus elementos se infiltram, e as depredações e saques acontecem. Diz um analista político que, se não houvesse violência, o governo não reagiria tão rápido para conceder vantagens e voltar atrás em medidas desfavoráveis ao povo.
O fato é que a rotina foi abalada, nunca sabemos o que vem depois. Tememos pelos filhos, parentes e amigos que se encontram nesse burburinho, tendo que sair para o trabalho e não sabendo por qual caminho voltar. As notícias que a gente lê primeiro nos jornais mudaram de página. Em vez de Polícia, passou para Política e Economia. Pode ser que ali tenha havido as soluções esperadas.
Resta-nos rezar e esperar. Mas, acima de tudo, cabe-nos demonstrar o nosso amor e compreensão, pois somos os responsáveis pelo clima da família, pelo aconchego que faz a vida valer a pena. Ela deve ser preservada. É a salvação do mundo.

Estamos na retaguarda, mas quem diz que não é uma posição importante? 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

PELÚCIAS, BANLONS, MOLETONS










O inverno chegou com a cara dele -  chuva, cerração, frio. E na hora certa. Bem como o outono deste ano que foi só amanhecer o primeiro dia da estação, e as temperaturas ficaram amenas, as copas das árvores foram-se desfolhando, as folhas ficando amarelas e algumas bem vermelhas, dando um colorido bonito às nossas praças.
Fiquei me lembrando do prazer que sentia na infância em acompanhar minha mãe à loja de seu Juanico. Lá ela comprava pelúcias e fustão para os nossos pijamas de inverno. Eles tinham figuras de bichinhos que proporcionavam momentos bem divertidos ao admirá-los.
Desde então, as estações tiveram muitas variantes, fazendo calor no inverno e frio nos dias de Natal. Mas agora parece que se comportaram, obedecendo aos velhos padrões.
O que tem mudado e muito são os tecidos de inverno. Há tantos nomes estranhos, geralmente em inglês, apresentando os conjuntos de blusa e casaquinho que têm sido a moda atual. E o couro das jaquetas passou a ser sintético, em nome da proteção aos animais. Peles, nem pensar. Nota dez aos casacões de nylon de agora - os parkás -  que são verdadeiros blindados protegendo-nos do frio. É só puxar o zíper, e nenhum arzinho manhoso penetra. E são leves, diferentes dos pesados casacos de antigamente. Para complementá-los, as mantas leves ou de lã para proteger o rosto.
Antes da moda da calça comprida e da “licença” para as mulheres usá-la, ainda no meu tempo de estudante, lembro-me que as pernas ficavam desprotegidas, até que surgiu a moda da meia americana que ia até um pouco abaixo do joelho.  então era só o carpim, hoje soquete, protegendo apenas os pés. E a vida era bela, a gente se animava a sair à noite para assistir ao cinema ou a algum torneio de vôlei ou de basquete, na escola ou na praça central. Ainda bem que os jovens estarão sempre aí para enfrentar as intempéries com o calor de seu entusiasmo e fazer a vida continuar a ser vivida.
Quem falou que a juventude de hoje está alienada teve de voltar atrás diante dos últimos acontecimentos. Cara pintada do fim da ditadura é “café pequeno” comparada com as movimentações de agora nas capitais e cidades brasileiras. Dá medo, mas as coisas erradas das altas esferas levaram a isso. A revolta íntima foi crescendo, crescendo até explodir.
Estamos na raia, os idosos e aposentados, mas isso não quer dizer que nos acomodamos. No mínimo estamos rezando para que surjam líderes patrióticos e altruístas que pensem em assegurar o bem comum. Livrando-nos da ganância de políticos que representam o povo, mas só pensam em usufruir vantagens. Não dá mais para dormir tranquilo quando sabemos que estamos sendo governados por gente que deveria estar na cadeia, tais os descalabros praticados.
Devem aparecer alguns Tiradentes, mas que não sejam martirizados, pelo contrário. Que sejam seguidos e que nossa pátria volte a viver dias tranqüilos de paz, fartura e bem estar. Amém.




