sábado, 20 de fevereiro de 2016

O MATA-BORRÃO







Está chegando a época de livrarias cheias de estudantes com suas mães, para a compra de material escolar. Até hoje aquele cheirinho de livro novo, de cadernos de páginas brancas à espera das primeiras anotações, me enche de um prazer que nem sei dizer.
Nos meus primeiros anos na escola, minha mãe - ou a Dinda - é que se encarregava de pôr-lhes a capa e as etiquetas.
Mais tarde, no Ensino Secundário, já longe de casa, eu mesma é que buscava o material na livraria Americana, em Cachoeira do Sul.
Logo no início das aulas cada professor dava a sua lista de livros que precisavam ser encomendados previamente na livraria.
Difícil era encontrar o dono da loja com cara boa. Estava sempre de mau humor. Parecia um sargentão gritando com a gente. Chegávamos, eu e as colegas, tímidas, com a listinha da escola para a encomenda, e ele vinha com aquele vozeirão assustador. Justo quando mais faturava, ele ficava naquela irritação. Até hoje não sei por quê
De vez em quando sua esposa vinha em nosso socorro com aquele jeitinho meigo todo seu, parece que para atenuar aquela sensação de desconforto que o marido nos causava.
O pior é que tínhamos que retornar muitas vezes lá, porque o dia marcado para a chegada do material ficava sempre adiado. E o “Seu” Jorge sofria o desprazer de ver-nos mais seguido, sendo a recíproca verdadeira.
Além dos livros, o material de escrita e de desenho era prazeroso de olhar. Lápis Faber nº 1 e nº 2 ( este para desenho), caneta, caderno de desenho, régua, compasso, esquadro, além de vidro de tinha azul para a escrita e outro de cor preta – Nankim- para as aulas de arte. Mas não tínhamos coragem de tocar em nada, sob o olhar feroz de seu dono.
Quando me surpreendo com os materiais de agora exigidos pelas escolas, tenho de dar a mão à palmatória, porque “no meu tempo” também era assim.
Lembro que tínhamos livros de Português, História, Geografia, Inglês, Francês, Latim, Atlas, Matemática. Nenhum de Ciências. Por que? Até hoje conservo na memória o nome de alguns autores, Moysés Gicovate, Haddok Lobo, Ary Quintela....
Já estava no Ensino Médio quando ganhei a primeira caneta tinteiro. Antes, precisava carregar tinta num vidro pequeno - acomodado por mãos habilidosas da família em caixinhas de pó de arroz, com o orifício recortado para passar o gargalo. Assim mesmo, havia o perigo de entornar o líquido. Nos dias de provas, a Escola é que fornecia esse material em litrões que uma funcionária passava de classe em classe para distribuir. Ainda existem algumas carteiras antigas, com dois lugares, que têm aquele orifício no meio para colocar o tinteiro.
Naquela época, o presente mais sonhado era uma Parker, tão valorizada na época – pelo menos por nós estudantes – como o relógio Rolex, mais tarde. Nas celebrações de quinze anos ou formaturas, lá estava a famosa caneta para os mais afortunados.
Mas “seu” Jorge nos reservava uma surpresa ao final de toda aquela enrolada transação – com listas, dias de espera, demoras na entrega, várias voltas à livraria: junto ao material entregue pessoalmente por ele vinha um brinde seu – um mata-borrão. Sabem o que é isso? “É um papel sem cola, próprio para absorver a tinta de escrever fresca”. (Google). Um material que não faltava nas mesas de escritório, bancos, repartições e nas escolas, é claro. Pois é, ele não existe mais. Pessoas com menos de cinquenta anos nem devem ter ouvido falar nele.
O melhor de tudo é que a gente percebia, naquela fisionomia tão temida, um vislumbre de cordialidade, parecendo dizer-nos, como alguém mais experiente e confiante em nossa juventude: - “Cuidado, não vão borrar a escrita. Usem o mata-borrão”
E mais um ano escolar de nossas vidas de estudantes começava com renovado entusiasmo e expectativas felizes.


