A vida não é moleza. Porém existem momentos preciosos que valem uma
existência. E esses momentos se devem à amizade.
Quando me dei conta, haviam-se passado onze anos sem ver minha amiga, tão
longe nos trezentos quilômetros que nos separam. No entanto, chegando a sua
casa, foi como se a tivesse visto na véspera.
Os dois dias de visita foram insuficientes, até mesmo para “condensar” em
intermináveis diálogos os acontecimentos de nossas vidas. O que não foi dito
ficou subentendido no sentimento fraterno que nos levou a rir e a chorar
juntas, pelo que a vida nos concedeu ou nos tirou.
O mundo retrocedeu dez, vinte, vinte e cinco anos, nas reminiscências
evocadas.
E vimos que, apesar da distância,
do tempo decorrido, dos acontecimentos, da falta de cartas e notícias, nossa
amizade continua intacta, ou melhor, cada vez mais sólida, tendo amadurecido
conosco.
Na volta, olhando pela
janela do ônibus, vinha pensando na riqueza de ter amigos. E lembrei Rui
Barbosa que não os tinha em grande conta quando dizia que os nossos adversários
é que nos desafiam à luta, e por causa deles nos empenhamos em vencer. Ao passo que as
pessoas que nos querem bem se contentam com nosso jeito de ser, não nos
incentivam a ser melhores. Talvez temendo desagradar-nos.
Pois é. Até nisso minha amiga é perfeita. Ela sempre usou de franqueza,
apontando-me esse ou aquele defeito que eu deveria corrigir.
Não me senti só no longo trajeto do ônibus “pingapinga”. Apesar de os
companheiros de viagem se sucederem a cada parada, mudos, indiferentes. Pensava
quantas preocupações supérfluas (e ocupações) temos todo o dia, que nos roubam
tempo para o essencial: a convivência com nossos queridos. Com os amigos da
mesma época, de passado comum. Com os mais velhos da família, os mais jovens,
as crianças...
Quantos amigos distantes que não vemos há tanto tempo por falta de
recursos. As viagens caras, a falta de conforto dos ônibus, a insegurança dos
coletivos. Enquanto outros viajantes mais folgados, talvez ainda à procura de
um amigo, viajam sozinhos nos carros velozes. Por companhia, o som.
Lembrei, num momento, um romance de Machado de Assis (ou Monteiro Lobato?
- eu sempre confundo) que contava uma viagem de trem na segunda classe. Ele
dizia que o pobre tem de sofrer mesmo! Não bastasse a falta da poltrona
estofada de couro da primeira classe, ele ainda era obrigado a sentar-se em
banco de madeira, sem nem uma inclinação no encosto. Teria custado o mesmo aos
fabricantes. Porém as leis parecem ditar que o pobre não merece conforto, e as costas
do coitado ficavam em ângulo reto com o assento. E o torcicolo depois!....
Se os coletivos tivessem melhores condições de trafegabilidade, se os
passageiros deixassem de ser tratados como gado – mais um passinho pra frente –
quem sabe diminuiriam as tragédias. Não haveria tantos veículos ultrapassando
nas estradas. Alguém a meu lado comentou que o preço das passagens é que não
lhe permite usar os coletivos quando viaja com a esposa e os filhos. Sai muito
caro. Assim sendo, coloca mais um automóvel na estrada.
Talvez voltasse aquele clima de festa das viagens de trem ou de ônibus de
outrora, quando os passageiros se condicionavam à morosidade da marcha do
veículo, tratavam-se com urbanidade, oferecendo-se mutuamente jornais e
revistas, balas, bolachinhas, e até carne assada ou linguiça frita enrolada em
farofa, nas viagens mais longas.
Mesmo nessa viagem desconfortável
de agora, apesar do torcicolo e do cansaço, valeu a pena.
Fazer amigos é uma grande glória. E conservá-los, um privilégio sem par!
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