domingo, 9 de junho de 2013

ANTES NÃO ERA ASSIM






Quando acordo de madrugada, fico em vão esperando ouvir o canto dos galos que antes se “comunicavam” de terreiro a terreiro com seu clarim natural. Fico lembrando os velhos pátios povoados de galinhas cacarejantes, patos, marrecos, cachorros e por vezes algum porco engordando no chiqueiro, ou peru com trato especial à espera das festas de fim de ano.
Nas chácaras, os gansos tinham sua hora certa de ir à lagoa para o costumeiro banho refrescante. Em fila, passavam por baixo da porteira e seguiam majestosamente sem olhar para trás. Orgulhosos e felizes.
Os porcos transitavam livremente pelo pátio até serem selecionados para o engorde. Então, ficavam no chiqueiro recebendo rações extras até chegarem ao ponto do abate. Mas pareciam satisfeitos e só pensavam em comer.
Há dias, numa reportagem da  Globo, vi uma porca numa pocilga moderna, com todas as medidas de higienização obedecidas. Mas, coitada, acabara de parir uma porção de leitõezinhos, e seu espaço mal dava para acolher os filhotes para as mamadas, e as grades que limitavam sua raia faziam feridas em seu dorso quando tentava mudar de posição. O que era impossível.
Mundo moderno é esse nosso que tira o direito ao bem estar dos animais que nos alimentam, isso em nome do lucro, do progresso, do enriquecimento de seus proprietários.
Tenho-me cuidado para não dizer de vez em quando: “no meu tempo não era assim...”
Mas não se ouviam então notícias de ladrões atearem fogo nas vítimas sem dinheiro ou com pouco, para a sua ganância. Não havia filhos matando pais, ou pais entregues às drogas negligenciando os filhos. Nem idosos abandonados à própria sorte, enquanto suas magras pensões sustentam filhos e netos. Esses não pensam que a fonte um dia vai acabar? Mais cedo até por culpa deles que não trataram bem sua galinha dos ovos de ouro.
No meu tempo, os moradores das ruas por onde passava a Procissão de Corpus Christi enfeitavam suas moradias com palmas, flores, imagens de santos e pequenos altares. Hoje, nem as Escolas atenderam ao convite da Paróquia e deixaram os portões fechados, mudos, sem nenhum sinal de vida.
No meu tempo... nas escolas públicas os professores ensinavam religião e preparavam os alunos para a primeira Eucaristia. Não se importavam de sacrificar seus domingos para  acompanhá-los nas missas. Havia então a época das Páscoas: dos estudantes, dos bancários, dos operários, dos doentes, presidiários, dos homens, dos jovens, enfim, era um tempo de confissões e exames de consciência.
Alunos de outros credos não precisavam assistir às aulas de religião, e para eles se preparava outra atividade na mesma hora. Mas o consenso entre professores, pais e o próprio sistema de ensino é que era preciso formar o lado espiritual da criança e do jovem. E não como agora que deixam que eles escolham seu credo depois de crescidos. Mais tarde, sozinhos, rodeados das tentações e superficialidades do mundo, dificilmente se sentirão motivados a procurar o caminho.
Confesso que também sofri builling na escola primária. Sempre houve brincadeiras maldosas entre colegas. Mas nada que provocasse os rancores assassinos das chacinas acontecidas em escolas e universidades, hoje .
As sofisticadas aparelhagens policiais de agora não estão conseguindo vencer os métodos cada vez mais aperfeiçoados das quadrilhas organizadas. Presídios nunca serão suficientes para tantos bandidos.
Gosto de seriados policiais da TV. Mas apenas das partes em que os detetives encontram os culpados, e a Justiça os condena. Programa como Criminal Minds não me atraem, porque mostram crueldades com as vítimas.
Mas enquanto penso que estou assistindo à ficção, os mesmos enredos das séries estão acontecendo entre nós: mocinhas de quinze anos orgulhando-se de serem prostitutas, jovens traficando drogas e assassinando rivais. Com perversidade. De arrepiar os cabelos.
E neste mundo que está ficando tão diferente do antigo, os idosos procuram ajustar-se, e o primeiro mandamento que lhes ensinam é este: “nada de conselhos, fica na tua.”
Para o outro, que eu agora estou desobedecendo “no meu tempo não era assim...”, peço contritamente perdão, mas confesso que eu precisava desse desabafo. Já passou.
Vou agora encontrar-me com a “galera”: um grupo de senhoras da minha idade para o nosso almoço de domingo. Falaremos de assuntos alegres, nada de saudosismos e em nenhum momento a frase tão incompreendida pelos jovens: “ no meu tempo...”



