Chove a cântaros. Além da chuva, relâmpagos e trovões. Onde estão a vela
benta e os fósforos? Quem sabia do “esconderijo” era a tia Neusa. Perdendo
alguma coisa, precisava recorrer a ela e a Santo Antônio, e logo encontrava.
Agora aos domingos, a casa fica vazia. Só eu. Ainda bem que os celulares
modernos não nos deixam isolados. A todo instante chamam de todos os cantos.
Filhos, irmãos, amigas. “Fica em casa, mãe. Te cuida. As gripes não estão de
brincadeira.” É mesmo. E a ameaça de pneumonia tem sido o terror das pessoas da
“feliz idade”. Derrubam a gente.
O que fazer num dia assim? Ler um bom livro, ligar a TV, bordar? Além de
atender aos chamados do celular que não sossegam?
Resolvi vasculhar as caixas de cartas, cartões de felicitações e fotos
antigas da família guardadas por minhas tias falecidas. Essas lembranças
ficaram comigo, e eu pretendia examiná-las antes de dar-lhes um fim, pois as
lembranças que venho acumulando das novas gerações – uma infinidade de fotos e
convites de casamentos e formaturas – exigem o espaço.
Fiquei a manhã inteira nessa tarefa que me trouxe doces recordações.
Lembrei essas pessoas queridas e trechos de suas vidas ali celebrados. Achei um
caderninho com dados da família de meus avós paternos, do casal e de seus treze
filhos, anotados por tia Duca na sua bela caligrafia. As datas de nascimento e
morte de cada um deles. Mais uma vez quase cheguei às lágrimas recordando a
morte de tio Zalmiro, tão jovem e que prometia tanto na sua bondade e zelo
pelos pais, e que o tifo arrebatou sem dó nem piedade. Não cheguei a
conhecê-lo, mas me entristecia quando minha mãe falava nele. Assim como não
conheci outros irmãos seus que morreram de uma dessas duas doenças fatídicas,
tifo ou tuberculose, que eram as mais temidas da época, além da sífilis. Ainda
não havia antibióticos.
Procurei alegrar-me com as fotos de recém-nascidos ou de casamentos,
tentando adivinhar que crianças eram aquelas, e admirando os trajes das noivas,
bem mais simples dos de agora.
Foi quando encontrei uma carta cuidadosamente guardada em seu envelope
original endereçada à tia Duca. A tia tão meiga e calada, que mostrava um
carinho especial pelos sobrinhos. Ela se alegrava com minhas visitas e sempre
tinha algo a oferecer-me, doce ou fruta, que eu sentia ser a expressão de seu
afeto. Pois essa carta era de um homem
lamentando ter havido um desencontro entre os dois. E não se conformava
de não havê-la encontrado no baile que estivera em seus planos.
Pois é, a tia, de quem nunca se ouvira dizer que tivera um namorado,
guardara esse segredo até o fim de sua vida. Lembrei em parte uma poesia – não
sei mais de quem – que falava assim: “Poupai a ingenuidade delicada daqueles
que amaram sem nunca dizer nada, e dos que foram amados sem saber.”
Anna Zoé Cavalheiro