Errata:
Na crônica As Vovós e os Botões cometi um engano. Em vez de escrever FRANCISCO ALVES, escrevi Francisco Carlos. Desculpem. Feliz Ano Novo.
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
AS VOVÓS E OS BOTÕES
Considero-me privilegiada. Vivo em dois mundos. Sou do tempo do Repórter
Esso com as notícias da 2ª Guerra Mundial, do Rei da Voz Francisco Carlos, da
capital da república no Rio de Janeiro, das Rainhas do Rádio Emilinha Borba e
Marlene e agora vou festejar o centenário de Lupicínio Rodrigues, que considero
ainda novo, um guri.
Atravessei muitas fases em que as modas eram outras e agora são imitadas
de forma estilizada. Rui Spohr se refere às tendências dos anos 50, 60, 70,
como se fossem muito antigas – mas com todo o respeito – e eu acho que elas
parecem ter acontecido ainda ontem...
Quando me olho no espelho, fico comparando meus sinais de idade com os de
minhas tias faceiras que não se descuidavam dos cremes. Peles muito boas, bem
claras e protegidas do sol. Elas se horrorizavam quando nos viam de volta da
praia bem escurinhas. Tinham razão, ainda mais se considerarmos as deficiências
da camada de ozônio de agora. E dizer que em criança fiz aplicações de
ultravioleta para curar minha anemia.
Neste verão escaldante do mês de dezembro, fico imaginando como as
coitadas suportavam o calor da estação com as roupas que usavam. Nada de
bermudas e camisetas, nem calças jeans. Shortinhos e vestidinhos, nem pensar. Eles
tapavam os joelhos, com mangas até quase a metade do
braço e decote - só nos vestidos de
festa.
Mas o que mais me causa admiração eram os mantôs pretos, de seda pesada
que as tias e avós daquela época usavam. Eram abotoados de cima abaixo com
botões forrados do mesmo tecido, e as alcinhas para fechá-los tinham um
acabamento perfeito. Que trabalheira para vestir ou despir!
Tudo, porém, tem suas compensações, e a gente acostuma logo com os novos
hábitos.
O mundo girou, girou, as maquininhas surgiram, e ninguém escapa de sua
tecnologia. Nem os menos letrados, pois para receberem a aposentadoria têm sua
senha e devem apertar os botões.
Enquanto me familiarizo com a TV de alta fidelidade, os skipes e novos aplicativos do computador
– já apertei botões errados, e só os filhos, netos ou sobrinhos me tiraram dos
apuros – vou bendizendo certas inovações que nos vêm dando uma vida mais
confortável. Ventiladores, ar condicionado, batedeiras e liquidificadores, como
é que nossas avós viviam sem eles? Sem celular, ficando dias e dias esperando
notícias dos filhos! Agora é só clicar e já sabemos onde estão e o que fazem.
Cada dia mais aperfeiçoados e inteligentes.
As vovós de agora deixaram o cesto de costura de lado e se ocupam com o
Notebook. Os botões são outros, mas a
satisfação de conectar-se com o mundo, a vida, as pessoas queridas é mil vezes
maior.
Um Feliz Ano Novo com tudo o que temos direito. Deus nos abençoe.
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
MAIS UM ANO
Não vejo mais a figura do velhinho encurvado, cajado no ombro e um cartaz
com o número do ano que se despede. E do outro lado o bebê sorridente,
coradinho, de cachinhos loiros, acenando com o novo estandarte do ano que vai
começar. Estavam sempre na sobrecapa do calendário. Dá uma peninha na gente aquele
vovozinho e, por que não confessar, também do menininho inocente. Sabe-se lá o
que terá de viver. Mas a hora é de
comemoração, a família toda brindando às boas coisas que aconteceram e em especial
ao amor e à compreensão que nos vêm unindo há tanto tempo. Que bom!
Se formos lembrar tudo o que aconteceu, vamos dar razão a qualquer
cartomante que previu coisas boas e coisas ruins. Tragédias e conquistas, gente
famosa morrendo, calouros “bombando”, políticos e criminosos aprontando novos
golpes - nenhuma novidade, já vimos esse filme que vem sendo repetido há
séculos e séculos.
Mas, procurando esquecer as grandes tristezas coletivas, e a mágoa da
perda de amigas queridas, um grande acontecimento foi a visita do Papa ao
Brasil na Jornada Mundial da Juventude. Foi quando se revelou a verdadeira alma
do povo brasileiro. Gentil, sonhador, acolhedor e piedoso. Além das aparências,
apesar das falhas da Segurança, da ganância dos aproveitadores e oportunistas,
o clima daqueles abençoados dias foi perfeito, lembrando os primeiros tempos do
cristianismo. Até hoje as imagens daqueles dias tão especiais nos animam
fazendo crer que a bondade existe.
O verão chegou no dia certo e com ele o calor que promete aumentar ainda
mais. As pobres flores dos canteiros das avenidas e jardins – ainda bem que
recebendo boas aguadas – vão ficando murchinhas sob o calor do sol. As
hortênsias, coitadas, apareceram tão vistosas e agora têm a aparência de fim de
estação. Geralmente dá gosto chegar perto e sentir seu frescor. Elas me lembram
os fins de ano com suas formaturas e entregas de prêmios escolares. A grande
mesa do salão da escola secundária era sempre ornamentada com essas flores, os
professores tinham um ar solene ao entregar-nos as notas – resultados de um ano
dedicado ao estudo e com muitos sacrifícios e privações em prol do sucesso
esperado.
No primário, os exames finais tinham um clima austero, o coração da gente
batendo forte enquanto os pontos da prova eram sorteados, papel almaço em
prontidão, com a margem devidamente dobrada, os tinteiros no vão próprio para
eles nas carteiras de madeira maciça recebendo tinta de uma garrafa tamanho
família, e finalmente a ordem de “começar”.
Dias depois, junto à entrega dos boletins, havia a exposição dos
trabalhos manuais realizados no ano. Meu pobre guardanapo - de quarenta por
quarenta centímetros - era minha única obra, de longe competindo com as belas
toalhas de chá bordadas por minhas colegas, com pontos de Richilieu, pintura de agulha e outros bem complicados e lindos.
Minha mãe, depois de uma boa lavada, enfeitava-o com uma pontilha de crochê e o
engomava. Assim parecia mais atraente o coitado. Em compensação, minhas notas
mereciam “troféus”, como um cartão pintado pela Irmã Laurentina, que além de
artista plástica era nossa professora de música. Com todos os conhecimentos que
ela trouxe do Velho Mundo e da sua saudosa Alemanha.
As salas de aula, então, mudavam de aspecto. Chão de madeira devidamente
lavado de escova, bem como as carteiras na ocasião cobertas com os trabalhos
das alunas, não tinham mais o ar de ambiente de estudo que tanto nos ocupou
durante o ano. E as hortênsias ali estavam também.
Nossos fins de ano mudaram tanto nas últimas décadas. Meus manos e eu
agora somos do primeiro escalão, os venerandos, que nas festinhas familiares
ocupam os primeiros lugares nas mesas. Parece que foi ontem o tempo em que
servíamos o chá ou refrigerantes nos aniversários de nossos pais! Os dias e anos passaram tão rápido que ainda não
assimilei meu novo papel. Acho graça quando alguém me dá o braço para subir ou
descer uma escada, transpor algum obstáculo, enfim... Ainda me sinto a filha
daqueles velhinhos queridos que só nos deixaram lembranças doces e uma grande
capacidade de amar assim como eles nos amaram.
Minhas amigas de mocidade estão-se indo. Mas não me sinto só, pois agora tenho a graça de fazer novas amizades,
gente mais nova que eu, que me acompanharão até o fim.
Bendito ano que passou, com suas tristezas superadas e expectativas de
dias felizes. Na convivência de filhos, irmãos, amigos que são o meu mundo.
Pensando bem, as alegrias foram em maior número. Obrigada, meu Deus.
