quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O Velho Relógio


É uma raridade. Mas ainda encontro de vez em quando, em certas casas, aquele tipo de relógio de pêndulo oscilante; de badaladas que podem parecer sinistras no meio da noite, mas que à luz do dia trazem ecos de saudade dos tempos que se foram.
De cada vez que o encontro, a figura de uma cadeira de balanço com assento e encosto de palhinha trançada me aparece na lembrança. E nela sentada a figura do pai-avô, que a família ia reverentemente visitar aos domingos. Todos os domingos. Tomando a bênção, no beija mão.
O tique taque continua nas lembranças, e eu vejo aquele pai que não teve filhos, à cabeceira da longa mesa de refeições – que ele sonhou ver cheia de rebentos seus. Na parede atrás dele, o relógio marcando as horas tranquilas de minha infância. Com meus irmãos, eu ajudando a ocupar os assentos vazios e enchendo de alegria aquele coração de homem bom, generoso, inesquecível. Pelo menos nas férias de verão em sua casa de campo, aquele paraíso de nossa meninice, ele era nosso pai.
Nos invernos nevoentos e frios, eu ainda vejo aquele relógio pendurado à parede, atrás da cadeira que meu pai ocupava à mesa. Seu badalar regia nossos movimentos, mas, enquanto ele não batia as horas, as conversas, após as refeições, eram momentos de convívio enriquecedor, reconforto para o trabalho do pai, o nosso estudo da época, as tarefas da mãe.
Nas noites quietas, faltando o sono, ele era meio assustador. Como num filme de suspense, quando a gente fica esperando o próximo suspense. Até que, numa noite calma, quando menos se esperava, ele veio abaixo, num barulhão terrível: implodiu. A madeira toda se desintegrou de velhice, carcomida pelos cupins. Só ficou o coração batendo – tique taque.
Muitos anos depois, a casa de meus pais teve outro relógio mais moderno. Silencioso, não dava sobressaltos nem badalava as horas. Mas era preciso estar atento aos ponteiros: eles voavam, e os compromissos não esperavam.
À hora do café da tarde – encontro obrigatório para todos os membros da família disponíveis no momento – a gente se reunia de novo, os filhos, os netos até os bisnetos daquele casalzinho amoroso.
Meu pai, de cabecinha branca presidindo a mesa ao lado de minha mãe, estava sempre acompanhando o ritmo das conversas. Perscrutando nas expressões dos rostos queridos algum sinal de preocupação ou de tristeza. Chamava depois, à parte, um e outro que julgou ter problemas. Para oferecer sua ajuda ou algum aconselhamento de homem mais velho: a solidariedade de pai, avô e bisavô amigo e companheiro, disponível em tempo e presença.
Por isso meu desejo seria repor no mesmo lugar aquele relógio antigo, de pêndulo vagaroso. Demorando a passar os minutos, as horas, os dias, as estações. E ficarmos todo o tempo juntos em torno daquela mesa, vendo lado a lado aquelas cabecinhas brancas.
A bênção, meu pai, minha mãe, meu Dindo!

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