quinta-feira, 11 de outubro de 2012

NA PROCISSÃO DE RAMOS





Antes, eram filas organizadas, e no meio alguns representantes das associações religiosas portavam seus estandartes. Agora, os fiéis se aglomeram num bloco compacto em torno do andor que leva a imagem do santo homenageado, seguindo seu líder – o Pároco – que preside as orações e cantos.
Neste ano não foi diferente a Procissão de Ramos. Alcancei-a bem no início, logo na saída da Capela, e me coloquei no primeiro vão encontrado, sozinha, sentindo falta de alguém a meu lado.
Logo às primeiras palavras da música “O Povo de Deus”, continuei cantando: “no deserto andava/ e à sua frente,/ alguém caminhava./ O povo de Deus/ era rico de nada/ Só tinha a esperança/ e o pó da estrada.” E a figura de minha mãe, que tanto apreciava esses versos, me fez companhia. Foi tão forte a sua presença que meu coração palpitou de saudade. Mas foi um sentimento bom. Lavou-me a alma.
Eis que avisto meu amigo procurando seu espaço na procissão. E lembro que ele deve estar sentindo falta de sua companheira de fé, a querida sogra, falecida há pouco. Eram tão chegados, como mãe e filho, sempre juntos nas missas de domingo. Perdi-o de vista, mas logo senti seu abraço e daí em diante percorremos todo o trajeto lado a lado, sentindo-nos, tenho a certeza, mutuamente confortados.
Ao evitar os desníveis do paralelepípedo – e os buracos - dei graças pela escolha que fiz dos sapatos para a ocasião. Há anos procurava um modelo assim confortável. Que contivesse meus pés, largos e altos, sem comprimi-los nas antigas formas tão estreitas e apertadas. Lembrei-me do sofrimento nos bailes de outrora: aqueles sapatos de verniz, duros demais e sem a necessária inclinação. Como os empresários da área de então ignoravam o perfil de sua clientela! Viva a nossa indústria calçadista de agora e seus inteligentes designers! Perdoa, Nossa Senhora, se no meio de uma Ave Maria eu fiquei pensando em tudo isso.
Ao meu lado¸ uma senhora miudinha, afro-brasileira (não dá para citar a cor, senão já falam em preconceito)¸ procurava acertar os passos com o cortejo. Lembrava os seus antepassados na maneira de vestir e portar-se: humilde, quase despercebida. Um ar de sofrimento franzindo seu rosto: seriam os sapatos ou algum mal da alma? Engraçado, como nossos irmãos de cor evoluíram de uns tempos para cá. Nem “catinga” eles têm mais. Hoje eles são orgulhosos, até arrogantes, cobrando dos brancos tudo o que lhes devemos em submissão, trabalho, oportunidades perdidas... Melhor assim. Oxalá chegue o tempo de todas as dívidas pagas, e que reine a igualdade entre nós, humanos. Afinal, não somos todos irmãos?
Meu Deus, perdoa minha desatenção. Que me faz olhar à volta e lembrar os antigos moradores das casas por onde passamos. Ali, dona Celeste, exímia tricoteira. Fez algumas peças dos enxovaizinhos dos meus filhos. Na casa vizinha ficava aquela moça que não perdia casamento na igreja. Só para olhar e depois contar às amigas como era o vestido da noiva, o noivo, se ele tinha cara de feliz, os convidados quem eram, enfim, levava dias para concluir a “reportagem”. Dizem as más línguas que ela anotava num caderninho as datas das cerimônias, e quando nascia o primeiro bebê, ela fazia as contas... Na seguinte, era como se as visse ainda: as irmãs Coutinho tão prendadas e piedosas. De missa diária, fazedoras de rosquinhas e outros petiscos muito procurados. Devem estar assistindo lá do céu a nossa passagem.
A procissão prosseguia, e de tempos em tempos os fiéis erguiam os ramos numa saudação ao homenageado -  o Cristo feito homem que entrava em Jerusalém dias antes de sua morte. Parecia-me vê-lo em carne e osso abençoando, casa por casa, os seus moradores, com aquele seu sorriso doce. Foram momentos de plena comunhão, de amor e de paz.
Finalmente a chegada à Matriz. Onde está meu amigo que não vi nos últimos momentos? Eis que sinto seu braço me apoiando na subida da escadaria. E lá dentro uma nuvem de incenso, luzes, cantos, parecia o próprio paraíso. Deus nos acolhendo como Pai. Louvado seja!

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