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
QUANDO OS JACARANDÁS FLORESCEM
De novo aquele cheirinho agradável de fruta amadurecendo, que sempre
aparece no início de cada verão. Só que não é de fruta. Há poucos anos descobri
que vem da corticeira em
flor. Aquela do Clube Recreativo está uma beleza! As pétalas,
tão alvas, têm a maciez do rostinho de criança.
Enquanto isso os jacarandás também se apresentam no seu esplendor – uma
nuvem lilás roubando a cena nas avenidas de nossa cidade. É uma imagem que me
transporta a um grande acontecimento em minha vida, o nascimento de meu filho
caçula.
Da janela do quarto do hospital foi que os surpreendi pela primeira vez
justamente quando todas as flores se abriam. Novembro, mês do aniversário.
Perguntei que árvore era aquela. Foi então que adotei o jacarandá como uma das
minhas preferidas.
A História Sagrada nos conta que o homem foi feito de barro, e Deus
soprou-lhe a vida. Os minerais, vegetais e animais foram criados antes, e o ser
humano já nasceu num estágio mais evoluído. As diversas teorias falam que somos
um conjunto de todos esses elementos, e é natural que nos identifiquemos com um
ou outro preferencialmente. Eu sou da árvore, ela me fascina todo o tempo. Não
passo por uma sem admirá-la, elas merecem minha atenção e respeito.
Inconscientemente fui associando o jacarandá com a personalidade do meu
filho. Expandindo-se em galhos e ramos, brotos e flores, tudo no seu tempo
certo. Como um ser social, disposto a cultivar amizades, a prestar serviços, a
compartilhar. Alegre, comunicativo como o Gijo, que desde bebezinho procurava
comunicar-se com as pessoas ao redor. Na rua, nos ônibus, na escola, na vida.
Sempre me incentivando a mudar, sair da rotina, trocar o velho pelo mais novo,
a TV preto e branco pela colorida, o canal aberto pelo pago, a máquina de escrever
pelo microcomputador, a Internet, o celular...
Mantendo minha casa sempre cheia de amigos, jovens simpáticos que até
hoje, adultos, me tratam com carinho.
E agora, fora de casa, ele está cada vez mais perto pelo amor que nos
une, o dia a dia contado ao telefone todas as noites, as dificuldades e
alegrias, os desafios e as conquistas, sem nada a esconder.
No dia de hoje, seu aniversário, quero mandar-lhe um muito obrigada por
ser meu filho, uma bênção, um milagre que agradeço todos os dias a Deus. E de
ter-me dado a querida Adriane, sua companheira amada, que se não fosse para ser
nora, pediria aos céus que fosse minha filha.
Flores de jacarandá, voltem sempre para comemorarmos por muitos e muitos
anos esta data feliz.
domingo, 17 de novembro de 2013
AS RUAS FALAM
Ouso dizer que as ruas de uma cidade são como rios, sempre mudando de
cara. As casas, calçadas, meio da rua podem ser os mesmos, mas as variáveis são
muitas. Ruas alagadas pelas chuvas, ruas torrando ao sol escaldante de verão,
ruas tranquilas nas tardes de domingo, ruas agitadas nas vésperas dos feriados,
feriadões ou eventos sociais importantes.
As ruas variam também ao sabor dos dias da semana ou do mês. Quando esse
começa, seus passantes aglomeram-se em torno das agências bancárias para
receber ou efetuar pagamentos. Estacionar um carro é um problema, e nos dias de
calor a “briga” dos motoristas é para conseguir um lugar à sombra. Raríssima em
nossa cidade de poucas árvores – a nossa Clareira na Mata.
À frente das lojas e supermercados oferecendo promoções, o movimento é
intenso e lembra uma cidade grande.
Depois do dia quinze a gente respira aliviado. Impostos, taxas e
prestações pagas, porém mais nada a receber, o remédio é apertar a bolsa e
procurar outros afazeres. As ruas, então, são espaços abertos para pedestres ou
motoristas. Somos uma cidade interiorana sustentada economicamente na maior
parte pelas aposentadorias de seus habitantes idosos. Portanto, nossa receita
municipal é bem previsível.
As ruas de dia têm uma cara, e nas altas horas outra muito diferente.
Pela manhã, bem cedinho, são as empregadas domésticas que se dirigem ao
trabalho. Coitadas! É a hora preferida dos estupradores, mas que fazer? É
confiar em Deus e no socorro do próximo.
Também, ali pelas seis horas, ônibus das empresas de calcáreo recolhem
seus trabalhadores em determinadas esquinas.
E o sono dos aposentados é interrompido pelo ronco dos motores desses
coletivos e ainda mais pelo aquecimento dos caminhões de transporte, o que leva
mais tempo, nos invernos. Aprendi a calcular a hora ouvindo esses barulhos.
Porque galo cantando na minha vizinhança não se ouve mais. Que saudade!
Um pouco depois, são estudantes com suas mochilas e cara de sono.
Seguem-se os funcionários de repartições ou do comércio, muitos deles –
principalmente as comerciárias – em suas motinhas barulhentas, mas nem tanto.
À noite, depois do fechamento dos bares e pizzarias, o movimento
escasseia, e o cidadão comportado pode dormir um sono profundo. Nem sempre,
pois as ruas mudam de donos, e estes não se importam em causar transtorno. São
os boêmios, os mal intencionados - arrombadores, assaltantes e bandidos - e os
amigos das drogas. Às vezes, apenas alguns jovens sadios saindo de baladas.
Música alta nos seus carros velozes, mas tudo bem, a gente entende, é a
mocidade. Mas quando os gritos são de brigas, espancamentos, agressões, choro
de mulher, aí é de ficar-se arrepiado.
Sirenes da Samu ou da Polícia são frequentes nessas horas, e a gente fica
pensando quem terão sido as vítimas. E os culpados?
Enquanto o sono interrompido não volta, ficamos pensando onde estamos.
Numa redoma? Cercados de grades e de cadeados, o mundo é dos outros, dos sem
lei nem piedade. Mas a claridade do dia é nossa aliada, aí podemos sair do
casulo para conviver com nossos semelhantes.
“A porta da rua é a serventia da casa” – quem terá inventado esse chavão
e em que trágicas circunstâncias? Nem é
bom pensar nos dramas familiares que levam uma família a esse ponto – expulsar
alguém assim. E esse alguém, antes um
ser amado e protegido, vai agora para o “olho da rua” – outro chavão.
Os nomes que dão às ruas não dizem nada ou quase nada. Nomes de políticos
que quase ninguém se lembra quem foi. Ou o que fez. Ainda mais, que com essa
tendência atual de reviver o nosso passado histórico, muitos deles de heróis se
tornam vilões. Deveriam ser chamadas com um nome de flor, ou poético, ou
animador. Como Rua da Esperança, das Andorinhas, Rua das Margaridas. Conheço
algumas com apelidos medonhos: Beco do Laçaço – onde a Lei Maria da Penha não
tem sossego – Rua dos Enforcados e outras até divertidas. O povo tem humor, é a
sorte!
Ruas de minha vida, adorei todas elas. Posso contar os dias em que fiquei
só dentro de casa. Por doença, é claro, pois como vou deixar de ouvir o seu
apelo chamando-me para o social, o encontro com outras pessoas, outros
assuntos, outros afazeres? E as surpresas a cada esquina! Minha rotina diária
termina na porta da rua. Depois, é só aguardar para ver. E viver...
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
FINADOS, DIA DE LEMBRAR
Nas conversas dos últimos dias, ele foi o assunto principal. Todo o mundo
se queixava: “Que vento!” Janelas batiam e portas também. Ele soprava nas
frestas mais escondidas.
Na rua, os passantes quase davam meia volta no esforço de resistir ao
vento que agia com força em sentido contrário.
Se fosse no tempo das saias rodadas, que dilema! As mulheres não saberiam
como usar as mãos: para não deixar a roupa levantar ou para proteger o
penteado.
