quinta-feira, 29 de setembro de 2016

E AGORA?





Estamos em plena Semana da Pátria e nem sentimos que ela chegou. Sem tambores, bandeiras desfraldadas pelas ruas, desfiles de escolas, ou algum gesto de patriotismo. Permanecemos em compasso de espera.  Que será de nós, agora?
Até o tempo está conspirando para entristecer esses dias. A chuva e o frio, sem falar no momento turbulento que vivemos, arrefecem nossas esperanças de alguma melhora.
Minhas amigas contemporâneas só têm assunto para seus resfriados que se sucedem sem parar. E as dores do corpo, que provavelmente são vindas da alma que sofre vendo o mundo ficar tão diferente. Nas tardes frias, no entanto, o café é o momento de aconchego, em que recordamos outras eras, nossa juventude animada desfilando com as suas escolas, as poesias exaltando a pátria que declamávamos nas horas cívicas, tudo tão distante...
O país está dividido ao meio. Os partidos políticos aglomeram-se em dois grupos: os que apoiaram o impeachment e os contrários. Até que foi bom, há siglas demais. Entretanto, nenhuma novidade em seus programas. O povo não acredita mais nas promessas. Está, porém, mais atento que nunca ao desenrolar dos acontecimentos e prevenido contra as manobras dos mandantes. Com medo que a Lava Jato perca sua força moralizadora.
Nos povos antigos, um Conselho formado por anciãos é que decidia os destinos da comunidade. Eram considerados pessoas dignas e isentas de quaisquer propósitos ilícitos.
Hoje, como confiar nesses líderes de cabelos brancos ou carecas - alguns até de bengala - que fazem uma triste figura a caminho da prisão, por crimes contra o povo que os elegeu? Será que pensam levar dessa vida as riquezas acumuladas?  Em vez de fazerem um balanço de seus atos, um “mea culpa” e deixarem uma obra que traga bons frutos após sua morte.
Nossa juventude, nossa esperança, o que pensa da vida e quais seus planos de futuro?
Coitadinhos, tão novos e desprotegidos!
Mas eu creio na Primavera. Ela está demorando, mas vai chegar. Já mandou suas
emissárias, azáleas coloridas, grinaldas de noiva e  flores de laranjeira exalando  aquele perfume que levanta o ânimo da gente.  O frio vai passar, e os achaques das velhinhas também. 
Que a claridade da estação nos ilumine a todos nós.
                                   Anna Zoé Cavalheiro


MELHOR IMPOSSÍVEL






A Olimpíada Rio 2016 vai ficar na História. Ao contrário dos temores de violência e manifestações turbulentas e de fracasso nos preparativos, a cargo dos alegres cariocas que levam a vida na sua maneira divertida, tudo correu melhor do que se esperava. Salvo a necessidade de alguns reajustes na Vila Olímpica. E os pessimistas tiveram de dar a mão à palmatória.
Atendendo às intenções do Papa Francisco que para o mês de agosto pediu orações dos fiéis na intenção do evento “que os esportes sejam uma oportunidade de encontro fraterno entre os povos e contribua para a causa da paz no mundo,” a Olimpíada transcorreu num clima de paz e fraternidade entre as delegações. Muitas amizades dali surgiram e voltarão a fortalecer-se nos próximos encontros esportivos. Naturalmente, não vamos esquecer a atuação dos órgãos de Segurança que merecem louvação.
A cerimônia de abertura foi algo deslumbrante. Duvido que alguém tenha ficado indiferente diante de tanta beleza e criatividade. Deu para ver como nosso povo é talentoso, apesar de agir muitas vezes por improviso. Brasileiro deixa tudo para a última hora. Mas no calor do entusiasmo, acerta e emociona. As representações de nossa história e jeito de ser do povo brasileiro - cada região deste grande país com seus costumes e artes - devem ter deixado os estrangeiros maravilhados. Era o que se notava em cada fisionomia. Quem esperava encontrar um país em sérias dificuldades financeiras e políticas, bem como beirando à anarquia, enganou-se redondamente. A Lava Jato é problema nosso. Lava-se em casa.  O que V
iram foi uma cidade maravilhosa, gente amável, solidária, alegre, vibrante. E o colorido da paisagem, relevo encantador e variado, baía de Guanabara, Lagoa Rodrigo de Freitas e as praias...
A bandidagem daqui e os terroristas de fora deram uma trégua. Pelo menos na Cidade Maravilhosa. Creio que as gangues nacionais preferiram ficar admirando o grandioso espetáculo e, quem sabe, torcer por nossas equipes. Bandido também tem coração. E algum patriotismo, quem duvida.
O papel feio ficou por conta dos estrangeiros: os nadadores norte-americanos que tentaram manchar a imagem do Brasil, alardeando uma violência que não aconteceu; e dos africanos que assediaram as camareiras, pensando que estavam na casa da Mãe Joana.
Pensei, e muita gente comigo, que o espetáculo de encerramento não poderia chegar aos pés da cerimônia de abertura. Mas chegou. Não dá para descrever, mas ficará por muito tempo na lembrança de todos aquelas imagens, o colorido, a sincronia, a coreografia, as figuras que os bailarinos formavam, arte e tecnologia interligando-se para aquele resultado espetacular. Era o coração do Brasil mostrando-se caloroso, fraterno, artístico e divertido, como o perfeito anfitrião que se tornou.
E a palavra Saudade foi aprendida e repetida pelos atletas participantes, que saíram daqui com nostalgia, porque a vontade era de permanecer neste clima de paz, fraternidade e alegria.
                                   Anna Zoé Cavalheiro



