segunda-feira, 25 de maio de 2015

O PRESENTE

Anna Zoé Cavalheiro





Chovia muito. Mesmo assim, Silvana recusou a carona da filha da patroa. Precisava chegar a algumas lojas e escolher seu presente do Dia das Mães. Por isso, findo o trabalho, pendurou o avental e aprontou-se para sair.
Abriu a sombrinha e dispôs-se a enfrentar o mau tempo. Por uma boa causa, pensou, pois levava consigo o dinheiro que sua filha lhe dera para que escolhesse uma blusa bem bonita, que servisse para os dias de festa. Seria o primeiro presente dela que conseguira o  emprego desejado, pois era uma boa moça, trabalhadeira e honesta. Isso a enchia de orgulho de mãe.
Na primeira loja não encontrou o número certo, nem a cor. Por isso andou mais umas quadras para chegar a outras que poderiam servir-lhe.
Estava difícil atravessar as ruas, sarjetas alagadas, o passo tinha de ser bem largo. Mesmo assim, seus pés se afundavam nas águas. Mas finalmente Silvana se achou recompensada, vendo que chegara ao lugar certo.
Escolhida a blusa, ela se encantou com as promoções do mês das mães, crédito facilitado em módicas prestações - naturalmente que o pagamento seria em oito a dez meses. Mas achou que valia a pena adquirir roupas íntimas, camisetas, pijamas e camisolas para enfrentar o inverno que promete...
Satisfeita com as compras, Silvana dirigiu-se à parada de ônibus. Mas no caminho ainda chegou ao Supermercado e comprou pão cacetinho para acompanhar a sopa de legumes que a filha adorava.
E, assim, foi colocando sacola dentro de sacola para diminuir os volumes. Na parada, sentou-se no banco, dando graças por ainda achar um lugar.  Foi quando se deu conta de seu cansaço. Tudo bem, logo estaria em casa, onde trocaria roupas e sapatos molhados e esperaria a filha vinda do trabalho para saborearem juntas aquela  sopa que já lhe dava água na boca. E lhe mostraria as compras que certamente a filha aprovaria.
Quando o ônibus se aproximou, surgiram passageiros apressados de todos os lados da rua e foi um empurra-empurra para embarcar. Felizmente achou logo uma poltrona e quando se disponha a relaxar é que se deu conta: cadê o sacolão das compras? Deixara no banco da parada, ou alguém o furtara sorrateiramente?
Na primeira parada Silvana apeou e percorreu o caminho de volta. Ia perguntando se alguém encontrara suas compras, mas todos que via eram-lhe desconhecidos e mostravam-se indiferentes.
Desencantada, contendo o choro, tomou o caminho de casa. Desta vez a pé, pois não lhe sobrara troco para a passagem.
Ao chegar, sua filha recebeu-a assustada. Por que demorara tanto? Mas a mesa já estava posta, e a sopa que ela sonhara apresentar à filha querida já estava à mesa a sua espera.
Depois, bem depois dos desabafos, as duas aconchegaram-se no sofá sob um cobertor quentinho para assistir à novela.
Vamos pôr na Rádio, amanhã, mãe. Pode ser...
Mas uma semana se passou, e alguém que ficou com a sacola deve ter-se sentido feliz com o “presente”, que irá custar muitos meses de pagamentos da pobre Silvana. Impossível não ter identificado a dona, pois até o recibo das compras estava ali.
Silvana já se consolou. Caráter e o nosso amor ninguém nos pode roubar, disse ela abraçando carinhosamente a filha.



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