Outro sinal de que chegamos a Finados são aqueles lírios se abrindo no
canteiro aqui de casa. Plantados por minha saudosa tia, eles vão enfeitar agora
o seu túmulo. Ela os cuidava tanto, e agora eles brotaram mais do que em outros
anos como uma homenagem póstuma.
Um ar tristonho paira neste céu azul que aos poucos vai ficando sombreado
de nuvens. E as memórias rodopiam como o vento e me fazem pensar que estou
ouvindo os sinos de bronze – aqueles antigos da igreja matriz – que chamavam os
fiéis para a missa das sete, depois das dez nos passados domingos de Caçapava.
Ressoavam ao longe, lá nas Caieiras, no Pinheiro, Chácara Queimada, Segredo...
Revi os vultos endomingados dos paroquianos de então, com suas roupas
melhores, exalando perfumes da Coty.
Senhoras e moças bem vestidas e penteadas entrando pelo corredor central
da Matriz. Gente recalcada costumava dizer que missa não era lugar para desfile
de modas. Mas eu achava tão bonito vê-las passar, ajoelhar-se, abrir suas
bolsas de couro, tirar um lencinho de renda. Tenho certeza que até o bom Deus aprovava.
Estar bonito, ou pelo menos na melhor forma, é uma obra de caridade que se
pratica ao próximo. Assim dizia uma grande professora que tive – Noemy Athayde.
Tempo e vento andam sempre ligados. Eles trazem de volta o passado. Dizem
que o que Deus faz, o homem separa, e o vento reúne outra vez.
Nesse tempo de Finados, quanta gente que já não mora mais aqui temos
ocasião de rever ! O problema é reconhecer no senhor corpulento, na senhora
grisalha, os mesmos jovens que eles foram quando partiram.
A vida passa, as rugas chegam, os cabelos escasseiam ou embranquecem, mas
o sorriso fica, e este não muda a expressão de alegria pelo reencontro.
Flores têm o seu dia de festa. As amarelas daquele arbusto- mesmo no chão - ficam tão bonitas! E as folhas
despencadas pelo vento escondendo-se no cantinho do portão! Parece que uma
vassoura jeitosa as amontoou ali, bem juntinhas e quase desapercebidas.
Esse redemoinho, eu pensava em criança que escondia o Saci Pererê.
Bastava encostar uma garrafa sem tampa, empurrar o maroto numa soprada de vento
para dentro e colocar a rolha de volta. E ele seria nosso para fazer todas as
travessuras possíveis.
Finados, gente querida que partiu de nosso convívio. Mas continua fazendo
parte de nossas vidas na saudade, nos exemplos, no grande amor que nos uniu.
Sua lembrança é mais forte neste dia em que visitamos seus túmulos e os
enfeitamos com flores, última homenagem que podemos prestar-lhes. Deus os tenha
em seu Reino ,
Amém.
sexta-feira, 11 de outubro de 2013
BAILES DE OUTROS TEMPOS
Como tudo acontece no mundo, os bailes também têm seu prazo de validade
na vida da gente. Cinco, dez anos, não mais do que isso. Depois perdem o
encanto, as músicas são outras, e as circunstâncias também.
As músicas de “meus” tempos eram os tangos, boleros, às vezes alguma
valsa. E o samba e a marchinha nos carnavais. Precisavam acertar os passos, dois p´rá cá, um
prá lá na valsa. No bolero, dois para um lado, dois para o outro. O tango era
mais complicado. Passos para a frente e para trás e uns volteios que só os bem
entendidos conseguiam acertar. Um espetáculo!
Os bailes, então, imperavam como acontecimentos muito importantes. Quando mal surgia a TV – as imagens
distorcidas, branco e preto, precisando sempre de uma correção, não
interessavam os jovens – Internet nem pensar! De mídia, só o rádio é que existia.
Portanto, as ocasiões para encontros de jovens eram raras. Para os mais
tímidos, os namoros resumiam-se em flirt (só de olhares), ao passarem um
pelo outro na rua ou em festas da igreja. Os bailes, sim, podiam aproximar os
namorados que então conversavam e se entendiam para os próximos encontros.
Muitos casamentos foram alinhavados nessas
oportunidades, e muitos casais, mesmo depois das Bodas de Prata
costumavam dançar no aniversário do Clube para lembrar...
A cidade se animava quando um baile era anunciado. Pode-se dizer que os
dançarinos viviam no antes, no agora e no depois. Primeiro, nos preparativos,
as moças providenciando vestidos, enfeites, cuidados com os cabelos, a pele, as
unhas. Os rapazes, menos complicados, precisavam escovar o terno, rever as
condições da camisa, pedir emprestada uma gravata, engraxar os sapatos, um bom
corte de cabelo e não esquecer a brilhantina para domá-lo. Ensaiar um bom
sorriso e pronto.
Clube feericamente iluminado e de portas e janelas abertas, a orquestra
lançando seus primeiros acordes, os participantes iam chegando emocionados ao
salão. Os rapazes costumavam ficar logo na entrada, e as mocinhas com seus pais
ou responsáveis geralmente iam para as mesas previamente reservadas. E o moço
tinha de atravessar o salão para convidar sua escolhida para dançar. Enlaçava o
par pela cintura, e ela colocava uma das mãos no seu ombro, enquanto com a
outra ficavam de mãos dadas. Os pés é que se mexiam, nada de gingados de
cintura e quadris como acontece hoje.
Sempre o número de rapazes era bem menor que o das moças, e o terror
dessas era fazer “crochê” a noite toda, isto é, ficar sem dançar nenhuma marca.
A noite prosseguia cheia de emoções até que a orquestra tocava a música
final, sua característica. Quem estava feliz e realizado pedia mais, e os
músicos atendiam sorrindo a seu desejo.
Dias depois, o assunto ainda era o baile. Namoros iniciados ou interrompidos,
histórias de traições - amigas que tomavam o par de outras - mas geralmente
tudo era alegria ao recordar aquela noite mágica que balançou aquelas vidinhas
pacatas e deixou muitas promessas no ar.
terça-feira, 17 de setembro de 2013
PRIMAVERA CHEGANDO
Ao dobrar aquela esquina, o passante recebe em cheio o perfume das
frísias do jardim.
Noutro canteiro, os pés baixinhos de azálea, de tão carregados de flores,
parecem garotinhas roliças vestidas de prenda com saia de muita armação. As flores de laranjeira da vizinha renovam
nosso gostinho de estar viva.
Os pássaros cantam alegres, e a vida retoma um ritmo de festa no colorido
do entardecer.
Já se pode contemplar o céu estrelado sem estremecer de frio. E a lua,
que nos últimos dias não tem cessado de surpreender-nos, vem surgido com um
acompanhante bem próximo. Parece uma estrela, mas dizem que é o planeta Vênus,
ou Marte. Quem sabe?
Novos caminhantes ensaiam seus primeiros passos nas calçadas da
vizinhança. Vultinhos, que no inverno eram bebês envoltos em mantas, agora já mostram seu sorriso inocente enquanto se equilibram nas perninhas ainda
bamboleantes.
Vovôs e vovós se animam a sair à rua, procurando os bancos do calçadão
para uma parada e um bom papo, sem medo de resfriados.
Os jovens já podem namorar à luz das estrelas.
Para apreciar melhor esta primavera que está chegando, é só olhar os
canteiros de nossas praças e avenidas cheios de flores, amores perfeitos, bocas
de leão, alegrias de jardim, cravinas -
que beleza! A gente fica alegre e sente que a vida renasce, e as
tristezas dão uma trégua.
Nossa cidade criou alma nova. O trânsito, o comércio, as pessoas nas ruas
têm uma energia que traz grandes
esperanças. De progresso e de paz, frutos da solidariedade, de caminhar de mãos
dadas, povo e seus governantes.
É preciso acreditar nos administradores da cidade. Isso está acontecendo.
E acreditando, os munícipes têm gosto em colaborar para o bem comum.
