quinta-feira, 7 de junho de 2012
A VOZ DO MINUANO
Nas noites dos meses de junho dos últimos anos, tenho procurado em vão ouvir a voz do minuano.O vento das coxilhas gaúchas, que anunciava à velha Bibiana a morte de mais um varão da família nas lutas de fronteiras, e mais tarde na guerra dos Farrapos – esse vento parece estar em extinção.
Pelo menos nas cidades modernas, com edificações adequadas ao clima. É que não há mais frestas nas janelas. O pé direito das paredes diminuiu. Os sótãos e os porões sombrios, onde se guardavam os móveis arcaicos, também desapareceram.
Mas eu o ouvi certa noite. Por minutos, talvez segundos. E ele me fez lembrar cenas da minha infância: suas rajadas fazendo bater as velhas portas e janelas, fechadas com tranca de ferro. Porém impotentes contra ele que invadia os domínios da casa, fazendo minha mãe ou meu pai levantar para cobrir-nos melhor, no frio das madrugadas de junho.
Lembro as árvores da praça – tão raquíticas naquele tempo – vergastadas por esse vento “macho” do Rio Grande. Lembro os antigos prédios que faziam frente à Igreja Matriz, escuros, misteriosos, como o “Império”, que recebeu D. Pedro II nas homenagens prestadas pelos caçapavanos. E um casarão sombrio, vizinho, lembrando uma história de sangue: o assassinato de um cidadão que, levantando da mesa onde jantava com a família, foi atender à porta. E levou um tiro fatal. Motivo: rivalidades políticas.
O tempo passa. E o vento vai levando esses ecos para longe.
A Igreja Matriz de então era sombria. Mas os nichos dos altares, principalmente do altar mor, cheio de degraus de madeira trabalhada, de um azul forte, porém já desbotado pelo tempo – esses davam tratos à imaginação infantil. Era como se Deus, os santos e todos os espíritos celestes ali habitassem.
O incenso que se elevava às alturas fazia pensar em anjos voando em torno do altar.
As ladainhas em latim, enquanto o vento soprava, e os fiéis levantavam as golas de seus casacos, eram invocações que se misturavam à tênue fumaça do incenso e se dirigiam aos céus.
Ah, Minuano de minha infância, como então imperavas nesta “Clareira da Mata”!
Às vezes parecias cochichar no milharal do terreno ao lado de casa. Lembro-me de que eu acordava em sobressalto, pensando em almas penadas.
Hoje os ambientes claros das residências são despovoados de fantasmas.
A velha Bibiana não teria dentro deles o cenário próprio às suas divagações.
O tempo passou, e a vida continua para as novas gerações. E cada um de nós, na extrema idade, pode olhar para trás e à nossa frente – no meio do caminho – e ver do alto da colina se descortinarem os horizontes.
Somos ponte ligando o passado com o futuro.
A vida passa, o vento sopra, mas algo fica – a nossa história.
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