quarta-feira, 26 de agosto de 2015

E AS FLORES?





Olho com desesperança meus pés de Alegria de Jardim que não crescem, apenas sobrevivem, mas já suportaram geadas, granizos e muita umidade. E ainda o ataque de lesmas e formigas. O pacote de venenos já está quase vazio, mas a guerra continua, ou então é a terra que está esgotada. Meu “dedo verde” é a Lígia, mas nem o seu dom foi eficaz desta vez. Todas as manhãs abro a janela e fico observando como estão minhas flores, se já deram sinal de  recuperação. Dizem que o olhar do dono é que engorda a boiada, então é o que faço com elas, que na primavera sempre vieram me alegrar...
Chego a pensar que não são nem os moluscos nem os insetos os principais vilões de nossos canteiros, mas é o clima dos últimos dias, ou melhor, deste ano que começou bem humorado e agora se arrasta com protestos e greves de uma multidão indignada e traída.
Dá vontade de remexer o tacho do tempo e equilibrar temperaturas e umidades por todo o território nacional. Enquanto aqui faz um verão de rachar, o nordeste sofre um frio que suas roupas leves e despreparadas não conseguem amenizar. E as chuvas em demasia por aqui, no sul, e faltando água nas grandes cidades como S. Paulo.
O eixo da Terra deve ter dado uma guinada não programada, e  foi isso que aconteceu.
Mas a primavera vem aí, e as azáleas não falharam mais uma vez. São o prenúncio de outras colegas suas que ainda não deram as caras. Mas as coitadas duram pouco, logo vão despetalar para nosso desgosto.
Da janela do quarto vejo uma delas embalando-se contra a vidraça, naquela dança que o vento sul sabe improvisar. Parece que me acena desejando bons tempos. Oxalá.
Crianças sem aula, repartições a meio expediente, comércio sem movimento, ruas semidesertas, os bandidos aprimorando-se nos golpes, é preciso fazer alguma coisa. Onde estão os heróis?
Fico lembrando outras primaveras. Alunos do Colégio SS. Nome de Jesus em fila dirigindo-se para um piquenique. Logo ali, na atual Rua Coriolano Castro, na época tomada de terrenos vazios, onde se podia acampar. Era uma alegria poder sair das salas de aula severas para o ar livre, a luz do sol, as flores pelo caminho. Dálias, cravos, tufos de grinaldas de noiva, as primeiras a aparecer. No trajeto, uma velhinha sempre nos esperava à janela e oferecia um ramo de violetas à Irmã que nos acompanhava. Ficamos sabendo que aquela senhora era sobrinha neta do General Osório.
Certa vez o Colégio apresentou à cidade um grande espetáculo que representava a chegada da primavera. Todos os alunos participaram, alguns eram flores, outros, besouros, havia também os raios de sol, a Mãe Terra... E o Inverno que se despedia. Com uma capa branca que se estendia pelo palco. Era a neve. Representei a grinalda de noiva. Um príncipe  estava sendo esperado com  a maior expectativa. Ele escolheria a esposa entre as flores que se enfeitavam para o evento. A violeta tão quietinha é que foi a eleita.  E nós, as vencidas, só tivemos de aplaudir.
O festival teve um grande final – uma apoteose de tirar o fôlego. Aprendi então o significado dessa palavra, que achei linda.  Foi quando todos os participantes desceram do palco e seguiram pelo corredor do cinema –  era o do Mirandinha – até a saída do prédio. Sob os aplausos calorosos da platéia. Pétalas de flores, luzes coloridas piscando, e a música entoando hinos à Primavera. Lindo espetáculo que ficou na lembrança dos artistas mirins que fomos nós.
Onde andarão os meninos soltando pandorgas? O vento sul não falhou neste inverno, quase primavera. É hora. Devem estar ocupados com os jogos eletrônicos  de novidades que não cessam de aparecer e  que nós, de outras eras, temos dificuldade de assimilar.
É a vida, outros tempos.  Mas nem tudo está mudado. Eis que, abrindo a porta dos fundos, uma lufada de vento me traz o cheiro gostoso de flores de laranjeira. Deus seja louvado!