Respeitando as áreas públicas, os bancos das praças, as calçadas. Para que todos
se sintam felizes em ser parte dessa cidade cartão postal no Portal do Pampa.
Cheia de belezas e riquezas naturais que aprendemos a honrar e conservar.
Parabéns, caro prefeito Otomar, seus colaboradores, edis e voluntários,
que estão mostrando que é possível mudar e levantar nossa auto estima que
esteve tão abalada.
Novos tempos, nova vida. Deus seja louvado!
sábado, 7 de setembro de 2013
EM TORNO DA MESA
Que bom viver em cidade do interior, ter tudo à mão, mais ou menos perto
de pontos estratégicos, local de trabalho, escolas, Supermercados, Farmácias,
Bancos e Igrejas. Não depender de enormes filas de ônibus! Outra grande
vantagem: poder almoçar em casa antes do turno da tarde. Sentar à mesa com os
familiares e ter aquelas conversas que só precisam de meias palavras - todos se
entendem. Melhor ainda aos domingos e
feriados quando a gente pode ficar mais tempo prolongando a reunião, sem pressa
de acabar. Felizmente nesses dias é a
folga da cozinheira, a louça pode esperar na pia sem prejuízos a ninguém.
Nas grandes cidades quantas famílias nem mesa têm. Cada um almoça perto
de seu local de trabalho, e quando em casa servem o prato e vão sentar à frente
da televisão. Cada um no seu mundo, os diálogos são raros.
Quando estudantes, nas férias as refeições da família ficavam bem
animadas, cada um falando de seus estudos e das idéias de como modificar o
mundo para melhor. Todos éramos a favor dos pobres e desvalidos. Uma tia se
horrorizava e dizia: “Vocês são comunistas”. Não me lembro de nossas propostas,
mas do guisadinho feito pela Marcina não consigo esquecer. Era picado na medida
certa, muito melhor do que o fazem agora essas máquinas modernas. E que
gostinho o dele, com o molho natural, da própria carne, que ela sabia fazer
fritando a cebola.
Nos domingos, frango assado era o prato principal, e não sei como naquele
tempo ele era suficiente para toda a família, atendendo ao gosto de cada um.
Carne clara, carne escura, coxas, peito, até miúdos que eram disputados
pacificamente. Eu preferia o fígado.
A salada de maionese da casa dos Dindos não tinha igual. Não descobri o
segredo, mas lembro que o frango assado sobrava para o jantar. Era quando o
Dindo distribuía as entradas para o cinema e pedia que fôssemos antes deles.
Para guardar os lugares. Lá chegando era certo encontramos Maria, João Santos e
seus filhos, amigos diletos dos tios. Vizinhos de poltronas, sempre.
No ano que passei nos Gomes – eu
ajudava a filha única deles, minha grande amiga, nos estudos – foi quando saí
da minha magreza de então para vários quilos a mais. Pudera! As mulheres da
família cozinhavam bem demais. Aos domingos não faltava a massa feita em casa
com um molho que jamais alguém conseguiu fazer. Nem nas Casas de Massa em São Paulo encontrei
semelhante.
O pai da minha amiga assinava a revista X-9, de contos policiais. Tive
pilhas delas à minha disposição. Antes do almoço eu ficava lendo aqueles
enredos fascinantes, dos melhores autores de ficção detetivesca da época,
enquanto sentia os cheiros das gostosuras que aconteciam lá na cozinha. Até
hoje salivo ao lembrá-los. E quando engravidei do meu primogênito, o único
desejo que eu tive – fui uma gestante muito comportada – foram aquelas massas
da Dona Alice. Mais tarde visitei essa família no Rio de Janeiro, almocei com
eles, e a massa já não era feita em casa. Gostosa por causa do molho que era o mesmo,
mas lembrei com saudades aquelas tiras perfeitas que elas cortavam com tanta
maestria. Somente com a faca. Duvido que os “chefs” de agora consigam essa
proeza.
Hoje, aposentada, tenho o luxo de permanecer à mesa enquanto minha fiel
doméstica almoça – ela sempre espera que eu termine para depois servir-se- e
ali conversamos sobre os assuntos do momento e as tramas das novelas. Fico sabendo tanta coisa da vida na
periferia! Como os “auxiliares de serviços gerais” sobrevivem e conseguem
realizar seus sonhos mais urgentes. Famílias que se endividam e caem para
sempre no SPC, mas não deixam de comemorar bodas, quinze anos, casamentos de
filhos. As mocinhas parecendo top model
com as jaquetinhas de couro vegetal ou napa ou coisa parecida. Mas o efeito é o
mesmo. Algumas viram garotas de programa. Os rapazes caem nas drogas, fazem
parte das gangues, volta e meia a polícia faz blitz por lá. É o jeito de gozar
daquilo que os afortunados ganham de graça, já nasceram assim. Mas é lá,
também, que se encontram as fiéis acompanhantes de idosos e de doentes, as
empregadas domésticas com ótimas referências, os ovos crioulos e o leite puro
de tambos bem cuidados. O técnico sem
diploma que conserta eletrodomésticos bem rápido e sem demora. É só dar o grito,
e eles aparecem. Benza-os Deus.
Fico pensando na grande verdade: não é só de pão que vive o homem. Imagino a gostosura do pão e dos peixes que
Jesus comia com os apóstolos. Tendo por tempero a sua palavra, o seu olhar de
amor, os gestos.
Que refeição bem gostosa foi aquela que Ele preparou para os amigos
pescadores, no milagre da grande pescaria. Enquanto eles chegavam de barco às
margens, Cristo assava os peixes para mitigar-lhes a fome e o cansaço. Na missa
ao ouvir esse Evangelho, fico louca de fome.
Vou agora a um almoço em família – aniversário de um sobrinho querido.
Desde já antegozo o prazer do churrasco e acompanhamentos, mas principalmente o
reencontro com familiares e amigos que
muita coisa têm a partilhar.
Uma mesa cheia. Sem pressa de levantar. Que bom!
quarta-feira, 4 de setembro de 2013
AMARRANDO AS PONTAS
Passei por tantas fases na vida – bem longa, com a graça de Deus - que
preciso seccioná-las para desfrutar plenamente de suas lembranças. E os
reencontros com pessoas dessa ou daquela época ajudam no processo.
É verdade que o mundo gira, está sempre rodando, e nós nessa dança, agora
cada vez mais frenética, precisamos apegar-nos a alguma coisa mais sólida para
não cair.
Meus livros de cabeceira variavam de acordo com minha própria evolução.
Li muito Cronin, nos momentos de idealismo e de fé na humanidade. O personagem
de Chaves do Reino, um padre de oitenta anos morando na China na maior pobreza,
foi um dos heróis mais cotados. E os médicos ingleses que o autor colocava em
localidades humildes, sem grandes recursos a não ser a sua capacidade de
acertar pela própria cabeça e senso de humanidade. Lembrei-me deles nos
episódios de agora focando médicos cubanos vindo para o Brasil. O que pensar
disso? Se me perguntarem na rua, nas pesquisas de opinião, nem sei o que dizer.
Certo ou errado? Na Inglaterra dos
tempos de Cronin, os recém formados tinham de passar um tempo no interior, em
localidades humildes, para depois terem o direito de ir para as cidades
maiores. Assim mesmo, submetendo-se a provas teóricas e práticas e aguardando
uma vaga. Era o pagamento pelo estudo em universidade pública. Mas nós somos
Brasil, e aqui tudo é diferente, os ricos estudando de graça, e os mais pobres
tendo de pagar instituições particulares. E os que podem mais estabelecendo-se
nos melhores lugares após a formatura, com os clientes bem colocados na vida.
Mas não era isso que eu queria falar hoje, e sim nos reencontros que
acontecem quando a gente menos espera. As redes sociais – virtuais – facilitam
muito. Pessoas que saíram de nosso meio para outros destinos, quantos anos se
passaram, e agora reaparecem. Pois este ano de 2013, que para muitos pressagia
desastres, trouxe-me uma grata surpresa: o reencontro com minha afilhadinha do
coração, aquela que na sua tenra idade tive o privilégio de acolher como filha.
