terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A PRAIA SEM CHUVA







Desta vez, o protagonista foi o céu. As ondas continuavam indo em vindo, sem nenhuma novidade. Mas ao olhar o céu de um azul mais brilhante do que nunca, mesmo com nuvens, e essas fazendo desenhos tão bonitos, a gente pensava que as histórias infantis, ouvidas na infância, tinham sua razão de ser.
Porque a sensação era de estar dentro de uma enorme esfera, como um aquário: sobre as cabeças, lá longe, aquele azul lembrando o manto de Maria e o paraíso, para onde deveremos ir viver eternamente ao lado de Deus e dos santos. E de nossos entes queridos de quem sentimos saudade. Só essa fé nos anima a enfrentar a grande tragédia deste verão.
Na praia, os grupos de senhoras de bastante idade se reuniam no quiosque da Ana – tão simpática e acolhedora, que nos chamava de gurias – para o bate papo da manhã ensolarada. Ao contemplar aquelas fisionomias cheias de rugas, a postura encurvada, algumas de bengala até, era um exercício difícil imaginá-las jovens com seus vestidos de noiva, o olhar apaixonado do eleito envolvendo-as, como estavam contando. Mas, com algum esforço...
 Entretanto, nenhuma se atrevia a esquecer o celular - sempre à mão. E as notícias dos filhos e netos eram sua preocupação constante. Pobres jovens! Nós aqui no bem bom, aposentadas, sem encargos, bem tratadas e gozando dessa brisa e do espetáculo alegre dos guardassóis coloridos, crianças brincando na areia, casaizinhos rindo à toa. E eles trabalhando num calor de quarenta graus, enfrentando o trânsito, lutando por um emprego ou para progredir no seu!...Eles têm pena de nós. Mal sabem como somos felizes de ter chegado até aqui, de poder desfrutar desses momentos agradáveis, de encontrar pessoas que viveram a mesma época, e compartilhar com elas os momentos marcantes da vida que passou. Outros tempos, outros costumes, como eram bons os bailes da Reitoria, lembra uma delas. E as viagens de trem! E os namoros discretos, a presença do chá de pera– quem é que sabe hoje em dia o que vinha a ser isso? Perguntem a suas avós ou bisavós. E a mim que servi para muitos casais.
As senhoras não chegavam a molhar os pés no mar, preferiam ficar na sombra do quiosque, bebendo uma água de coco – poucas vezes por causa do preço – ou um refri e conversando. Cada dia o grupo aumentava. Conhecidas de conhecidas iam aparecendo. Já nos chamávamos pelo nome.
Na beira da praia, as de meia idade desfilavam em seus maiôs de duas peças. Será que  elas leram a crônica de Rui Spohr, o conhecido figurinista de Porto Alegre, que recomendava: gozem do veraneio sem ligar para convenções. Que importa a idade, o peso a mais, os pneus aparecendo? E usem os biquínis que as netas tenham esquecido na praia. Não deu outra.
De vez em quando a sensação de culpa – o que estou fazendo aqui só desfrutando sem produzir? Mas já trabalhamos tanto em nossas profissões, ouvia-se do grupo.
A notícia chegou como uma bomba. O incêndio da boate Kiss de Santa Maria ceifou mais de duzentas vidas jovens. O céu não pareceu tão azul, escureceu de repente. As até então alegres veranistas buscaram notícias dos parentes pelo celular. Felizmente nenhum da família entre as vítimas. Mas o sofrimento foi de todas. Eles partiram antes de nós. Quem esperava isso?
Onde estava Deus naquela hora, alguém perguntou. Ele é bondade infinita, nos ensinaram. O problema é o livre arbítrio. As tragédias são causadas por nós. Mas deve  acontecer um final feliz à nossa espera. Haverá um lugar de reencontro, onde todos estarão alegres, gozando das maravilhas do céu. Cristo nos prometeu tantas vezes. Estamos no ano dedicado à fé. Vamos acreditar.
Olhando para aquele céu tão lindo, azul fulgurante, era como se estivéssemos vendo aquela fila de jovens entrando, sorridentes, curiosos, prontos para uma nova aventura.
Só assim a dor vai ficando mais suportável. Vamos aprender com a lição, ainda é tempo.

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