quinta-feira, 28 de março de 2013

DE BARRIGA CHEIA







Há dias eu me queixava da falta de atenção e cordialidade dos jovens com os mais velhos. Para eles somos página lida e relida, folha morta, “já era”... Não temos mais utilidade. Até do novo Papa, tão bem aceito no mundo todo, ouvi comentários de adolescentes :” um velho”!
Hoje a notícia da morte de Celestino Goulart não teve maiores comentários na mídia caçapavana. E ele foi, por décadas, a pessoa mais influente da terra. Depois de Prefeito, foi Deputado, Diretor Presidente da Caixa Econômica Estadual, membro da diretoria do Tribunal de Contas e outras coisas mais. Quanta gente ele empregou na Caixa e outras repartições! Quantas famílias lhe devem o futuro – que agora chegou – de seus filhos bem educados e empregados! Mas as gerações mais novas não o conheceram, ele se afastara de tudo, estava doente. Caíra no esquecimento.
Mas, diante de minhas queixas, como diria minha mãe repetindo um velho ditado: eu chorava de barriga cheia.
Verdade seja dita: não tenho do que reclamar. Até hoje reencontro antigos alunos e colegas que me dedicam momentos de conversa amável, que me rendem motivos de gratidão. É tão bom estar vivo! E alguém se lembrar da gente, do que representamos em suas vidas.
Temos muitos privilégios nessa fase que já passou da terceira idade. Nos Bancos, a senha especial para idosos nos encaminha para um guichê só nosso.
É comum nas filas de Supermercado darem-nos o lugar – se nossa cesta não está muito cheia.
Pessoas que não vemos há tempos vêm nos abraçar admiradas de nosso bom humor e estado de saúde. Algumas até já nos consideravam mortas, eu acho. Que satisfação ver que ainda nos reconhecem. Sinal de que não estamos tão acabados...
Minha mãe tinha razão: temos razões de sobra para valorizar tudo o que temos e somos neste mundo de Deus. Se ainda estamos vivos é porque ainda temos alguma coisa para fazer, uma missão a cumprir. Faltando-nos as forças, pelo menos  nosso exemplo deve servir para  termos a sensação de que ainda somos úteis aos nossos semelhantes.
Em barriga cheia não cabem queixumes.

quinta-feira, 21 de março de 2013

A VEZ É DOS "VELHOS"






Minha ex-colega estava indignada. Ninguém mais me conhece, dizia.  Precisando de um documento em uma repartição, a mocinha atendente nem a olhou, estava ocupada ao telefone. Assunto oficial? Que nada! Era um bate papo com uma amiga sobre os programas do próximo fim de semana. A visitante declinou o nome, na esperança de que ele fosse conhecido por seus trabalhos prestados na profissão, mas não funcionou. Pediu para falar com a chefe, e a resposta é que ela  se encontrava em reunião. Vou esperar, disse, e recebeu o olhar gelado da mocinha que retrucou: Vai demorar. Espero assim mesmo. Uma verdadeira luta entre duas gerações.
Comentando o caso, chegamos às mesmas conclusões. Não somos mais ninguém se não estamos na ativa. Esquecem logo nosso trabalho, a influência que tivemos nos acontecimentos da cidade, no nosso ramo de trabalho e afins. Nos velórios de pessoas idosas que tiveram papel importante em nossa comunidade, que foram membros importantes de clubes sociais e beneficentes, até gerentes de estabelecimentos, diretores ou professores de escolas, só os familiares e poucos amigos da mesma idade se fazem presentes. Poucas coroas de homenagens, ninguém representando o setor de trabalho onde aquela pessoa deu tanto de si aos outros.
Nos noticiários, há relatos impressionantes de idosos que são maltratados por familiares ou acompanhantes contratados para cuidá-los. E os coitados, sem condições de reagir, passam fome, privações e torturas, depois de terem sido o esteio de sua família e contribuído para a vida da comunidade.
No trânsito, então, é um horror. Os idosos que ainda têm o privilégio de carteira de habilitação, não são poupados pelos demais motoristas que se impacientam de esperar que eles coloquem o carro numa vaga apertada, nas ruas principais. Vão logo gritando: sai do meio da rua, velha (ou velho). Quando, nas mesmas circunstâncias, outros mais novos bloqueiam a passagem para ficar de fila dupla, conversar com outro motorista que esteja passando ou cometendo outras infrações. Ninguém lhes diz: Jovem, te manda.
Mas um  outro sol começa a brilhar neste mundo de Deus. O novo Papa escolheu ser Francisco, o protetor dos pobres, fracos, humildes. Ele começou muito bem seu pontificado enaltecendo o papel do idoso: ele é a referência, o guardião das relíquias do passado, da História da Humanidade, das experiências humanas que vão embasar novas conquistas, novos inventos e saberes. É preciso ouvi-lo, respeitá-lo, aprender com ele. Que bom, ainda temos alguma serventia!
Mas algo mais deve ser feito. Pois não há uma lei contra o preconceito racial? Ninguém pode chamar nossos afro-brasileiros de negros. Leva cadeia.  Que tal outra lei contra o preconceito de idade. Chamar alguém de “velho” de  maneira pejorativa deve ser crime também.

