Existem palavras que calam fundo na gente. Boas ou más, elas produzem
seus frutos - doces ou amargos. Nos
relacionamentos em família, no trabalho e sociedade, deve-se ter um cuidado
especial para evitar mal-entendidos. Porque para o ferimento que causam, os
remédios são bem complicados.
Num filme antigo, a protagonista era uma velhinha moradora de rua, que
vivia catando coisas nas latas de lixo. Ela falava sozinha e vivia repetindo
palavras de sua predileção. Peitoril, cotovelo – ela pronunciava com gosto.
Acho que aliava as duas pensando em colocar-se à janela, bem acomodada, vendo a
vida passar. Coitadinha, faltava-lhe a casa, a família, tudo...
Algumas palavras me agradam, outras não. Lembro que cultivei uma
implicância bem grande contra a palavra “sistema”, mas não foi preciso procurar
muito o motivo. É que minha tia onde me hospedava para estudar em Cachoeira, ao
chamar-nos a atenção para a falta de ordem de nossas coisas, roupas e livros,
vivia a repeti-la: “Meu sistema não é esse.”
Não era só com os sobrinhos que abrigava em casa – sinal de sua boa
vontade em promover os jovens da família – mas todo o seu “staff” sofria com o tal “sistema”. Ela era uma dona de casa
perfeita, tudo ali funcionava às mil maravilhas, cada coisa no devido lugar, da
sala à cozinha. Nos banheiros, então! Como a coitada reclamava do monte de
roupas que pendurávamos nos cabides atrás da porta, em vez de guardá-los nos
armários! Freud explicaria por que, ao mudar-me para minha casa, deixei as
portas dos banheiros sem cabide nenhum. Só agora, filhos criados e morando fora
é que me atrevi a adotá-los. São tão práticos!
Depois, ao avançar nos estudos, fui compreendendo o significado
importante dessa palavra que abominei por tantos anos. Por causa da rezinga da
minha tia.
Vivemos dentro de um sistema, e alienado é aquele que não se submete a
ele, não se enquadra. Sistema de governo, sistema solar, sistema nervoso,
sistema respiratório. Um conjunto de coisas estruturadas e dispostas a
funcionar, umas dependendo das outras. Uma pecinha que não funcione bem, a
máquina para.
Outro dia fui a uma loja, e logo me perguntaram: “Vai pagar com dinheiro
ou cartão?”
- Com cartão.
- Então não vai dar.
Aconteceu que o sistema estava fora do ar. Coisas das novas tecnologias.
Ótimas quando funcionam, mas, dando uma pane, tudo se complica, a vida para,
desde os caixas dos bancos até os trens e ônibus conectados com a Internet,
tudo...
Assim sendo, meu relacionamento essa palavra ora está em alta, ora me
vejo amaldiçoando-a. Tudo é relativo.
Mas há palavras que nos trazem expectativas felizes. Sempre gostei de
“primavera”. Para mim, quando menina, ela representava uma prima querida que
chegava à nossa casa. Abrindo sua mala, dela saíam pássaros, borboletas, flores
e um ar puro, perfumado, que dava gosto aspirar.
Até hoje ela me inspira, como a própria estação, os melhores sentimentos
de vida nova, recuperação e doces momentos.
Mas, voltando à palavra “sistema”, até hoje recordo com admiração a
organização da casa de minha tia. No verão, no sítio, ela passava fazendo
compotas, passas de frutas, geléias, e no inverno dava um gosto olhar as
prateleiras da copa providas com esses petiscos.
As amigas adoravam aceitar seu convite para o chá da tarde. Entre conversas
animadas, iam saboreando as bolachinhas recheadas com pessegada, figada, ou
outro doce de tacho; as cucas, com geléias de vários sabores, os sucos de uva...
Enfim, dava gosto apreciar estas cenas.
E no decorrer de minha vida aprendi a valorizar o Sistema. Se a vida já
parece complicada e confusa nos dias atuais, o que seria de nós sem ele?