Imprevistos nos separaram, muitas lágrimas e saudades. Foram anos e anos de procura,
e a Internet ajudou e muito a encontrá-la. Agora nos correspondemos
seguidamente, por enquanto de maneira virtual, mas com promessa de uma visita
no próximo verão. São pedaços de minha vida que se romperam e agora conseguiram
recompor-se. Não inteiramente, pois houve muitas mudanças de parte a parte, mas
estou-me esforçando para amarrar as pontas que escaparam e fazer um nó bem
forte para que não mais se rompam. Confio em Deus que me ajude.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
NOSSO PAI DE CADA DIA
Neste último Dia dos Pais, fiquei lembrando as pequeninas coisas que
caracterizavam nosso pai, essa figura querida que lembramos com tanto carinho.
Lembro-me dele à cabeceira da mesa presidindo as refeições. Tinha um modo
elegante de servir-se, usando garfo e faca como mandam as etiquetas. Ele veio de um lar muito simples, de gente da
campanha. Quem o ensinou?
Gostava de vê-lo pôr farinha no feijão e misturá-lo com laranja de
umbigo.
Após o almoço, cada um de nós chegava até ele para receber a colherada de
emulsão de Scott seguida de um gomo da fruta. Assim, não dava para sentir o
gosto do remédio que era tomado sem queixa. Papai temia as gripes e gostava de
saber-nos prevenidos contra elas. Além das preocupações com a doença, as despesas
com os remédios ameaçavam o modesto orçamento da família.
Papai gostava de frutas, e seu pequeno pomar tinha um pessegueiro (seu
orgulho) que dava pêssegos gostosíssimos. Que só ele apanhava e fazia questão
de oferecer-nos com muito orgulho e satisfação. O primeiro colhido na época
ficava um dia ou dois no guarda-louça da cozinha esperando amadurecer bem.
Quando chegava a hora, ele descascava-o com todo o cuidado para reparti-lo conosco. Doty, a mais
gulosa, não via a hora de poder comê-los inteirinhos.
Nas manhãs de domingo, antes da Missa das dez, nós o víamos fazendo a
barba diante do espelho pendurado na parede da copa-cozinha. Noutras manhãs,
perdíamos o “espetáculo”, porque era a hora de ir à escola. Tão pequeno e
ficava bem alto, fora de nosso alcance. O barbeador, antes do descartável de
hoje, um aparelho que se abria ao apertá-lo para colocar a lâmina, não era a
mais conhecida Gilette, mas da marca Valete, mais resistente. Sua barba, muito
densa e forte assim o exigia. Aquelas lâminas eram poupadas e afiadas numa tira
de couro guardada junto com seu kit
de barba numa caixa de goiabada – de madeira. Ah, lembrei-me de outra cena
doméstica que ele protagonizava. Éramos loucos por açúcar, e quando não havia
sobremesa, ele abria uma embalagem desse doce. Nós ficávamos na expectativa,
salivando, enquanto ele tirava com uma faca os grampos da tampa. Colocava a
barra num prato raso e ia partindo fatia por fatia, enquanto mamãe lhe
alcançava nossos pratos.
Seu senso de economia funcionava admiravelmente. Pudera! Ele foi um ótimo
profissional, contador da Prefeitura, perito em fazer orçamentos. E no lar nada
de essencial nos faltava, mas ele combatia todo o desperdício. Dava gosto ver
seu prato depois das refeições. Costumava dizer, fazendo graça, que funcionário
público tem que roer os ossos, e assim ele fazia.
O expediente na Prefeitura era em dois turnos, o da tarde começando às
duas horas. Depois do almoço, sobrava-lhe um tempinho para uma soneca de janelas
abertas para não perder a hora. Ele e a mamãe ficavam ouvindo as novelas do
rádio deitados. Duvido que soubessem da trama a metade, pois o sono atrapalhava.
Quando se ouvia o barulho das chaves tilintando no molho que ele usava no
cinto, sabíamos que ele já levantara e estava pronto para retornar ao trabalho.
Voltava à tardinha, e então se dedicava aos assuntos do lar. Conferir o
caderno do armazém, ouvir os relatos do dia dos filhos e da esposa, assinar os
boletins do colégio – e que satisfação a minha quando lhe apresentava as notas
altas! Papai se mostrava satisfeito, mas nunca me incentivou a competir com os
colegas pelo primeiro lugar. E eu lhe agradeço também por mais esse traço de
seu caráter. Ele sempre nos deixou escolher nossos caminhos, sem pressão, mas
infundindo-nos sua confiança. Sempre dizia que deixaria como nossa herança a
educação. E assim foi, mas muito mais do que isso. Todos os valores que norteiam nossos caminhos.
À noite, antes de irmos para a cama, havia o beijo e o pedido de bênção.
Dormíamos tranquilos, não antes de ouvi-lo passar as trancas nas portas da
frente e da cozinha e verificar os ferrolhos das janelas. Nas noites de
tempestade seus cuidados com a segurança da casa eram ainda maiores.
Domingos de visita aos avós, caminhando no meio da rua, nós na frente e
eles seguindo de braço dado atrás, naquele diálogo interminável de um casal
feliz.
Ou nos levava a um piquenique. A pé, nas cercanias da cidade. Ele fazia
um churrasco, e era tudo tão gostoso.
Pequenos flashs ficam pipocando
na minha memória, e eu vejo aquela figura inesquecível trepado numa cadeira
meio capenga, com a doce companheira firmando-a, enquanto ele trocava alguma
lâmpada queimada. Ou trocando fuzíveis no “contador” da sala., que estavam
sempre queimando. Nossa rede elétrica era um desastre na época. Noutros momentos,
recordo-o puxando o balde do poço onde ele colocara garrafas de refrigerante ou
apenas água para refrigerar. As bebidas ficavam na temperatura certa para os
nossos suaves verões.
Estas são lembranças apenas de minha infância e começo da adolescência. Quando
todos, pais e irmãos coabitávamos debaixo daquele teto abençoado.
A vida nos levou a outros lares, e a figura do nosso pai foi ganhando
novas dimensões, de avô, de amigo, de companheiro em todas as horas, de
exemplo. E enchendo-nos de muito carinho e orgulho de sermos seus filhos.
Posso dizer com certeza que nunca nenhum de nós, seus filhos, teve crises
de rebeldia na adolescência. Nunca o recriminamos por nada. E todos os dias até
hoje, lhe agradecemos, e a nossa querida mãe, pelos caminhos que nos ajudaram a
escolher na vida. Sermos seus filhos foi um “privilégio”, como diz minha
querida amiga Rita.
sexta-feira, 9 de agosto de 2013
AS COISAS TÊM ALMA?
Coisa tem alma? Depende. Às vezes me surpreendo ouvindo o que me dizem
objetos que acumulei na vida e me contam estórias... Eles me remetem a tempos
idos, lembram pessoas e fatos que não consigo ou não desejo esquecer.
Rezando diante da imagem do Coração de Jesus, devotamente colocado acima
da lareira da sala, revejo com os olhos da saudade minha tia, de quem o herdei,
rezando diante dele. E sinto que aquela imagem, na sua estrutura de papel,
vidro e moldura, não é apenas um objeto inerte. Ele guarda tanta energia, tanta
fé e também muitas lágrimas e pedidos de ajuda.
Por isso minhas orações me dão a esperança de serem atendidas.
A vida tem suas fases, e da infância passamos à juventude, à maturidade,
à velhice. Mas sempre fica alguma coisa de cada etapa manifestando-se em nossa
maneira de agir e encarar as coisas. Por isso aceito certas manias que estou
adquirindo e o meu gosto pelas relíquias que me cercam.