SER OU PARECER






Mais uma semana Farroupilha que passou. Desta vez com o beneplácito de S. Pedro, que recolheu as nuvens sombrias e deixou o sol aparecer. Não conseguiu suspender de todo o vento frio, mas este não entrava nos salões dos CTGs, nem impedia as confraternizações e danças de prendas e peões. Deus seja louvado!
Ainda vibramos de entusiasmo ao lembrar nosso passado de lutas e admirar os desfiles de cavaleiros pilchados, de todas as idades, homens, mulheres e crianças alegrando nossas ruas. E se a festa não foi a nível nacional, é porque os demais estados da nação não recordam que fomos os defensores de nosso território inteiro, pois nos vários combates asseguramos as fronteiras meridionais, expulsando os invasores.
 Na tarde clara de setembro, a visão do tradicional espetáculo nos confortava ao pensar que ainda honramos nossas tradições. Quem somos nós sem elas? É preciso estar ligado ao grupo, às origens, e saber para onde vamos, do contrário nos perderemos no vendaval de acontecimentos, fatos e boatos que nos bombardeiam de todos os lados, pela mídia, a cada nova manhã.
Caçapava é um centro de tradições respeitável. Nossos CTGs, os piquetes, os eventos gauchescos como Rodeios, Invernadas e outros são o principal entretenimento dessa juventude guapa que desde cedo aprende a montar, tratar seu cavalo e familiarizar-se com as atividades campeiras. Diversões sadias e culturais bem diferentes dos “raves” importados de outros países, que têm o intuito de aturdir e despersonalizar o jovem de nosso tempo.
Escolhi o título desta crônica por lembrar minha formatura de ginásio – no século passado se comemorava – que teve como lema “Ser e não Parecer.” Pois era essa a lição subliminar que nossos mestres nos ensinavam. Pois no calor do entusiasmo por essa primeira conquista, um colega pediu a palavra. A turma ficou muito aflita, pois não confiávamos no orador. Não deu outra, o pobrezinho começou bem confiante, mas depois não achava a saída, não sabia como terminar. E foi aí que ele trocou nosso lema e passou a dizer: Pareçamos e não Sejamos.
Não tive mais notícias dele. Mas espero que ele não tenha enveredado para o caminho errado, mas seguido nossa boa intenção, a de sermos autênticos e incorruptíveis: Ser e Não Parecer.


Anna Zoé Cavalheiro

PRECONCEITO






Percorrendo os corredores do Supermercado, aquela dona de casa, há pouco aposentada do Serviço Público, sente prazer ao verificar nas prateleiras que nada falta de sua listinha de compras. Diferente de outros países, onde produtos essenciais não são encontrados nas gôndolas, devido a guerras, crises políticas e econômicas, nós, aqui, apesar de tanto rolo, ainda encontramos o que comprar. Por isso ela dá graças e prossegue o seu caminho. Vai lembrando outros tempos em que era só apanhar do próprio pátio as verduras e frutas para a família. Agora, vem tudo embalado e etiquetado de outros centros do país, encarecendo os produtos conforme a distância e os custos de produção e do transporte. E não esquecer a tal Bolsa de Valores!
Em dado momento a compradora se surpreende: laranjas de umbigo importadas! Por um preço lá nas alturas. Imagine! Antes a gente apanhava do pé e eram muito mais gostosas. Tudo muda, que fazer? Agora o remédio é adotar outras frutas da época e menos caras.
Prosseguindo, ela chega aos hortigranjeiros e se admira do preço dos tomates, das batatas, da cebola. Que horror! São essenciais para a comida. Como deixar de comprá-los?
Nesse instante ela observa um homem alto, mulato, franzino, vestido com um terno que já foi azul, agora é desbotado e fica bem folgado nele. Tem um ar triste e abatido. Deve ser um desempregado, ela pensa. Sua cesta tem poucos itens, e as sacolas parecem bem leves.
Em dado momento a senhora nota que o indivíduo fica trocando os produtos, devolvendo cebola, tomate e conservando só as batatas. Mais baratas, ela pensa. Mas como cozinhar sem cebola? Ela lembra que uma colega sua, para variar, às vezes usava farinha de trigo e achava bom. Mas a farinha também está cara para o pobre comprador.
Encontrando colegas e amigas pelos corredores, sua atenção foi desviada daquele personagem. Novidades trocadas entre elas, muitos sorrisos e abraços.
Quando finalmente chegou ao caixa, notou que o desconhecido estava na outra fila. Então, teve uma inspiração: comprou cebolas e tomates a mais, pagou-os e quando passou pelo homem deixou cair essa compra em sua sacola. Ele não notou e já ia saindo. Mas o empacotador interpretou a cena de modo diferente e foi atrás do coitado. Achando-se muito esperto, arrancou os produtos da sacola do mulato e com ar vitorioso, devolveu-os á presumida dona.
Esta nunca vai esquecer o olhar queixoso que aquele homem lhe dirigiu.