Antes, eram filas organizadas, e no meio alguns representantes das
associações religiosas portavam seus estandartes. Agora, os fiéis se aglomeram num
bloco compacto em torno do andor que leva a imagem do santo homenageado,
seguindo seu líder – o Pároco – que preside as orações e cantos.
Neste ano não foi diferente a Procissão de Ramos. Alcancei-a bem no
início, logo na saída da Capela, e me coloquei no primeiro vão encontrado, sozinha,
sentindo falta de alguém a meu lado.
Logo às primeiras palavras da música “O Povo de Deus”, continuei
cantando: “no deserto andava/ e à sua
frente,/ alguém caminhava./ O povo de Deus/ era rico de nada/ Só tinha a esperança/ e o pó da estrada.” E
a figura de minha mãe, que tanto apreciava esses versos, me fez companhia. Foi
tão forte a sua presença que meu coração palpitou de saudade. Mas foi um
sentimento bom. Lavou-me a alma.
Eis que avisto meu amigo procurando seu espaço na procissão. E lembro que
ele deve estar sentindo falta de sua companheira de fé, a querida sogra, falecida
há pouco. Eram tão chegados, como mãe e filho, sempre juntos nas missas de
domingo. Perdi-o de vista, mas logo senti seu abraço e daí em diante
percorremos todo o trajeto lado a lado, sentindo-nos, tenho a certeza,
mutuamente confortados.
Ao evitar os desníveis do paralelepípedo – e os buracos - dei graças pela
escolha que fiz dos sapatos para a ocasião. Há anos procurava um modelo assim confortável.
Que contivesse meus pés, largos e altos, sem comprimi-los nas antigas formas
tão estreitas e apertadas. Lembrei-me do sofrimento nos bailes de outrora:
aqueles sapatos de verniz, duros demais e sem a necessária inclinação. Como os
empresários da área de então ignoravam o perfil de sua clientela! Viva a nossa
indústria calçadista de agora e seus inteligentes designers! Perdoa, Nossa Senhora, se no meio de uma Ave Maria eu
fiquei pensando em tudo isso.
Ao meu lado¸ uma senhora miudinha, afro-brasileira (não dá para citar a
cor, senão já falam em preconceito)¸ procurava acertar os passos com o cortejo.
Lembrava os seus antepassados na maneira de vestir e portar-se: humilde, quase
despercebida. Um ar de sofrimento franzindo seu rosto: seriam os sapatos ou
algum mal da alma? Engraçado, como nossos irmãos de cor evoluíram de uns tempos
para cá. Nem “catinga” eles têm mais. Hoje eles são orgulhosos, até arrogantes,
cobrando dos brancos tudo o que lhes devemos em submissão, trabalho,
oportunidades perdidas... Melhor assim. Oxalá chegue o tempo de todas as
dívidas pagas, e que reine a igualdade entre nós, humanos. Afinal, não somos
todos irmãos?
Meu Deus, perdoa minha desatenção. Que me faz olhar à volta e lembrar os
antigos moradores das casas por onde passamos. Ali, dona Celeste, exímia
tricoteira. Fez algumas peças dos enxovaizinhos dos meus filhos. Na casa
vizinha ficava aquela moça que não perdia casamento na igreja. Só para olhar e
depois contar às amigas como era o vestido da noiva, o noivo, se ele tinha cara
de feliz, os convidados quem eram, enfim, levava dias para concluir a
“reportagem”. Dizem as más línguas que ela anotava num caderninho as datas das
cerimônias, e quando nascia o primeiro bebê, ela fazia as contas... Na
seguinte, era como se as visse ainda: as irmãs Coutinho tão prendadas e
piedosas. De missa diária, fazedoras de rosquinhas e outros petiscos muito
procurados. Devem estar assistindo lá do céu a nossa passagem.
A procissão prosseguia, e de tempos em tempos os fiéis erguiam os ramos
numa saudação ao homenageado - o Cristo
feito homem que entrava em Jerusalém dias antes de sua morte. Parecia-me vê-lo
em carne e osso abençoando, casa por casa, os seus moradores, com aquele seu
sorriso doce. Foram momentos de plena comunhão, de amor e de paz.
Finalmente a chegada à Matriz. Onde está meu amigo que não vi nos últimos
momentos? Eis que sinto seu braço me apoiando na subida da escadaria. E lá
dentro uma nuvem de incenso, luzes, cantos, parecia o próprio paraíso. Deus nos
acolhendo como Pai. Louvado seja!
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