Quando um grupo de jovens me observa com peninha da pobre idosa, rio por
dentro porque eu é que fico com peninha deles. “Pobres moços, ah, se soubessem
o que eu sei...” Vou lembrando quanta
coisa vivi, e eles não chegaram a experimentar. Uma viagem de trem “Maria
Fumaça”, por exemplo. Era uma aventura! Cheia de peripécias, desconfortos, mas
também com muitas surpresas agradáveis, principalmente para os jovens daquela
época que podiam conhecer pessoas e até iniciar um romance de amor nas longas
horas da travessia. Tudo podia acontecer, até extraviar a bagagem, mas era bom poder caminhar pelos vagões, almoçar no
carro restaurante – quando o dinheiro chegava – comprar revistas e
refrigerantes dos funcionários que transitavam pelos corredores.
De Cachoeira do Sul - um dos destinos para os estudantes do segundo grau
de Caçapava - até Porto Alegre, eram sete horas de marcha batida, isso se não
houvesse algum impedimento. E a fumaça ia entrando pelas janelas e colando-se
às nossas roupas. As chegadas às estações desembarcando ou embarcando
passageiros, recolocando a água que faltava ou o combustível para a
locomotiva... A gente sabia de cor o nome de cada uma, e se não soubesse um
funcionário passava de vagão em vagão anunciando.
Mas para a nossa tia que morava em Porto Alegre e
veraneava com nossos Dindos em Cachoeira, a viagem de volta não tinha nada de
fácil. Fim de verão, fim de férias de estudantes que voltavam a Porto Alegre –
era só onde havia Universidades naquela época – os trens chegavam de Santa Maria
lotados, e os passageiros do caminho tinham de viajar de pé. Titia que tinha
dificuldade de locomoção e bastante idade não podia correr esse risco.
Seu filho vinha buscá-la – ele era ferroviário e tinha passe livre nas suas
férias – e ela já o esperava pronta, malas de muita roupa, valises com remédios
e frasqueiras cheias de cosméticos, pois era bem vaidosa – enfim, uma bagagem
de muito peso!
Nós, as jovens da casa, éramos convocadas para ajudar a carregar os
embrulhos até a caminhonete do tio e de desembarcá-los na estação ferroviária.
Por duas vezes, em que o movimento
de passageiros foi muito intenso, o trem vindo de Santa Maria já chegou superlotado. Foi só o trabalho de levar a pobre passageira
e o filho até a gare, cheios de bagagens, e dar volta para casa. Nossa tia ia
murchando, ficando deprimida, pois sempre no final das estadias ela se
desentendia com alguém da casa e ficava desconfiada. Chegava bem alegre e tinha
a mania de gracejar com uma ou outra das pessoas, geralmente as empregadas, e
no final sentia que as incomodara.
A tia que a recebera com carinho e atenções um mês atrás também ia
ficando irritada. A rotina se alterava naqueles dias, o almoço tinha de ser
servido mais cedo, havia tralhas fora do lugar, e ela não gostava dessa
desordem.
Depois dessa tentativa fracassada de embarque, a família se reuniu para
deliberar. E a solução encontrada foi que o filho ferroviário fosse até Santa
Maria no outro dia e de lá viesse com o lugar já marcado.
Chegando a hora, todos a postos para as devidas funções, chegamos à gare
e ficamos à espera do trem. Ele até que não atrasou, e sua permanência na
estação, conforme estávamos cansados de saber, era de apenas três minutos. Dessa vez ele veio
com acréscimo de vagões, e os destinados à primeira classe, os da frente,
avançaram bastante além da plataforma. Uma nova dificuldade para nossa tia, que
teria de dar um passo largo para subir as escadinhas. Tudo bem, a gente dava um
jeito. O imprevisto foi que o filho guardador do lugar não aparecia nunca, e os
minutos corriam depressa. O trem já dava seu apito de despedia, e nada de
aparecer o rapaz. Nossa tensão foi subindo assustadoramente. A tia de Cachoeira
não se conteve e começou a gritar em altos brados: Gustavo! Nós, jovens, loucas
de vergonha daquela cena! Eis que no último minuto ele aparece numa das janelas
de um vagão com os cabelos revoltos de quem se acordara de um belo sono. Os
momentos seguintes nem sei como descrever. Todo o mundo corria, ajudava a
passageira a embarcar no último vagão – a coitada teria de caminhar bastante
até o seu destino – e colocava sua pesada bagagem dentro do trem. Foi uma luta,
mas tivemos a satisfação da vitória.
Até que tivéssemos notícias daquela movimentada viagem, e da saúde
delicada da tia, passaram-se muitos dias. Telefone era coisa rara, e o Correio,
a única via de comunicação possível, andava a passos lerdos. De trem...
Dizer que não invejo os jovens de hoje? Mentira. Claro
que gostaria de sentir agora o que eles sentem, esse arroubo nos amores,
atirar-se de corpo e alma às novas emoções, sem medir as consequências. O
coração envelhece, mas ainda