Está chegando a época de livrarias cheias de estudantes com suas mães,
para a compra de material escolar. Até hoje aquele cheirinho de livro novo, de
cadernos de páginas brancas à espera das primeiras anotações, me enche de um
prazer que nem sei dizer.
Nos meus primeiros anos na escola, minha mãe - ou a Dinda - é que se
encarregava de pôr-lhes a capa e as etiquetas.
Mais tarde, no Ensino Secundário, já longe de casa, eu mesma é que
buscava o material na livraria Americana, em Cachoeira do Sul.
Logo no início das aulas cada professor dava a sua lista de livros que
precisavam ser encomendados previamente na livraria.
Difícil era encontrar o dono da loja com cara boa. Estava sempre de mau
humor. Parecia um sargentão gritando com a gente. Chegávamos, eu e as colegas,
tímidas, com a listinha da escola para a encomenda, e ele vinha com aquele
vozeirão assustador. Justo quando mais faturava, ele ficava naquela irritação.
Até hoje não sei por quê
De vez em quando sua esposa vinha em nosso socorro com aquele jeitinho
meigo todo seu, parece que para atenuar aquela sensação de desconforto que o
marido nos causava.
O pior é que tínhamos que retornar muitas vezes lá, porque o dia marcado
para a chegada do material ficava sempre adiado. E o “Seu” Jorge sofria o
desprazer de ver-nos mais seguido, sendo a recíproca verdadeira.
Além dos livros, o material de escrita e de desenho era prazeroso de
olhar. Lápis Faber nº 1 e nº 2 ( este para desenho), caneta, caderno de
desenho, régua, compasso, esquadro, além de vidro de tinha azul para a escrita
e outro de cor preta – Nankim- para as aulas de arte. Mas não tínhamos coragem
de tocar em nada, sob o olhar feroz de seu dono.
Quando me surpreendo com os materiais de agora exigidos pelas escolas,
tenho de dar a mão à palmatória, porque “no meu tempo” também era assim.
Lembro que tínhamos livros de Português, História, Geografia, Inglês,
Francês, Latim, Atlas, Matemática. Nenhum de Ciências. Por que? Até hoje
conservo na memória o nome de alguns autores, Moysés Gicovate, Haddok Lobo, Ary
Quintela....
Já estava no Ensino Médio quando ganhei a primeira caneta tinteiro.
Antes, precisava carregar tinta num vidro pequeno - acomodado por mãos
habilidosas da família em caixinhas de pó de arroz, com o orifício recortado
para passar o gargalo. Assim mesmo, havia o perigo de entornar o líquido. Nos
dias de provas, a Escola é que fornecia esse material em litrões que uma
funcionária passava de classe em classe para distribuir. Ainda existem algumas
carteiras antigas, com dois lugares, que têm aquele orifício no meio para
colocar o tinteiro.
Naquela época, o presente mais sonhado era uma Parker, tão valorizada na
época – pelo menos por nós estudantes – como o relógio Rolex, mais tarde. Nas
celebrações de quinze anos ou formaturas, lá estava a famosa caneta para os
mais afortunados.
Mas “seu” Jorge nos reservava uma surpresa ao final de toda aquela
enrolada transação – com listas, dias de espera, demoras na entrega, várias
voltas à livraria: junto ao material entregue pessoalmente por ele vinha um
brinde seu – um mata-borrão. Sabem o que é isso? “É um papel sem cola, próprio
para absorver a tinta de escrever fresca”. (Google). Um material que não
faltava nas mesas de escritório, bancos, repartições e nas escolas, é claro.
Pois é, ele não existe mais. Pessoas com menos de cinquenta anos nem devem ter
ouvido falar nele.
O melhor de tudo é que a gente percebia, naquela fisionomia tão temida,
um vislumbre de cordialidade, parecendo dizer-nos, como alguém mais experiente
e confiante em nossa juventude: - “Cuidado, não vão borrar a escrita. Usem o
mata-borrão”
E mais um ano escolar de nossas vidas de estudantes começava com renovado
entusiasmo e expectativas felizes.