Aquela velhinha
estava-me olhando de longe, com vontade de chegar-se. E eu fiquei na minha,
afinal, em cidade grande tudo é possível, até pistoleiras e traficantes há
entre as “veteranas da vida”. Aquela, porém, tinha um olhar bondoso, mais para
alienado, é verdade, mas isso é natural em pessoas que já viveram muito e veem
sua cidade - Porto Alegre - sofrer mudanças atrás de mudanças. Agora é o centro
que mais parece uma praça de guerra. Na Salgado Filho são filas e filas de
mutuários de coletivos com aquele ar cansado e queixoso de quem deseja uma vida
melhor, sem correrias nem apertos nos ônibus. A antiga Avenida perdeu seu ar
nobre. Agora mais parece uma grande Rodoviária. Na Otávio Rocha nem dá para
entrar. Escavadeiras, rolos compressores, máquinas gigantescas dão um trato
geral no asfalto. Enquanto isso, acho que as lojas fecharam ou se mudaram, Casa
Louro, Sloper... E o cafezinho no Haiti não é mais possível. Era tão gostoso!
Olhar vitrines de
moda deixou de ser um prazer. As lojas do centro nem se preocupam mais em
decorá-las para o deleite das freguesas. Mesmo porque os camelôs é que dão a
cor local... Assim mesmo ainda pude notar as diferenças de preços de uma loja
para a outra, bem vizinha. Os artigos ou eram brega ou eram chic, e seus preços mudavam de oito para
oitenta. As lojas famosas desapareceram, falidas, ou se mudaram para os
shoppings. O Centro de Porto Alegre que, topograficamente nunca foi centro,
pois está numa ponta da cidade que desemboca no Guaíba, agora deixou de ser o
centro da vida útil da cidade. Talvez seja melhor assim, cada bairro com sua
vida própria, ou os consumidores procurando os grandes shoppings que reúnem os
pontos essenciais de comércio; assim fica mais cômodo, economiza-se tempo,
fica-se em relativa segurança que nas ruas não há mais...
Mas o olhar da
velhinha não dizia isso. Finalmente, ou melhor, não demorou muito e ela
abordou-me e começou a contar onde ficava o seu Banco, o médico que a tratava,
as farmácias de manipulação onde encontrava os remédios mais em conta e queixou-se
das mudanças de trânsito e de condução para chegar até eles.
Por um bom trajeto
fomos companheiras de ônibus, por onde entramos pela porta da frente - uma
vantagem da Terceira Idade! No caminho, algumas confidências da “vizinha”
serviram para conhecê-la melhor. Uma sobrevivente, como outros milhares de
idosos que estão pagando caro o privilégio de ainda viver, depois de perder
seus entes queridos. Os filhos têm sua vida própria, passam o dia fora de casa
trabalhando, e elas têm de andar por conta própria na rua ou, pior ainda, ficar
sozinhas dentro de apartamentos sombrios! Mas minha companheira estava saindo
vencedora de uma segunda crise de depressão. Seu psiquiatra aconselhou-a a
sair, fazer amizades, relacionar-se. E ela foi à luta. De mim recebeu um
conselho amigo: reze, mas acompanhada. Procure pertencer a uma associação
religiosa na sua Paróquia. Na verdade eu
plagiei o conselho de Cristo: “onde estiverem dois ou mais rezando em meu nome,
aí estarei.” E ela desembarcou contente, fazendo aquele sinal do polegar em pé
que quer dizer tanta coisa, mas principalmente que “estamos aí, camarada”! Num último relance, pude notar que seu olhar
parecia o de uma criança inocente e feliz de viver uma nova aventura.