Desde que me aceitei ser uma sobrevivente dos meados do século passado,
venho-me policiando para não falar “no meu tempo era assim”. Cansei. Agora vou
desabafar tudo aquilo que venho sufocando “para não dar uma de velha”.
Pois no meu tempo os pais mandavam, e os filhos obedeciam. Os professores
ensinavam, e os alunos aceitavam seus ensinamentos. Poucos punham em dúvida o
que eles diziam ou mesmo debatiam suas idéias. Era tudo mais tranqüilo.
Nos lares, nas escolas, na sociedade, na igreja, o respeito era quase
instintivo, não precisava que nos lembrassem. A não ser a recomendação de que
era preciso dar sempre o bom exemplo. Para os irmãos menores, para os colegas
de séries menos adiantadas, para os próprios amigos e companheiros, nos meios
sociais, na igreja, em toda a parte. Em qualquer situação em que estivéssemos,
a própria vontade não era soberana, havia sempre um limite, o cuidado para que
nossas ações não viessem prejudicar alguém. “Democracia é o direito de cada um
viver sua vida e agir com liberdade desde
que respeitando o direito do outro.” Assim dizia nosso antigo diretor da Escola
Normal.
A primeira droga de que ouvi falar foi o lança-perfume dos carnavais.
Quando nossa turma se divertia só com uns copos de guaraná e a alegria natural
da juventude.
Havia bullying, sim, mas nem
sabíamos o seu nome, e cada aluno resolvia os próprios problemas sem queixar-se
às professoras nem aos pais, em casa. Lembro-me de que fui uma vítima bem visada,
nem sei por quê, talvez por ser estudiosa e elogiada pelos mestres. Ou pelo fato de ser uma estranha no ninho, pois
vim de Cachoeira, onde minha família residiu alguns anos, e a turma daqui já
estava formada e não me aceitava.
Certo dia uma da colegas me puxou pela gola da blusa enquanto eu me levantava
para responder a uma pergunta da professora – e esta nem viu, mesmo estando à
mesa sobre um estrado bem alto. Ela me disse que me esperava na saída. A colega era uns seis anos mais velha que eu,
e bem mais possante. Tiro o chapéu pra mim, pois tive a coragem de esperá-la
atrás da esquina. Quando ela passou com seu bando - todas umas mocinhas falando
em namorados, e eu uma pirralha de nove anos - tive a coragem de interpelá-la. Ela se
admirou, não esperava minha reação. Fomos discutindo até a esquina de minha
casa. Daí nos separamos, e desde então o bullying
terminou, pelo menos de sua parte.
Hoje este incidente daria caso de polícia, ou de pais reagindo,
professores levando a culpa, um horror!
Lembro o caso recente de uma mãe que foi à escola e agrediu a colega que
brigara com a filha. Onde está a
educação da família? O que é que os pais ensinam aos filhos agora?
Nas escolas do meu tempo os alunos eram alfabetizados na primeira série,
e se não conseguiam aprender a ler, repetiam o ano. Hoje eles seguem até a
terceira ou quarta série analfabetos e, se
reprovados na leitura, voltam à segunda.
Os diretores eram escolhidos pelos colegas em uma lista tríplice, entre
os considerados mais capazes e idôneos, e essa lista era submetida à Secretaria
de Educação que dava a última palavra. Assuntos de política partidária eram
proibidos nas escolas. Não havia “panelinhas”, e o ambiente escolar era
tranquilo.
Depois que a Psicologia entrou em nossas vidas, as responsabilidades
pessoais perderam sua força. Tudo é culpa das frustrações da infância, pais
autoritários, falta de diálogo, e a sociedade impondo seus modelos. Hoje a
pessoa tem mais liberdade de ser o que é – ponto a favor - mas o errado é que
ela invade o espaço do outro, daí as tensões, os conflitos que não se acabam.
No divã do analista, a pobre da mãe é a culpada de tudo, e o ambiente familiar
também.
“No meu tempo” as clínicas psiquiátricas eram só para os loucos.
Hoje há famílias inteiras que as
procuram. Os casais desajustados, então... Antes, a religião, o carinho da
família, a convivência dos irmãos, primos e amigos resolviam nossos problemas.
Enfim, cada um tem de ajustar-se à sua época e ao seu ambiente. Mas não é
demais lembrar que a educação feita com amor é o começo da solução para os males
que afligem o mundo moderno da competição, da ânsia pelo poder e pelas riquezas
materiais. O que vale, no entanto, é ser feliz, realizar-se como pessoa,
desenvolver suas potencialidades para o bem próprio e da comunidade.
Falei como professora? Desculpem.
Esqueci de policiar-me.
Um abraço!
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