sexta-feira, 31 de maio de 2013

NÃO ESTAVA NO MEU SCRIPT







Pronta para sair e começar o que planejara na minha agenda, eis que a chuva e os relâmpagos me prendem dentro de casa. E o pior, faltou energia em toda a cidade. Caso enfrentasse o mau tempo, nada poderia fazer com os bancos e estabelecimentos comerciais sem o sistema. Ah, no tempo em que a caixa registradora podia funcionar manualmente, isso não acontecia. São coisas do progresso, tecnologia para tudo.
Sem computador e Internet, o que fazer nesta manhã inteirinha? A cozinheira, depois das devidas tarefas do dia foi para a cozinha pilotar o fogão. O almoço está garantido.
Minha opção foi organizar o álbum com as fotos tiradas em Paris, nesta primeira quinzena de maio.
Verdade! Um sonho que jamais me passara pela cabeça nas últimas décadas aconteceu. Ganhei uma viagem à Cidade Luz sem ter concorrido a nenhum prêmio. Aconteceu graças à generosidade de um jovem parente ligado a viagens internacionais. Um amor de pessoa!
Uma semana inteirinha para fazer turismo nesse país de primeiro mundo. De vez em quando eu perguntava à minha mana – a inspiradora dessa viagem, avó do nosso “patrocinador”– onde estamos? E ela respondia sorrindo: em Paris. Não lhe pedi um beliscão de medo da dor. Mas dormia e acordava naquele enlevo: estou aqui na Europa, hemisfério norte, cruzei a linha do Equador, atravessei o Oceano Atlântico. Quem diria?!
Para todo o lado eu via belezas: nos edifícios artisticamente construídos, com desenhos em alto relevo representando flores, cenas históricas ou mitológicas, sacadas protegidas com grades de ferro primorosamente esculpidas parecendo finas rendas. E floreiras culminando a decoração, mesmo nos andares mais altos. Soube que os edifícios antigos continuam não tendo elevadores, e seus moradores sobem escadas e escadas todo o dia e a qualquer hora. Por isso são tão  esbeltos e  elegantes. Não vi ninguém gordo, a não ser em grupo de turistas.
Nas ruas, árvores com flores estranhas, umas parecendo cachos de uva, mas brancas ou vermelhas. Canteiros compondo desenhos multicoloridos, do branco ao rosa, do azul ao roxo, e verdes, muitos verdes nas gramas bem aparadas.
Nunca pensei que a Torre Eiffel fosse tão bonita! Nosso hotel ficava próximo, e ela nos pareceu uma vizinha extremamente simpática, mudando de tons conforme as horas do dia. À noite era dourada e emitia raios luminosos que se estendiam ao longe.
O Arco do Triunfo, visto a qualquer hora, dava sempre aquela impressão de luta e de vitória consagrando o povo francês. Estivemos lá um dia depois da celebração do 8 de maio – o fim da 2ª Guerra Mundial.
A Avenida Champs Elisée de calçadas bem largas, uma multidão andando sem precisar acotovelar-se – havia espaço para todos. Linda de dia e de noite. Postes de luz bem próximos uns dos outros dando uma claridade dourada. E as ruas estreitas e tortuosas do Quartier Latin, com seus bistrôs e restaurantes típicos, apresentando pratos de todos os países exóticos imagináveis, Paquistão, México, Grécia... Montmartre -  lembrando os artistas, pintores, de teatro, escritores em suas mei´águas insalubres de antes da fama. E as ruas de lojas famosas, como a Rivoli, que nossa querida guia nos apresentava. Parece que pelo menos uma amostra de tudo nos foi apresentado.
Versailles, os castelos, os jardins, as filas infindáveis de turistas, mas em perfeita ordem.
Não podia faltar o Museu do Louve, é claro! Não deu para gravar os nomes de tantos pintores cujas obras nos chamaram demais a atenção. A Virgem amamentando o Menino, por exemplo. Um mimo! Para quem não precisa mais fazer vestibular nem concursos para cargos, como nós, aposentadas, o bom mesmo era sentir o clima, sem preocupações de novos conhecimentos. Mas o fato é que eu me achava mergulhada na História e na cultura francesas. Chegava a ouvir os cascos dos cavalos das antigas carruagens levando Maria Antonieta – para as festas ou para o cadafalso. Parecia ver as megeras tricotando diante da guilhotina, aplaudindo as execuções, que começaram pelos opressores do povo e terminaram vitimando os próprios revolucionários.
Nossa missa de domingo foi na Catedral Notre Dame. Não poderia ter sido diferente. A emoção que sentimos participando do mesmo ritual da Igreja Católica num país tão distante do nosso! Que nos serviu de inspiração para nossa independência, o heroísmo de Tiradentes, a promulgação de leis protegendo os Direitos Humanos. E seu lema que deveria ser seguido por todos os povos: “Liberté, Égalité, Fraternité.”

No avião, de volta, eu ainda perguntei à minha mana querida: De onde estamos vindo? E ela respondeu emocionada: De Paris!...