Quando descrevemos o perfil de uma pessoa, nem sempre nosso interlocutor
acerta quem seja. Mas se lembramos um cacoete ou mania que ela tem, aí sim, dá
o estalo “Ah, já sei quem é: aquele que está sempre assobiando... Ou, aquela
senhora que costuma devolver as compras ou trocá-las por outras todas as vezes.
Pois é, ao longo da vida a gente vai adquirindo hábitos, manias e cacoetes que
vão formar depois o anedotário da família e da comunidade..
Em nossos encontros de irmãs, seguidamente ficamos lembrando as pessoas
que já fizeram parte de nossas vidas e que nos acompanham na saudade e em
recordações felizes. Seu jeito especial, suas manias, a maneira como souberam
conduzir suas vidas. Agora é que compreendemos melhor seus verdadeiros propósitos...
As amigas de nossas mães e tias muitas vezes assistiam juntas às novelas
radiofônicas da época anterior à televisão. E nas emoções das cenas elas se
embalavam de um lado para o outro, ou para a frente e para trás, como se
estivessem numa cadeira de balanço, outras sacudindo o pé, e nem se davam
conta. Nós, as meninas é que notávamos o cacoete.
Hoje é a nossa vez de sermos flagradas pelos mais novos. E por nós
mesmas, até. Outro dia chamávamos a atenção de uma de nossas manas. Por que
tapas a boca com a mão quando falas?
Isso fazia nossa avó quando ria. É que ela não tinha dentes, coitadinha.
Não é o teu caso.
Também tenho meus cacoetes ou manias, é claro. Quando alguém me diz
“Vamos a tal parte”, eu corro para o banheiro e depois vou tomar água ou
vice-versa. Não saio antes disso. Freud explicaria: nossa mãe nos ensinava que assim
procedesse antes de sair de casa para não incomodar nas casas alheias. Ficou a
mania que não tenho certeza se transmiti aos meus filhos. Meninos se despacham
com mais facilidade, é claro.
Uma tia, antes de sair à rua, corria ao banheiro e segurava as calcinhas
com muitas seguranças. Medo que o elástico rompesse... O que aconteceu com dona
Mimosa, em plena Rua
da Praia!
Muitas vezes estou na rua, na igreja, no Banco ou Supermercado e sinto um
aperto no braço. Podem saber: é aquela senhora que regula comigo de idade
contando uma nova façanha dos seus pimpolhos, filhos ou netos. Aprovação em
vestibular, bolsa de estudos no exterior, mestrados ou doutorados, uma vitória
merecida, com certeza. Mas nesses momentos eu fico presa, parecem garras me
contendo, não posso fazer mais nada. Certo dia eu tinha pressa, e minha
salvação é que chegou mais alguém e ela mudou o foco da atenção.
A idade vai chegando e eu adquirindo outras manias. Só há pouco me decidi
a colocar cabides atrás da porta do banheiro. Lembranças da infância, quando
minha tia da casa bonita nos ralhava por acumular roupas penduradas, em vez de
guardá-las nos roupeiros. Preguiça de adolescentes...
A mana Duty herdou outras manias suas, foi a que teve a maior convivência
com ela. Por exemplo: gabar o preço ou a qualidade de uma mercadoria, pois ela
sabia escolher e gostava do barato, mas que fosse bem bom. Pois hoje eu vou à
procura da boa compra anunciada pela mana, e o preço nunca é o mesmo que ela
gravou, sempre é maior. Como no caso do peru de Natal. Nossa tia chegou em casa
dizendo que encontrara um vendedor com um peru deste tamanhão – ela mostrava
abrindo os braços – e por tal preço. O vendedor estava ali, dobrando a esquina.
Nossa mãe perguntou: E tu viste o peru? E a tia, encabulada, disse que não.
Seguindo nosso anedotário, quando alguém conta alguma vantagem de
negócio, a gente pergunta: “ Tu viste o peru?”
Uma conhecida nossa costuma fazer compras no Supermercado sempre falando
com alguém das proximidades. Quando muda de corredor, ou a pessoa é que muda,
ela segue no mesmo assunto, mas a pessoa já é outra. Ninguém fica sabendo do
fim da conversa, ou do princípio.
São coisas que a gente vai conhecendo ao longo dos dias, e esses cacoetes
e manias nos fazem querer com mais afeto as pessoas que os têm. São intimidades
só permitidas a quem lhes fica bem próxima no espaço físico e no coração..