domingo, 24 de fevereiro de 2013

COLHENDO MELÕES








Chegou o dia da colheita no pequeno canteiro de meu pátio. O primeiro melão, bem amarelinho, foi logo preparado num prato com tampa, direto para a geladeira. Uma delícia na hora do lanche!
Os outros dois ficaram programados para serem colhidos nos dias seguintes, quando estariam madurinhos da silva.
A vontade que tive foi de compartilhar com os familiares do prazer de comê-lo. Filhos ausentes, o convite foi para as manas que adoraram a fruta mergulhada naquela calda açucarada.
Foi quando lembrei um episódio do anedotário da família. Éramos gurias, e na hora da sesta dos grandes, ficávamos conversando baixinho e contendo o riso, porque sempre o assunto era engraçado.
Numa tarde do início do verão, o pessegueiro do pátio começava a apresentar seus frutos, uma coisa de louco de tão grandes, suculentos e gostosos. Tinham larga fama entre a vizinhança. Soubemos mais tarde que os garotos pulavam o muro para furtá-los. O primeiro, papai fazia questão de apanhá-lo quase maduro e o reservava no guarda louça da cozinha até que ele chegasse ao ponto.
Nossa mana mais gulosa não via essa hora e  tinha vontade de devorá-lo inteirinho.  Foi quando ela inventou essa estória tragicômica que nos fez rir muito. O começo era igual: o pai de família que desejava repartir o primeiro pêssego da temporada com a esposa e os filhos. Mas a heroína da história, com seu apetite maior que o dos manos, não se conformava de esperar o dia seguinte para só comer um pedacinho. E ficava ali olhando e cobiçando a fruta. Seu desejo foi crescendo, crescendo e ficando insuportável. Enquanto seus irmãos se entretinham com seus brinquedos, ela só pensava naquilo.
Chegou a noite, e a menina gulosa não conseguia dormir. Ficava só imaginando como seria o gostinho do pêssego. Chegou a um ponto que ela não suportou: levantou-se e foi pé por pé até a cozinha. Abriu a porta do guarda louça, pegou a fruta, e foi o quanto conseguiu descascá-la, porque o desejo foi sempre aumentando. E era uma vez o primeiro pêssego daquele verão.
Satisfeito o louco desejo, a menina começou a apavorar-se. O que diria à família? Com que cara iria enfrentá-los quando chegasse a hora da partilha?  Um grande desespero tomou conta da coitada. Pensava em fugir, mas ir prá onde?
E assim, ficou ali na cozinha, as mãos na cabeça, resolvendo o que fazer.
Quando o sol foi surgindo, as primeiras claridades invadindo as dependências da casa, os primeiros movimentos dos familiares fazendo-se ouvir, a menina chegou ao cúmulo da aflição.
Foi quando achou a resposta: abriu a porta da cozinha e foi para o galpão no fundo do pátio. E ali se enforcou.
Já pensaram? Histórias como essa nos faziam rir até as lágrimas! Ah, juventude, quem dera hoje...

sábado, 16 de fevereiro de 2013

DERRADEIRA ROSA







Existirá clima mais melancólico do que os ares dos últimos dias de verão? Fazem-me lembrar a música que cantávamos em verões longínquos, passados no sítio de nosso Dindo querido. Quando ficávamos admirando o pôr do sol, e uma tristeza sem motivo pairava entre nós, tão jovens na época e tão inocentes da vida que haveríamos de viver!
 A música chamava-se “Derradeira rosa de verão”, e eu então pensava naquela flor solitária assistindo as outras murcharem uma a uma... Coitadinha, pagava bem caro o privilégio de sua sobrevida.
Muitas rosas derradeiras murcharam desde então, mas nas longas tardes de agora nosso lazer é ocupar as mãos com trabalhos de agulha e trocar notícias de nossos filhos, netos e amigos. Nada de nostalgia. A vida segue para frente. Cada dia é uma existência e temos de vivê-la com plenitude e gratidão, procurando legar algo de valor para os jovens, como o nosso exemplo, caráter, atitudes. Ficamos tristes ao pensar que tantas vidas jovens em Santa Maria  partiram para sempre, sem concretizar seus sonhos de amor, profissão, ideais.
Enquanto esperamos a chuva cair e terminar com a seca, o prazer é olhar os pequenos canteiros de nossos exíguos quintais apresentando o fruto de nosso trabalho: de algumas sementes jogadas ao léu, brotam pés de abóbora e melões extrapolando os limites e estendendo-se pelas lajotas. O pé de chuchu está subindo, subindo e já se enroscou na roseira que definha dia a dia. Ela já deu sua última rosa deste verão.
 Fico pensando no milagre da vida: o grão da mostarda que se transforma em árvore frondosa. Esta parábola eu pretendo que alguém me explique. Conheço a mostarda verdura, mas existe a mostarda árvore?
Quando vejo um lavrador apanhando um punhado de terra de sua messe, olhando-a com todo o carinho, parece-me que ele está mimando uma criança muito amada. Sei que ele vai tratá-la como ela merece, e isso me comove muito.
Por isso, eu que nunca fui de carnaval, bati palmas para a escola campeã deste ano, no Rio de Janeiro – a Vila Isabel do inesquecível Noel Rosa - que homenageou a Agricultura. E os cariocas ficaram boquiabertos com a criatividade dos idealizadores que valorizaram a boa terra nossa e tudo que nela, plantando, dá.
A chuva vai cair, e nossos campos e lavouras vão mostrar do que são capazes. É só esperar.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A PRAIA SEM CHUVA