segunda-feira, 17 de agosto de 2015

EM ESTADO DE GRAÇA



O concerto da OSPA neste último domingo deixou-nos em estado de graça, provando que somos mais do que um corpo que necessita de pão. Nosso espírito embebeu-se da beleza da música erudita sob a batuta de um exímio maestro e executada por profissionais de elite. Foi o presente de aniversário de nossa querida Matriz nos seus 200 anos de fundação – 15 de agosto de 1815.
A igreja esteve lotada, e o comportamento do público mostrou mais uma vez que somos um povo que aprecia a cultura e sabe reverenciá-la. Embalados pela valsa “O Lago dos Cisnes” ou vibrando com ritmos violentos de batalhas e tragédias passionais, os presentes corresponderam plenamente ao brilhante desempenho da Orquestra.      
A cidade viveu dias e noites inesquecíveis na comemoração da data. Uma novena que reviveu os anos de fundação e construção deste inigualável templo barroco-colonial uniu fiéis e conterrâneos na devoção à Padroeira e na rememoração do passado desta Paróquia que nos dignifica e enternece . Não é toda cidade de interior que possui uma igreja tão magnífica como a nossa. Idealizada por religiosos de vocação e construída pedra sobre pedra com os recursos precários da época, e muitas vezes interrompida por circunstâncias adversas, nossa  Matriz é hoje um  cartão postal da cidade  bastante visitado e admirado pelos forasteiros. É o ponto mais alto avistado na chegada à cidade, e ao contemplá-lo lembro sempre de agradecer por reencontrar tudo nos seus devidos lugares, e a querida Padroeira Nossa Senhora da Assunção velando por nós.
Nas noites, as homilias lembravam pessoas que foram parte da história desta igreja. Os sacerdotes, as religiosas do Colégio SS. Nome de Jesus e do Hospital. E também as devotas presentes em seus ritos, atuantes nas Associações Religiosas, que zelavam pela ornamentação dos altares, cuidando das alfaias e vestes litúrgicas...Cada presente à novena deve tê-las sentido  ali perto, recebendo “in memoriam” esta homenagem tão merecida. Foram momentos de plena comunhão, todos vivendo as mesmas emoções. No coro, músicos e cantores entoando hinos que ecoavam pelas abóbadas e inspiravam a devoção, lembraram os corais de outrora, quando tocavam órgão e algumas vezes  se ouvia um violino.
No tempo em que o padre falava do púlpito, suas mãos se apoiavam na toalha rendada e bordada com esmero, e eu ficava admirando aquela brancura,- como era bem engomada,- o trabalho que devia dar às zeladoras.
Elas partiram, hoje são anjos que velam por nós, com certeza. Mas antes da última noite da novena, tive a graça de ver outras seguidoras, igualmente dedicadas, preparando as brasas e essências para o incenso. Num trabalho humilde e ignorado, mas que dá um realce à devoção. Outras se ocupavam de colocar nos devidos lugares os objetos rituais, acender velas, pôr água nas jarras e outras tarefas. Todas se ajudando mutuamente, numa alegria contagiante de quem aguarda uma bela festa.
E os músicos partiram contentes com os aplausos, apenas algumas queixas do frio e do vento da noite bem caçapavana.
Mas disso já se queixara D. Pedro II de sua visita à Caçapava. “Não deviam ter construído aqui a cidade. Mal resguardada dos ventos.”
Mas Caçapava é uma cidade profundamente protegida. Nem enchentes, nem tufões, só as bênçãos da Padroeira a protegê-la de todos os mal

