Atualmente, quando toca
a minha vez de fazer o almoço de domingo,
o cardápio não muda muito. Geralmente asso frango na panela Bom Apetite
- coxas e sobrecoxas que já vêm em separado, do Supermercado - e mais uns
acompanhantes, como massa ou arroz e salada de maionese. Uso a industrializada.
Nada que me canse, pois as facilidades das novas tecnologias já trazem os
ingredientes semi-prontos.
Fico lembrando os velhos tempos na casa de meus pais. O frango assado não
era uma tarefa nada fácil. Passava uma semana, pelo menos, em que o mesmo
ficava numa encerra em separado para ser “amilhado”, o que deixava sua carne bem
cevada e macia. Coitadinho, nem desconfiava que estava no “Corredor da Morte”.
No domingo, a Marcina, nossa cozinheira na época, levantava mais cedo
para matar e preparar a ave. Pegava o bichinho na horizontal, a mão esquerda
segurando as pernas, e a direita o pescoço. Num golpe certeiro, ela pressionava
o polegar no ponto exato do pescoço, e a galinha ou frango nem piava. As
vizinhas da quadra, sem coragem, recorriam à sua habilidade nesse ofício.
Chegavam com o bichinho lá na porta de casa, e a gente já sabia: Marcina, é
contigo...
Esta não era sua única habilidade. Entre várias outras, nenhum de nós
consegue esquecer o guisadinho cortado a capricho. Melhor do que o “mastigado”
de hoje nos multiprocessadores de cozinha.
As chaleiras bem cedo no fogão preparavam a água para depenar o frango.
Então, era a vez de cortar corretamente as partes, que na opinião de alguns da
época chegavam a doze. Tenho minhas dúvidas. Mas contando com os miúdos,
coração, moela, fígado, pescoço, até pode ser. Nessa hora é que ela lembrava
que seu Fincão andava sumido, por isso as facas estavam sem fio. Ninguém sabia
onde morava, mas ele costumava aparecer com seu carrinho semana sim, outra não.
E a buzina igual à dos pipoqueiros e picoleteiros chamava as donas de casa ou suas domésticas
com seus objetos cortantes. A cena se prestaria para um filme de horror:
mulheres desgrenhadas ou com papelotes (usados antes dos rolinhos), conforme
haviam levantado da cama, saindo de suas casas atraídas pelo som da carrocinha,
com aquelas armas brancas.
Minha mãe costumava servir-lhe café. Mas preto, porque o leite comprado era
a conta certa para a família. E ele costumava dizer, pobrezinho: Gosto tanto de
café com leite!
Ah, seu Fincão, que falta eu sinto do senhor. Hoje não sei a quem
recorrer para ter facas e tesouras afiadas.
Nos domingos, o almoço costumava atrasar um pouco. Pudera! Com tantas
tarefas complicadas... Porém os jovens da casa, de volta da missa das dez, achávamos
um passatempo. Como fãs dos programas da Rádio Nacional. Papel Carbono, de
calouros já classificados em edições anteriores, era o nosso preferido naquele
horário. Era uma torcida pelos nossos candidatos que muitas vezes saíam
vencedores. Ao meio dia em ponto Francisco Alves , o Rei da Voz, nos
emocionava com músicas românticas. Sua característica “Na carícia de um beijo/ que ficou no desejo/ Boa noite, meu grande
amor” eu nunca esqueci.
Enquanto isso, minha mãe preparava a sobremesa, geralmente um creme que
levava leite condensado cozido com antecedência umas duas horas no fogão a
lenha. Nas cremeiras, ele ficava cercado pelo mingau com gemas e coberto pela
merengada bem batida. Costumávamos chamá-lo de “doce do meio”, e ele era
degustado por último, para alongar o prazer.
Bem na hora do almoço meu pai ia buscar as bebidas – suco de fruta,
refrigerante, às vezes um vinho para os domingos especiais – que deixara
refrescando num balde dentro do poço - a nossa geladeira.
Cada época com seus costumes e ofícios. Substituídos por outros mais
práticos, que levam menos tempo para executar. Mas alguém pode me dizer quem
substituiu os hábeis consertadores das varetas dos guarda-chuvas? Minhas sombrinhas estão sempre quebrando...