Nestas noites frias de nosso inverno, achei bem escondidinha num baú uma
peça de meu enxoval de noiva, que passei a usar agora. Uma “maianita” (assim se
dizia e não sei de que língua ela vem) tricotada pela Chica em nossos serões de
conversa e cafezinho, no antigo Hotel do Comércio. Revejo com saudade as
figuras queridas da Elsa, da Amélia, da Lindóia, da Ana Maria, às vezes a Norma,
depois que atendia no balcão de doces do cinema de seu pai. Todas já disseram
seu adeus definitivo. Fazíamos tricô, e as conversas sobre o mundo e nossas
vidas, cada uma exercendo uma profissão, bancária, comerciária, professora,
tricoteira, eram variadas. Não se resumiam em falar nos alunos, como em
reuniões de colegas minhas, também apaixonadas pela profissão. Mas nas noites
em que o cinema exibia novos filmes, não contassem comigo e com a Elsa. Era um
de nossos hobbies.
Hoje o sensato é ficar em casa para fugir do frio e da umidade do inverno.
Cada uma na sua casinha, como diz minha mana Duty, e a companhia são os
personagens das novelas. E se todas as irmãs, agora viúvas e com os filhos
criados, passassem a morar junto, não seria o ideal? Mas como abandonar nosso
cantinho, nossos guardados que tentamos diminuir a cada faxina, mas que formam
o relicário de nossas vidas?
São dilemas que a gente vai empurrando com a barriga até que eles se
resolvam por si mesmos. Até lá, vamos conservar nossas lembranças e a cada dia
tirar o pó dos objetos que as representam. Pendurados nas paredes, colocados de
enfeite na mesinha da sala, sobre a cômoda do quarto, nas cristaleiras e
armários de livros, ninguém os tire dali.
Eles são pedaços de nós e falam de coisas que só nós entendemos.
sábado, 27 de julho de 2013
NOVAS ESPERANÇAS
Este ano, de 2013, não cessa de surpreender-nos. Cada mês, cada semana,
novidades acontecem. Coisas que a gente nem imaginava. Umas boas, outras
trágicas, como o incêndio da Boate Kiss. Mas tudo isso ficou em segundo plano
nestes últimos dias. A vinda do Papa para a Jornada Mundial da Juventude abalou
o país. De vibração, comoção, solidariedade, beleza. Foi como S. Francisco
estivesse entre nós. Com o seu amor aos pobres, aos desvalidos e injustiçados.
Ou o próprio carisma de Jesus Cristo se expressasse por ele nas várias
aparições oficiais e espontâneas. Um chefe poderoso dispensando privilégios e
confortos, desejando estar em contato direto com o povo, acariciando
criancinhas. Dando esperanças a este povo tão machucado pelos desmandos dos
governantes, esquecido em seus anseios mais básicos, saúde, segurança,
educação. E como um pai amoroso aprovou as manifestações de rua e criticou a
“pacificação” das favelas. Adorei o incentivo e suas palavras: “ A grandeza
de uma nação só pode ser medida a partir
de como ela trata seus pobres, como ela soluciona a questão das favelas.”
Confesso que revigorei minha fé na Igreja Católica. Senti-me orgulhosa de
estar sob o comando de um chefe tão espetacular na sua simplicidade, pureza de
intenções e piedade. Que mostrou estar em casa onde quer que o roteiro do
evento o tenha levado. No Rio, na Aparecida, pelas ruas, nos altares. Foi um
raio de sol que brilhou sobre nós aquecendo-nos a alma e nos aproximando mais dos
irmãos. Que exemplos maravilhosos de solidariedade esta Jornada nos trouxe. A
Juventude tem-nos surpreendido. Nada de alienados como os mais velhos os julgávamos
até há pouco. Os jovens estão conscientes da realidade, dispostos à luta pelas
transformações que se fazem necessárias em nosso país. Podemos agora gozar mais
tranquilos nossas aposentadorias, apenas rezar e dar-lhes a força de nosso
carinho e compreensão. Pois em suas mãos está o futuro do Brasil. Mais justo,
mais humano, mais próspero e feliz.
Outra novidade que nos tirou da cama sem queixas foi a neve em Caçapava
do Sul. Começando na madrugada fria que não nos impediu de apreciá-la e tirar
belas fotos. Ficamos famosos nos noticiários, jornais, revistas e TV. Parece
que há trinta anos não acontecia. Minha irmã da Rua 7 se queixa da falta dos
passarinhos na árvore da calçada. Eles faziam uma alegre algazarra nos finais
de tarde ao se recolherem aos ninhos. Parece que foram buscar plagas mais
quentes. Mas eles voltam, para desgosto dos carros ali estacionados. A sujeira
dos capôs não sai com pouca água, é preciso esfregar...
Tudo isso nos trouxe umas férias inesperadas das
tristes notícias. Foi um intervalo valioso em que pudemos apreciar melhor a
vida e acreditar que o bem ainda existe e pode vencer o mal. Nossa situação
política, econômica e moral é alarmante, mas, como disse o nosso querido Papa,
temos que ter esperanças. Deus é pai. Não estamos sós.
sábado, 13 de julho de 2013
A SOGRA DO WALCYR
-->
Em nome do bom senso, é difícil
acreditar que haja sogras como a personagem do Walcyr na novela Amor à Vida.
Uma megera! Convidada, a contragosto do genro, para morar com a filha na casa
da família, ela não esquece as velhas implicâncias com ele. E continua a
hostilizá-lo, pedir-lhe satisfações e colocar espiões à sua volta para
flagrá-lo em mais uma infidelidade conjugal. Até no seu ambiente de trabalho, o Hospital que ele dirige.
Pois eu conheci alguém que parece ter sido a inspiração para essa figura.
Era a Dona Mimosa, que de mimosa não tinha nada. Viúva pobre, criou a filha
única como uma princesinha bem vestida (a mãe era exímia costureira), e
preparou-a desde cedo para um casamento
de sucesso. A mocinha era meiga e bem bonitinha, e com os truques da mãe –
estar no lugar certo na hora certa e agir certo – conseguiu um bom partido. Ele
era diretor de importante instituição pública do Estado. Pois a sogra metia o
bedelho até na repartição, convidando para o chá da tarde as secretárias mais
influentes e delas extraindo os segredos que lhe interessavam. Daí a uma rede
de intrigas e fofocas foi um passo. Pode-se dizer que ela foi a responsável por
muitas decisões oficiais do pobre genro...
Um dia destes, recordando essa personagem intrigante, minha mana lembrou uma
de suas façanhas. Nossa tia era amiga desde jovem da filha dela e continuavam
seu relacionamento visitando-se com frequência, na casa de uma, na capital, ou
da outra, no interior. Numa ocasião, Dona Mimosa se queixava de que titia
estava demorando a aparecer por lá. E descobriu que o motivo foram nossas
doenças de criança que fizeram nossa Dinda vir em socorro da mãe atribulada.
Pois a velhinha, enciumada com essa preferência, escreveu uma violenta carta
que ficou na história. Em certo trecho dizia assim: “Ondina, quando te juntas
com a tua mana e a filharada dela, é como construíres uma arca de Noé só para
vocês. O resto do mundo pode soçobrar que nem estás ligando.” Ficamos
encantadas com a expressão “soçobrar” que a velhinha empregou. Ela conhecia o
poder das palavras e usava as expressões lidas nos romances da época, cheio de
palavras pomposas!
Hoje somos as fontes mais antigas para essas heranças históricas. Quando
procuramos alguém para confirmar nossas lembranças, não a encontramos mais.
Somos sobreviventes de um mundo que ficou para trás. Como no filme Farherneit,
do livro de mesmo nome, história de uma sociedade do futuro que proibia livros
e leituras, e os rebeldes – escondidos em florestas - decoravam as obras famosas, passando-as
oralmente aos mais novos que tinham de também de decorá-las, porque os livros eram incendiados em grandes fogueiras pelas
brigadas do governo.