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

FIGURA DE PAI





Na casa que guardo na memória, eu vejo meus fantasmas queridos em toda a parte. Vários anos sem o prazer de levar-lhe um presente no Dia dos Pais, é a sua figura em especial que eu revivo nesta data. Hoje releio os cartões de felicitações que ele guardava como um tesouro. Diziam coisas muito ternas, saídas do fundo de nossos corações: “Pai querido/ nós precisamos de ti./ Dos teus valores, que a vida nunca modificou; /da tua dignidade, que nos torna orgulhosos de sermos teus herdeiros;/ de tua bondade, de teu imenso amor.” Ou assim: “Teus cabelos brancos, que te distinguem de longe, são para nós um símbolo do verdadeiro e heróico Pai.”.
Com saudade revejo meu pai no seu dia-a-dia em todos os estágios de nossa vida abençoada, pois que o tivemos até nossa 3ª idade entre nós. Revejo o pai preocupado com a segurança do lar, verificando se as aberturas, portas e janelas, estavam bem fechadas quando alguma tempestade se anunciava. Ou ao sair com toda a família para o passeio dos domingos. Da porta da rua ainda voltava para desligar a chave geral.
Meu pai preocupado com os assuntos do trabalho, e minha mãe pedindo silêncio à mesa de refeições para não perturbá-lo.
Meu pai preocupado com nossos estudos e a economia forçada no lar para poder mantê-los, no tempo em era preciso migrar de Caçapava para conseguir um diploma.
Naquele tempo, a Rua Sete ainda descalça via-nos passar nas tardes de domingo para a visita aos avós, como um ritual. Parecia tão longe, mas o percurso se fazia agradável, os pequenos à frente, e o casal de braço dado logo atrás, naquele diálogo sempre eloquente de quem tinha muito a compartilhar e que prosseguiu até a morte.
Vejo meu pai, mais tarde, preparando-se para a aposentadoria que ele temia como a morte em vida. Mas, qual! Foi quando ele se entregou ao prazer de observar seus netos e bisnetos nas brincadeiras infantis. A mãezinha podia ficar descansada conversando com as mulheres da família, nos seus encontros quase diários. Pois o vovô se responsabilizava prazerosamente pela segurança dos pequenos.
Nos veraneios da família na praia e nas festas conjuntas de todo o “clã”, ele era a figura bem humorada e prestativa, providenciando refrigerantes para os netos, oferecendo caronas para sanar algum imprevisto, ou buscar a torta encomendada e os frios para a comemoração de algum aniversário.
Ninguém se lembra de tê-lo visto acomodado na melhor poltrona pedindo que lhe alcançassem qualquer coisa, como um copo d´água. Ele mesmo se servia e ainda se levantava ligeirinho para arrebatar algum pacote pesado que uma das senhoras da família carregasse.
Meu pai era a visita diária, chovesse ou fizesse sol, à netinha doente que já conhecia seus passos e se alegrava com a sua chegada.
Meu pai era uma pessoa feliz, porque seu coração só continha bondade e vontade de ajudar a todos.
Como dizia um dos cartões que descobri em seus guardados, repito ainda hoje:
“Ao nosso pai sempre jovem de espírito, que nos deu a vida e exemplos de como honrá-la e alegrar-nos com ela, o nosso amor e gratidão.”