Desta vez, o protagonista foi o céu. As ondas continuavam indo em vindo, sem nenhuma novidade. Mas ao olhar o céu de um azul mais brilhante do que nunca, mesmo com nuvens, e essas fazendo desenhos tão bonitos, a gente pensava que as histórias infantis, ouvidas na infância, tinham sua razão de ser.
Porque a sensação era de estar dentro de uma enorme esfera, como um aquário: sobre as cabeças, lá longe, aquele azul lembrando o manto de Maria e o paraíso, para onde deveremos ir viver eternamente ao lado de Deus e dos santos. E de nossos entes queridos de quem sentimos saudade. Só essa fé nos anima a enfrentar a grande tragédia deste verão.
Na praia, os grupos de senhoras de bastante idade se reuniam no quiosque da Ana – tão simpática e acolhedora, que nos chamava de gurias – para o bate papo da manhã ensolarada. Ao contemplar aquelas fisionomias cheias de rugas, a postura encurvada, algumas de bengala até, era um exercício difícil imaginá-las jovens com seus vestidos de noiva, o olhar apaixonado do eleito envolvendo-as, como estavam contando. Mas, com algum esforço...
 Entretanto, nenhuma se atrevia a esquecer o celular - sempre à mão. E as notícias dos filhos e netos eram sua preocupação constante. Pobres jovens! Nós aqui no bem bom, aposentadas, sem encargos, bem tratadas e gozando dessa brisa e do espetáculo alegre dos guardassóis coloridos, crianças brincando na areia, casaizinhos rindo à toa. E eles trabalhando num calor de quarenta graus, enfrentando o trânsito, lutando por um emprego ou para progredir no seu!...Eles têm pena de nós. Mal sabem como somos felizes de ter chegado até aqui, de poder desfrutar desses momentos agradáveis, de encontrar pessoas que viveram a mesma época, e compartilhar com elas os momentos marcantes da vida que passou. Outros tempos, outros costumes, como eram bons os bailes da Reitoria, lembra uma delas. E as viagens de trem! E os namoros discretos, a presença do chá de pera– quem é que sabe hoje em dia o que vinha a ser isso? Perguntem a suas avós ou bisavós. E a mim que servi para muitos casais.
As senhoras não chegavam a molhar os pés no mar, preferiam ficar na sombra do quiosque, bebendo uma água de coco – poucas vezes por causa do preço – ou um refri e conversando. Cada dia o grupo aumentava. Conhecidas de conhecidas iam aparecendo. Já nos chamávamos pelo nome.
Na beira da praia, as de meia idade desfilavam em seus maiôs de duas peças. Será que  elas leram a crônica de Rui Spohr, o conhecido figurinista de Porto Alegre, que recomendava: gozem do veraneio sem ligar para convenções. Que importa a idade, o peso a mais, os pneus aparecendo? E usem os biquínis que as netas tenham esquecido na praia. Não deu outra.
De vez em quando a sensação de culpa – o que estou fazendo aqui só desfrutando sem produzir? Mas já trabalhamos tanto em nossas profissões, ouvia-se do grupo.
A notícia chegou como uma bomba. O incêndio da boate Kiss de Santa Maria ceifou mais de duzentas vidas jovens. O céu não pareceu tão azul, escureceu de repente. As até então alegres veranistas buscaram notícias dos parentes pelo celular. Felizmente nenhum da família entre as vítimas. Mas o sofrimento foi de todas. Eles partiram antes de nós. Quem esperava isso?
Onde estava Deus naquela hora, alguém perguntou. Ele é bondade infinita, nos ensinaram. O problema é o livre arbítrio. As tragédias são causadas por nós. Mas deve  acontecer um final feliz à nossa espera. Haverá um lugar de reencontro, onde todos estarão alegres, gozando das maravilhas do céu. Cristo nos prometeu tantas vezes. Estamos no ano dedicado à fé. Vamos acreditar.
Olhando para aquele céu tão lindo, azul fulgurante, era como se estivéssemos vendo aquela fila de jovens entrando, sorridentes, curiosos, prontos para uma nova aventura.
Só assim a dor vai ficando mais suportável. Vamos aprender com a lição, ainda é tempo.