sexta-feira, 15 de março de 2013

MOMENTOS QUE VALEM UMA VIDA






No momento em que eu tirava o carro da garagem, meu filho mais velho telefonou: “Mãe, estás onde?”  Saindo. “Fica em casa descansando.” Mas com um dia bonito desses!
Se ficasse, teria mil coisas para fazer, agora que iniciei a arrumação de papéis, cartas antigas, cartões. Quem se interessará por isso depois de mim? Vou esperar os dias de chuva para essa tarefa.
Mas o celular nos alcança em qualquer parte, não há como fugir ou deixar de prestar contas. E diante da preocupação de meu filho por meu bem estar, uma imagem muito bonita me veio à lembrança: ele devia ter pouco menos de três anos, e o maninho era nenê. Estávamos no quarto, o caçula dormindo no berço, eu sentada à escrivaninha corrigindo lições de alunos, com o primogênito no colo. Era uma das maneiras que eu encontrava de conciliar minhas duas missões – maternidade e magistério. E o maiorzinho entendia bem disso, pois aproveitava todos os momentos de minhas disponibilidades para receber o carinho e atenções merecidas.
Foi numa dessas que ele me disse:
-Mãe, cando eu quecê, vou istudá, tabalhá, compá arroz, fejão, e tu vai ficá em casa bem feliz dicansando.
Hoje ele já estudou, conquistou seu lugar no mundo do trabalho, tem sua família, mas não deixou de cumprir  aquelas promessas. Graças a ele tenho todos os anos meu veraneio garantido na praia, em seu apartamento inteiramente à minha disposição. É só agendar durante o ano. E no planejamento de suas residências (ele mudou algumas vezes) ele sempre teve a preocupação de destinar-me um quarto com todo o conforto possível. Recentemente me presenteou de aniversário um carro novo para substituir o fuquinha que começava a dar-me trabalho.
Meu caçula não planejou meu futuro. Seu temperamento é de viver o presente com toda a intensidade. Sendo assim, cuida que eu esteja em dia com as novidades eletrônicas e outras descobertas modernas. Por sua inspiração foi que me iniciei na Informática, na TV a cabo e agora neste blog, para compartilhar com meus semelhantes de meus estados de espírito e lembranças. A TV que me deu de aniversário tem canais em HD que me oferecem imagens de alta fidelidade. Um duplo prazer – de contemplá-las e de saber que foi um presente de amor e muito carinho.
A imagem que me vem neste instante é daquele menininho de olhos azuis esperando-me no portão de casa com um ramalhete de flores na mão.  Mas eu tinha de pagar por elas – era o pedágio para passar. E outro inconveniente: elas tinham sido colhidas do meu jardim com os talos muito curtos, não dando para pô-las em vaso. Murchavam logo, coitadinhas! E ele era tão novinho! Na idade da inocência.
São momentos muito ternos que me fazem pensar que a vida vale a pena ser vivi