domingo, 2 de agosto de 2015

VELHAS ÁRVORES






Hoje eu vejo aquelas pessoas apressadas atentas ao celular ou alongando a vista na espera ansiosa do ônibus que demora.  À sombra das centenárias árvores da Praça José Bonifácio - que nem percebem . Não olham para cima... O tempo não para, e os compromissos difíceis de cumprir nesta crise que nos envolve não as deixam sentir aquele hálito amigo, a sombra que as protege do calor e dos raios agora tão temíveis – a camada de ozônio desaparece...
Mas aquelas velhas árvores têm sua história, e sabe bem apreciá-las, com todo o carinho e respeito, quem sobreviveu aos anos dourados do século que passou.
Ah, noites quentes do verão cachoeirense! Suas árvores eram um refrigério.  Difícil conseguir bancos para tanta gente ficar gozando de seu frescor. Nós, as meninas da época, íamos mais cedo reservar lugar para nossas tias e mães que iam chegando e trocando-se beijos  e exclamações de alegria.
Os maridos estavam ali em frente, no Clube Comercial, para uma “carpeta” entre amigos. De vez em quando um e outro chegavam até elas para oferecer-lhes um refresco e para nós um picolé e ouvir alguma novidade. Algo de que aquelas senhoras se orgulhavam de serem as fontes.
Ainda escuto no túnel da memória suas gargalhadas divertidas.
Do coreto da praça, em determinadas noites, vinha o som da banda de seu Rosinha, que alegrava as ruas do centro da cidade. “(...) Anda o mundo a girar/ quantas voltas deu o mundo/ que eu cansei de tanto amar. (...) Músicas melódicas, suas letras tinham profundo significado.
Também vindo do restaurante do quiosque aquele aroma gostoso dos filés com fritas. Nosso apetite adolescente ficou sempre desejando saboreá-los. Mas a hora era para os vaivens das meninas pelas calçadas – o chamado footing - enquanto os rapazes seguiam também em turmas de amigos pelo meio da rua. E os olhares se cruzavam entre eles nos “flirts” da noite - os inocentes namoros daquela época.
Atravessando a rua, as meninas ficavam olhando as vitrines das Casas Pereira e Bidone, fortes lojas de modas e armarinhos de famílias tradicionais da cidade.
De dia, as árvores pareciam outras. Mas sempre acolhedoras assistindo aos movimentos dos carros, aos passantes pelas lojas, clube, Banco da Província da esquina – a potência econômica da época – enfim, como parte da vida que pulsava com todo o orgulho bairrista dos concidadãos da Princesa do Jacuí, “a capital do arroz”.
Do alto dos postes, ouvia-se por toda a área a “Voz Sonora da Princesa do Jacuí” – precursora das rádios locais - onde jovens talentosos, mais tarde transformados em importantes expoentes das TVs de S. Paulo e Rio de Janeiro – mantinham programas de música e notícias bem elaborados. Um locutor apaixonado mandava mensagens cifradas para sua “princesinha.”
Nos grandes acontecimentos, as árvores mantinham o clima de frescor para o público das calçadas. Semana da Pátria, ah, quanto garbo! As escolas principais, João Neves, Roque Gonçales e Imaculada Conceição disputavam os aplausos do público com suas apresentações impecáveis. Uniforme, postura, brilho.
Os carnavais desfilavam sob sua sombra amiga os criativos carros alegóricos, que iam desde as Baianas – e a Lovely, seus olhos verdes e pele cor de canela encantando com sua graça – até os cortejos de Faraós e seus escravos com aquelas ventarolas enormes abanando as rainhas cheias de luxo.
Nos comícios políticos, quanta vibração! Os cidadãos acreditavam em seus candidatos. Fernando Ferrari e suas “mãos limpas”. Além disso, ele era um “gato” como diziam as mocinhas da época que se aglomeravam a seu redor.
Getúlio Vargas e seu carisma também se apresentaram ali, ocupando a sacada da casa ao lado do Clube Comercial que as proprietárias, umas senhoras idosas e simpáticas, cediam com prazer e muito orgulho.
Momentos emocionantes os das procissões da Semana Santa. O encontro de Jesus carregando a cruz, ensanguentado, trôpego, com sua mãe, Nossa Senhora Maria das Dores. E os sermões do padres  Paulo Kédi e Achilles Sponchiado! Quem não chorava?
As Águas Dançantes, o Orquidário. Projetos maravilhosos que vieram para dar mais brilho à praça e àquelas árvores que a cobriam ternamente!
A vida mudou, a cidade deixou de ser a Capital do Arroz. O centro agora não é mais o que foi - o coração - mas apenas uma passagem para outras áreas, outros bairros, outras atividades. Onde os usuários dos ônibus urbanos, cansados, apressados e perdendo muitas de suas esperanças, ainda mantêm um último privilégio: esperar a condução sentados na praça sob a copa das velhas árvores. Mas até quando?