Tal como eles, mas sem a mesma pressão e sofrimento, pelo contrário,
quando hoje nos reunimos em aniversários, casamentos e até mortes, os assuntos
remontam a décadas atrás. E as lembranças se reacendem e se complementam. É
quando uma das manas chega divertida dizendo: Trago hoje “novidades” antigas. O
bom é que os mais novos se interessam, ficam ouvindo e depois passarão adiante.
Assim, a tradição oral não vai morrer.
Por isso achei interessante registrar esse episódio da sogra e ao mesmo
tempo confirmar que a arte imita a vida. E a inspiração se encontra em toda a
parte...
sexta-feira, 5 de julho de 2013
NA RETAGUARDA
Este ano de dois mil e treze será lembrado como o da explosão do povo
brasileiro, que cansou de ser bonzinho. Quando a gente – nós, os inativos –
pensava que a juventude estava alienada, que pra eles tudo bem desde que não
lhe faltassem os prazeres, eis que a turba se levanta através das redes sociais
e faz aquele barulho! Capaz de fazer tremer os escalões superiores que mandavam
e desmandavam sem ouvir suas reivindicações. Bem feito! E nós, na retaguarda,
de mãos atadas, sem poder de barganha – quem vai atrás dos pedidos de
aposentados que não fazem o país parar com greves? - vimos o milagre acontecer.
Alguém pensou como nós, alguém sentiu como nós e com a força da juventude foi à
luta. Que bom, nós que descríamos do poder da Internet, achando que só servia
para distanciar os jovens dos diálogos com os mais velhos, agora descobrimos
sua importância. Não foi preciso comícios, não foi preciso debates preliminares
em locais anunciados previamente, pois quando chegou a hora, todos estavam avisados
e compareceram.
As ruas e praças das grandes cidades, e até de pequenas, tornaram-se
campo de batalha, onde se digladiam manifestantes contra policiais que, diga-se
a bem da verdade, não desejam ferir ninguém. Mas, na confusão, quem pode
garantir. E os maus elementos se infiltram, e as depredações e saques
acontecem. Diz um analista político que, se não houvesse violência, o governo
não reagiria tão rápido para conceder vantagens e voltar atrás em medidas
desfavoráveis ao povo.
O fato é que a rotina foi abalada, nunca sabemos o que vem depois.
Tememos pelos filhos, parentes e amigos que se encontram nesse burburinho,
tendo que sair para o trabalho e não sabendo por qual caminho voltar. As
notícias que a gente lê primeiro nos jornais mudaram de página. Em vez de
Polícia, passou para Política e Economia. Pode ser que ali tenha havido as
soluções esperadas.
Resta-nos rezar e esperar. Mas, acima de tudo, cabe-nos demonstrar o
nosso amor e compreensão, pois somos os responsáveis pelo clima da família,
pelo aconchego que faz a vida valer a pena. Ela deve ser preservada. É a
salvação do mundo.
Estamos na retaguarda, mas quem diz que não é uma posição importante?
sexta-feira, 21 de junho de 2013
PELÚCIAS, BANLONS, MOLETONS
O inverno chegou com a cara dele - chuva, cerração, frio. E na hora certa. Bem
como o outono deste ano que foi só amanhecer o primeiro dia da estação, e as
temperaturas ficaram amenas, as copas das árvores foram-se desfolhando, as
folhas ficando amarelas e algumas bem vermelhas, dando um colorido bonito às
nossas praças.
Fiquei me lembrando do prazer que sentia na infância em acompanhar minha
mãe à loja de seu Juanico. Lá ela comprava pelúcias e fustão para os nossos
pijamas de inverno. Eles tinham figuras de bichinhos que proporcionavam
momentos bem divertidos ao admirá-los.
Desde então, as estações tiveram muitas variantes, fazendo calor no
inverno e frio nos dias de Natal. Mas agora parece que se comportaram,
obedecendo aos velhos padrões.
O que tem mudado e muito são os tecidos de inverno. Há tantos nomes
estranhos, geralmente em inglês, apresentando os conjuntos de blusa e
casaquinho que têm sido a moda atual. E o couro das jaquetas passou a ser
sintético, em nome da proteção aos animais. Peles, nem pensar. Nota dez aos
casacões de nylon de agora - os parkás - que são verdadeiros blindados protegendo-nos
do frio. É só puxar o zíper, e nenhum arzinho manhoso penetra. E são leves,
diferentes dos pesados casacos de antigamente. Para complementá-los, as mantas
leves ou de lã para proteger o rosto.
Antes da moda da calça comprida e da “licença” para as mulheres usá-la,
ainda no meu tempo de estudante, lembro-me que as pernas ficavam desprotegidas,
até que surgiu a moda da meia americana que ia até um pouco abaixo do joelho. então era só o carpim, hoje soquete,
protegendo apenas os pés. E a vida era bela, a gente se animava a sair à noite
para assistir ao cinema ou a algum torneio de vôlei ou de basquete, na escola
ou na praça central. Ainda bem que os jovens estarão sempre aí para enfrentar
as intempéries com o calor de seu entusiasmo e fazer a vida continuar a ser
vivida.
Quem falou que a juventude de hoje está alienada teve de voltar atrás
diante dos últimos acontecimentos. Cara pintada do fim da ditadura é “café
pequeno” comparada com as movimentações de agora nas capitais e cidades
brasileiras. Dá medo, mas as coisas erradas das altas esferas levaram a isso. A
revolta íntima foi crescendo, crescendo até explodir.
Estamos na raia, os idosos e aposentados, mas isso não quer dizer que nos
acomodamos. No mínimo estamos rezando para que surjam líderes patrióticos e
altruístas que pensem em assegurar o bem comum. Livrando-nos da ganância de
políticos que representam o povo, mas só pensam em usufruir vantagens. Não dá
mais para dormir tranquilo quando sabemos que estamos sendo governados por
gente que deveria estar na cadeia, tais os descalabros praticados.
Devem aparecer alguns Tiradentes, mas que não sejam martirizados, pelo
contrário. Que sejam seguidos e que nossa pátria volte a viver dias tranqüilos
de paz, fartura e bem estar. Amém.
domingo, 9 de junho de 2013
ANTES NÃO ERA ASSIM
Quando acordo de madrugada, fico em vão esperando ouvir o canto dos galos
que antes se “comunicavam” de terreiro a terreiro com seu clarim natural. Fico
lembrando os velhos pátios povoados de galinhas cacarejantes, patos, marrecos,
cachorros e por vezes algum porco engordando no chiqueiro, ou peru com trato
especial à espera das festas de fim de ano.
Nas chácaras, os gansos tinham sua hora certa de ir à lagoa para o
costumeiro banho refrescante. Em fila, passavam por baixo da porteira e seguiam
majestosamente sem olhar para trás. Orgulhosos e felizes.
Os porcos transitavam livremente pelo pátio até serem selecionados para o
engorde. Então, ficavam no chiqueiro recebendo rações extras até chegarem ao
ponto do abate. Mas pareciam satisfeitos e só pensavam em comer.
Há dias, numa reportagem da Globo,
vi uma porca numa pocilga moderna, com todas as medidas de higienização
obedecidas. Mas, coitada, acabara de parir uma porção de leitõezinhos, e seu
espaço mal dava para acolher os filhotes para as mamadas, e as grades que
limitavam sua raia faziam feridas em seu dorso quando tentava mudar de posição.
O que era impossível.
Mundo moderno é esse nosso que tira o direito ao bem estar dos animais
que nos alimentam, isso em nome do lucro, do progresso, do enriquecimento de
seus proprietários.
Tenho-me cuidado para não dizer de vez em quando: “no meu tempo não era
assim...”
Mas não se ouviam então notícias de ladrões atearem fogo nas vítimas sem
dinheiro ou com pouco, para a sua ganância. Não havia filhos matando pais, ou
pais entregues às drogas negligenciando os filhos. Nem idosos abandonados à
própria sorte, enquanto suas magras pensões sustentam filhos e netos. Esses não
pensam que a fonte um dia vai acabar? Mais cedo até por culpa deles que não trataram
bem sua galinha dos ovos de ouro.