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

AS PRAGAS SE SUCEDEM





Tempos difíceis, como nunca havíamos sofrido, agora estamos vivendo. Quando não é o desgoverno do país, corrupção, malversação dos bens públicos, resultando em desemprego em massa, falta de recursos para a Saúde, a Segurança e a Educação, até o clima vem-se mostrando hostil. A tragédia de Mariana ainda terá suas consequências por muitos e muitos anos. Os ciclones que abalaram Porto Alegre e a região metropolitana deixaram um rastro de destruição que levarão um bom tempo para que a capital volte ao normal, e o medo não será facilmente esquecido.
São agentes externos que poderiam ser evitados, exceto os causados por El Nino, caso tivéssemos governantes sérios e empresários que não visem apenas os lucros, mas que sejam  verdadeiramente conscientes de sua responsabilidade perante a nação. E um povo disciplinado que entenda o que é democracia, que respeite a natureza e a preserve – afinal, “ela é um bem gratuito, que nos foi dado por Deus, para que o preservemos e deixemos de herança às novas gerações.” Como declarou nosso Papa Francisco nas intenções de orações para este mês.
Lembro um vídeo que passava na TV, numa campanha publicitária de décadas atrás. Era a figura de uma mulher à janela. A chuva começa e vira tormenta. Um bueiro logo ali na sarjeta começa a entupir, e um montão de lixo vai-se acumulando. O vídeo termina com a água da chuva subindo, subindo, e a pobre mulher apavorada vendo sua casa completamente inundada. Fico lembrando a doméstica, e tantas outras, que jogam a sujeira nos bueiros das esquinas. Conforme uma delas, que questionada, sacudiu os ombros e disse “Não estou nem aí.”
Agora são os mosquitos e a Zica Vírus que estão nas manchetes. O que diria nosso grande médico sanitarista Osvaldo Cruz se revivesse? Voltaram as pragas ao Brasil, ao Rio de Janeiro - sede das próximas Olimpíadas, a capital do carnaval, que atrai turistas de todo o mundo - e aos estados nordestinos e a todo o país. O que será de nós, quando mais precisamos de mentes jovens, lúcidas e competentes para endireitar o Brasil?  Quando a microcefalia seá-se alastra assustadoramente? Pobres criancinhas, pobres mães, pobres de todos nós.
E os focos de propagação dessa praga continuam na maior parte sem tratamento. Pessoas indiferentes não encaram seriamente o problema, ou como aquela doméstica preguiçosa, “não estão nem aí.”
Estamos precisando de estímulos para acreditar que há uma luz no fim do túnel. Que melhores tempos virão.  Mas é  urgente que as novas gerações deixem de preocupar-se apenas em gozar a vida, nas baladas, nas drogas, e enfrentem os problemas. Que surjam entre eles muitos líderes iluminados apontando novos caminhos.
Outro dia, no entanto, uma professora particular de Artes teve a placa que fizera bem bonita, com o nome do curso, à frente da casa, arrancada e levada por um bando de jovens. Ela se pergunta se as mães deles não os questionam de onde tiraram esses “troféus” que levam  consigo. Não querem incomodar-se com as respostas, ou eles não lhes dão conversa?
Certa noite, vândalos passaram nas ruas aqui perto atirando pedradas nas janelas. Muitas vidraças quebradas, e o susto, então! Parecia uma bomba o barulho que fez. Prejuízos que não constavam da agenda de gastos. Pior foi a sensação de insegurança dentro dos lares atingidos.
Não haveria brigadianos suficientes para conter essas hordas. Elas irrompem aqui e ali por quem não tem mais o que fazer. Falta o quê? Educação no lar, bons exemplos dos pais, respeito às tradições e bons hábitos de convivência em comunidades.
O Carnaval já passou. Vamos começar o ano agora. Removendo os entulhos, as mágoas, acabando com os focos dos mosquitos e pondo mãos à obra de reconstrução dos estragos. Tudo é possível, quando acreditamos na misericórdia divina e na bondade que deve existir na alma humana. Pois não fomos criados à imagem de Deus?
                                   Anna Zoé Cavalheiro



quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

PARADOXO






Paradoxo. Essa palavra está “buzinando” na minha cabeça há dias. Desde que fui à praia para minha mini-temporada, e durante a volta na complicada viagem pelas estradas com buracos e trânsito difícil, ela não me sai do pensamento.
Pois é. Tudo isso ao  considerar por que as pessoas saem de seu conforto habitual, sua casa, cama, chuveiro, rotina, para enfrentar situações diferentes e na maioria das vezes mais estressantes do que as comuns.
A TV está sempre mostrando imagens de esportes radicais, ou de viagens para lugares exóticos e sem o mínimo conforto, onde os protagonistas buscam enfrentar desafios que parecem impossíveis para as pessoas medianas. É um apelo para viver aventuras que seu cotidiano está longe de oferecer.
Fui ao Google buscar o significado da palavra: “Paradoxo é uma situação que contradiz a intuição comum.” Ou: “o oposto do que alguém pensa que é verdade.”
Nas BRs sem funcionamento dos pedágios, aquele caos. Agora agravado pelas fileiras intermináveis de carros de turistas argentinos rumo às praias, em velocidade vagarosa, aumentando o tempo dos percursos, o consumo de gasolina e danificando os freios e a paciência dos passageiros.
Penso que ainda é pouco comparado àquela massa de carros das estradas paulistas rumo às praias de lá. Pessoas estressadas procurando relaxar em fins de semana tão curtos, aumentando seu estresse na ida e na volta. Poucas horas de lazer para aproveitar. É um verdadeiro paradoxo. Tenho razão?
Pensando bem, até que é bom sair da comodidade e passar por momentos de desconforto para aumentar nossas experiências e sentir o prazer de voltar às bases, aos velhos hábitos, ao convívio das pessoas de nosso dia a dia.