Lembro nesta data Dona Chiquinha, a parteira de outras eras. Ela foi por
muitas décadas a figura central dos nascimentos nas famílias caçapavanas.
Sempre de preto - costume das viúvas de então - ela chegava com uma maleta que
as crianças da casa tinham a maior curiosidade em saber o que continha. Mas
continuava o mistério, pois só era aberta no quarto da parturiente. O médico
era chamado apenas nos casos complicados.
Na casa de meus pais, todos os anos, alguma tia vinha da campanha para o
nascimento de mais um filho. Uma delas teve dez, e eu pude assistir, do lado de
fora do quarto, a uma meia dúzia de primos que nasceram ali.
A noite transcorria com as mulheres da casa transitando entre o quarto
fechado e a cozinha, carregando bandejas de chá e bolachas, chaleiras com água
quente, e muitas vezes um café completo para alimentar a parteira nas longas
noites de espera. A conversa rolava solta lá dentro, girando sobre casos de
outros partos. Enquanto isso, a criançada ficava colada à porta tentando
surpreender a chegada da cegonha.
Nos dias seguintes podíamos admirar o bebê e ver a mãe, aliviada e orgulhosa,
recebendo as refeições na cama, de resguardo. Parece que levava mais de uma
semana. Caldo de galinha, canja,
comidinha leve e café ou canjica com leite era o que não faltava. Para
fortalecer e criar leite. Lembro tia Laura, que teve nove filhos, aproveitando
esses dias para ler romances bem açucarados na cama, tendo ao seio o
recém-nascido.
As crianças da casa eram encarregadas de participar o novo nascimento e
para isso batiam de porta em porta da vizinhança: “A mãe mandou dizer que tem
mais um menino – ou menina – às ordens.”
Seguiam-se as visitas das amigas e parentas para conhecer o bebê e
trazer-lhe uma lembrancinha. Babeiros delicadamente bordados, sabonetes,
talcos, toalhas macias, chupetas, não faltavam.
Minha mãe costumava acender álcool na banheirinha de latão, antes do
banho. E nós éramos os espectadores divertidos que gostávamos de sentir aquele
cheirinho misturado ao do talco, do sabonete e das roupinhas até então
guardadas numa malinha perfumada.
Hoje esses rituais são mais simplificados, as crianças nascem nas
Maternidades, não há quase irmãos para
receber o novo membro da família. E. Mamãe e papai têm sua carreira profissional
para atender, vivemos em outro mundo. Mas o tempo dedicado à profissão é
compensado pelo carinho e horas de aconchego com o filhinho. As noites mal
dormidas dos primeiros tempos do bebê ainda castigam a nova mãezinha, mas ela
agradece todos os dias a glória da maternidade vendo aquele serzinho amado
crescer e aprender a viver. Ela sente que seu amor é o maior estímulo para seu
desenvolvimento físico e emocional.
Quando observo minha netinha de dois anos às voltas com a mamadeira para
as bonecas, usando as panelinhas e talheres para fazer comidinha e dar-lhes na
boca, vejo que este mundo ainda tem conserto. Porque é o amor de mãe que vai
mostrar o que vale uma vida, tratada como uma frágil plantinha que vai crescer,
fortificar-se e dar frutos. E que esses vão ser da melhor qualidade.
Anna Zoé Cavalheiro
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