No meu tempo, os moradores das ruas por onde passava a Procissão de
Corpus Christi enfeitavam suas moradias com palmas, flores, imagens de santos e
pequenos altares. Hoje, nem as Escolas atenderam ao convite da Paróquia e
deixaram os portões fechados, mudos, sem nenhum sinal de vida.
No meu tempo... nas escolas públicas os professores ensinavam religião e
preparavam os alunos para a primeira Eucaristia. Não se importavam de
sacrificar seus domingos para
acompanhá-los nas missas. Havia então a época das Páscoas: dos
estudantes, dos bancários, dos operários, dos doentes, presidiários, dos
homens, dos jovens, enfim, era um tempo de confissões e exames de consciência.
Alunos de outros credos não precisavam assistir às aulas de religião, e
para eles se preparava outra atividade na mesma hora. Mas o consenso entre
professores, pais e o próprio sistema de ensino é que era preciso formar o lado
espiritual da criança e do jovem. E não como agora que deixam que eles escolham
seu credo depois de crescidos. Mais tarde, sozinhos, rodeados das tentações e
superficialidades do mundo, dificilmente se sentirão motivados a procurar o
caminho.
Confesso que também sofri builling
na escola primária. Sempre houve brincadeiras maldosas entre colegas. Mas nada
que provocasse os rancores assassinos das chacinas acontecidas em escolas e
universidades, hoje .
As sofisticadas aparelhagens policiais de agora não estão conseguindo
vencer os métodos cada vez mais aperfeiçoados das quadrilhas organizadas.
Presídios nunca serão suficientes para tantos bandidos.
Gosto de seriados policiais da TV. Mas apenas das partes em que os
detetives encontram os culpados, e a Justiça os condena. Programa como Criminal
Minds não me atraem, porque mostram crueldades com as vítimas.
Mas enquanto penso que estou assistindo à ficção, os mesmos enredos das
séries estão acontecendo entre nós: mocinhas de quinze anos orgulhando-se de
serem prostitutas, jovens traficando drogas e assassinando rivais. Com
perversidade. De arrepiar os cabelos.
E neste mundo que está ficando tão diferente do antigo, os idosos
procuram ajustar-se, e o primeiro mandamento que lhes ensinam é este: “nada de
conselhos, fica na tua.”
Para o outro, que eu agora estou desobedecendo “no meu tempo não era
assim...”, peço contritamente perdão, mas confesso que eu precisava desse
desabafo. Já passou.
Vou agora encontrar-me com a “galera”: um grupo de senhoras da minha
idade para o nosso almoço de domingo. Falaremos de assuntos alegres, nada de
saudosismos e em nenhum momento a frase tão incompreendida pelos jovens: “ no
meu tempo...”
sexta-feira, 31 de maio de 2013
NÃO ESTAVA NO MEU SCRIPT
Pronta para sair e começar o que planejara na minha agenda, eis que a
chuva e os relâmpagos me prendem dentro de casa. E o pior, faltou energia em
toda a cidade. Caso enfrentasse o mau tempo, nada poderia fazer com os bancos e
estabelecimentos comerciais sem o sistema. Ah, no tempo em que a caixa
registradora podia funcionar manualmente, isso não acontecia. São coisas do
progresso, tecnologia para tudo.
Sem computador e Internet, o que fazer nesta manhã inteirinha? A
cozinheira, depois das devidas tarefas do dia foi para a cozinha pilotar o
fogão. O almoço está garantido.
Minha opção foi organizar o álbum com as fotos tiradas em Paris, nesta
primeira quinzena de maio.
Verdade! Um sonho que jamais me passara pela cabeça nas últimas décadas
aconteceu. Ganhei uma viagem à Cidade Luz sem ter concorrido a nenhum prêmio.
Aconteceu graças à generosidade de um jovem parente ligado a viagens
internacionais. Um amor de pessoa!
Uma semana inteirinha para fazer turismo nesse país de primeiro mundo. De
vez em quando eu perguntava à minha mana – a inspiradora dessa viagem, avó do
nosso “patrocinador”– onde estamos? E ela respondia sorrindo: em Paris. Não lhe pedi um
beliscão de medo da dor. Mas dormia e acordava naquele enlevo: estou aqui na
Europa, hemisfério norte, cruzei a linha do Equador, atravessei o Oceano
Atlântico. Quem diria?!
Para todo o lado eu via belezas: nos edifícios artisticamente
construídos, com desenhos em alto relevo representando flores, cenas históricas
ou mitológicas, sacadas protegidas com grades de ferro primorosamente
esculpidas parecendo finas rendas. E floreiras culminando a decoração, mesmo
nos andares mais altos. Soube que os edifícios antigos continuam não tendo
elevadores, e seus moradores sobem escadas e escadas todo o dia e a qualquer
hora. Por isso são tão esbeltos e elegantes. Não vi ninguém gordo, a não ser em
grupo de turistas.
Nas ruas, árvores com flores estranhas, umas parecendo cachos de uva, mas
brancas ou vermelhas. Canteiros compondo desenhos multicoloridos, do branco ao
rosa, do azul ao roxo, e verdes, muitos verdes nas gramas bem aparadas.
Nunca pensei que a Torre Eiffel fosse tão bonita! Nosso hotel ficava
próximo, e ela nos pareceu uma vizinha extremamente simpática, mudando de tons
conforme as horas do dia. À noite era dourada e emitia raios luminosos que se
estendiam ao longe.
O Arco do Triunfo, visto a qualquer hora, dava sempre aquela impressão de
luta e de vitória consagrando o povo francês. Estivemos lá um dia depois da
celebração do 8 de maio – o fim da 2ª Guerra Mundial.
A Avenida Champs Elisée de calçadas bem largas, uma multidão andando sem
precisar acotovelar-se – havia espaço para todos. Linda de dia e de noite.
Postes de luz bem próximos uns dos outros dando uma claridade dourada. E as ruas
estreitas e tortuosas do Quartier Latin, com seus bistrôs e restaurantes
típicos, apresentando pratos de todos os países exóticos imagináveis,
Paquistão, México, Grécia... Montmartre -
lembrando os artistas, pintores, de teatro, escritores em suas mei´águas
insalubres de antes da fama. E as ruas de lojas famosas, como a Rivoli, que
nossa querida guia nos apresentava. Parece que pelo menos uma amostra de tudo
nos foi apresentado.
Versailles, os castelos, os jardins, as filas infindáveis de turistas,
mas em perfeita ordem.
Não podia faltar o Museu do Louve, é claro! Não deu para gravar os nomes
de tantos pintores cujas obras nos chamaram demais a atenção. A Virgem
amamentando o Menino, por exemplo. Um mimo! Para quem não precisa mais fazer
vestibular nem concursos para cargos, como nós, aposentadas, o bom mesmo era
sentir o clima, sem preocupações de novos conhecimentos. Mas o fato é que eu me
achava mergulhada na História e na cultura francesas. Chegava a ouvir os cascos
dos cavalos das antigas carruagens levando Maria Antonieta – para as festas ou
para o cadafalso. Parecia ver as megeras tricotando diante da guilhotina,
aplaudindo as execuções, que começaram pelos opressores do povo e terminaram
vitimando os próprios revolucionários.
Nossa missa de domingo foi na Catedral Notre Dame. Não poderia ter sido
diferente. A emoção que sentimos participando do mesmo ritual da Igreja
Católica num país tão distante do nosso! Que nos serviu de inspiração para nossa
independência, o heroísmo de Tiradentes, a promulgação de leis protegendo os
Direitos Humanos. E seu lema que deveria ser seguido por todos os povos: “Liberté,
Égalité, Fraternité.”
No avião, de volta, eu ainda perguntei à minha mana querida: De onde
estamos vindo? E ela respondeu emocionada: De Paris!...
Assinar:
Postagens (Atom)