sábado, 10 de outubro de 2015

POR DOIS VINTÉNS APENAS





Nossa memória é como um computador. Ou devo dizer, ele é que nos imita. Assim sendo, ela armazena dados até o limite, por isso as recordações têm prazo de validade, não cabem todas no mesmo lugar de nosso cérebro.  Em triagens contínuas, a tendência é gravar apenas o que nos interessa mais de perto. O restante vai para o subconsciente, ou seja, a chamada “nuvem” do computador. Só assim a “máquina” fica mais leve, flui com maior rapidez.
Quem é capaz de lembrar dos seus candidatos em eleições passadas? Eu esqueço logo. Até para cobrar as promessas não cumpridas fica difícil. Mas me lembro com certeza do candidato a presidente Cristiano Machado que no dizer da época ficou “arrastando caixão”. Uma decepção para a eleitora iniciante.
Outra coisa que a gente esquece, porque muda muito, é a moeda brasileira. Tento lembrar a que vinha antes do real. Cruzeiro, cruzeiro novo... Há mais tempo, os mil réis. Os tostões e os vinténs eram as moedas dos cofrinhos das crianças.
Meu irmão bem novinho ainda não pronunciava o erre das palavras. Nosso tio brincava com ele e, mostrando-lhe uma moeda, provocava-o: Diz rato, ratinho, ratão, p´rá ganhar um duzentão. Essa moeda era enorme, e para as crianças, parecia valer mais. Mas o mano não acertava e dizia: lato, latinho...
 Adão, o folclórico cortador de lenha da cidade, só aceitava o pagamento pelo seu trabalho com moedas de mil réis. Não aceitava as prateadas, fazia questão do dourado.
Meu pai tinha um pequeno cofre de madeira que ia enchendo de moedas de mil réis para os presentes de Natal. Nós os sacudíamos de vez em quando, calculando seu peso. Os  salários de funcionários públicos repetiam-se ano após ano sem aumento. Ficava fácil prever a receita, e o orçamento de nossa família era calculado de acordo. Mas impossível prever as despesas extraordinárias por conta de doenças e outros transtornos. Nosso presente de Natal, entretanto, nunca falhava, ficava sempre garantido.
As contas de armazém, anotadas em cadernetas, eram pagas mensalmente. Mas não havia inflação, e os preços dos produtos consumidos eram os mesmos do começo ao fim do ano.
Uma vida simples, mas tinha o seu encanto. Para comemorar os aniversários das crianças, não faltava o bolo e alguns docinhos, às vezes rapaduras partidas e enroladas em papéis de seda de diversas cores, com franjas recortadas. Davam o tom alegre à mesa.
Depois, muito tempo depois, veio a inflação, as compras a crédito, os empréstimos. Quando comprei meu primeiro carro – um dauphine – foi financiado a longo prazo. Meu irmão também trocara o seu por outro novo, nessas condições que já eram as de agora. Meu pai se assustou e disse: “Fui pobre toda a vida, mas tenho filhos milionários: eles devem milhões...” Ele tinha um grande senso de humor...
A economia mudou a partir da vontade de gastar antes de receber. A inflação foi aumentando, aumentando. Lembro que ao preencher cheques a gente escrevia um mundo de zeros. Qualquer comprinha custava uns mil e tantos cruzeiros.
Funcionários públicos e empregados de empresas privadas, logo ao receber o salário do mês acorriam aos mercados para fazer seus mantimentos. No dia seguinte os preços já estariam mais altos, pois a maquininha não parava nunca de reajustar os valores. As despensas tornaram-se peças indispensáveis nas casas de família.
A poupança teve seus dias de glória. Os juros favoreciam do lado do cliente também, uma raridade hoje em dia. Mas veio o Collor no seu combate aos Marajás confiscando os depósitos bancários.
Veio o Real, e só tirar os zeros dos cheques já foi um alívio. Mas a moda de gastar antes de adquirir, e os desmandos dos governantes, nos trouxeram esta triste realidade: estamos falidos.
Que fazer? Começar tudo de novo. A vida é urgência. E viver é lutar.