domingo, 3 de março de 2013

DESSA ÁGUA NÃO





Quando penso nas drásticas transformações ocorridas no mundo, nas últimas décadas, fico admirada de ver como as opiniões, antes tão seguras, sobre relacionamentos familiares, sociais e profissionais, agora são  bem vagas e contraditórias. Parece que a ética também mudou. É um salve-se quem puder, porque a vida é breve e temos de gozá-la do melhor modo possível.
A renúncia do Papa Bento XVI foi algo inédito. Pelo menos nos nossos tempos. Coisa que jamais se cogitou. O que dizer do juramento de “até que a morte nos separe”?
Na minha juventude, surgiram as primeiras tentativas de implantar o divórcio no país. Não aprovei. Questão de religião e de berço. Vim de um lar muito feliz. 
Fui convidada, por um grupo de acadêmicos da cidade onde comecei meu magistério para um debate sobre o assunto. Eles eram modernos e a favor. Eu, contra. Pedi reforço para meu diretor espiritual, o saudoso Pe. Aquiles Sponchiado, que se entusiasmou e me mandou encíclicas e outros documentos da Igreja para ajudar-me. Preparei-me do melhor modo possível, mas sabia que os meus adversários eram muito bons de oratória. Estudantes de Direito... O debate foi sendo adiado por causa de outros compromissos dos rapazes, e graças a Deus, ficou só nos planos. Não aconteceu.
Hoje, revendo nossas vidas, constato que os dois universitários a favor do divórcio foram fiéis ao juramento feito no altar. Um deles até a morte, o outro ainda vive com a esposa. Só eu quebrei o compromisso.
Naquela mesma época, um senhor, numa roda de amigos, dizia que toda mulher pode ser boazinha quando namorada ou noiva. Mas depois de casada tenta, até não poder mais, mudar o jeito de ser do marido. Eu contrariei-o, dei o exemplo das mulheres de minha família, mas ele não acreditou. Você é muito meiga e cordata, mas deixa acontecer. Espere até casar. Mais tarde, não é que ele estava certo? Por duas vezes, que me lembro, dei razão ao ditado “Desta água eu não bebo”. Pura ilusão, as coisas mudam, a vida é uma caixinha de surpresas, e a gente precisa adaptar-se às mudanças.
Nos meus verdes anos soube do suicídio de uma senhora idosa em nossa cidade. Motivo: não suportava os maus tratos do marido, um fazendeiro sisudo, arrogante, do tipo dos personagens da minissérie “Gabriela, Cravo e Canela”. Lembro que pensei na época: por que ela não esperou a morte? Estava tão perto, pela idade! Puro engano! A coitada tinha só setenta anos. Hoje eu a consideraria uma “guria”.  E a solução, na minha ótica atual, seria o divórcio. Que mudança na minha cabeça!
A renúncia do Papa deve ter muito a ver com isso. Casamentos indissolúveis. E a felicidade onde fica? O celibato dos padres, e as tentações explícitas em toda a parte. Os  recursos financeiros para cumprir a evangelização pelos recantos do mundo. Bancos do Vaticano, dinheiro, poder, tentações... Desvirtuamento dos planos de Cristo. É preciso fortalecer a fé para que a barca dos pescadores não naufrague em águas impuras. Quanto compromisso, e a saúde enfraquecendo, as forças abandonando-o. O Chefe Supremo certamente aceitou os seus motivos.
Mais um sobrevivente da noite trágica de Santa Maria deixou de resistir. Um mês lutando pela vida. São agora duzentos e quarenta... Ficou uma lição de solidariedade, heroísmo, desprendimento. Mas a dor permanece.
Finalmente uma chuvinha para amenizar o calorão deste início de março. O tempo de levar um casaquinho leve no braço para a frescurinha da tarde já passou. A temperatura não baixa mesmo à noite. Tudo muda, e nós não podemos?