Quando há dias arranquei a folhinha do calendário, tive uma alegre
surpresa: a gravura mostrava um punhado de ovelhas mães confinadas em uma
mangueira com seus cordeirinhos recém nascidos. Lembrei-me de décadas atrás,
das minhas viagens mensais ao interior do município e a Santana da Boa Vista,
que então pertencia a Caçapava. Foi quando aprendi que agosto – e não setembro
– é o mês do renascimento da natureza, a antevéspera da Primavera. É quando
nascem os cordeirinhos, os terneiros e cabritinhos. Os pessegueiros florescem,
os campos ficam empapados de umidade, preparando a terra para a ressurreição
que se dará em setembro.
Por isso, olhando a rua lá fora, o
mau tempo e as consequências da seca não me deixam abatida. Sei que debaixo da
aparência desolada, a terra está sendo realimentada para que os brotos renasçam
com toda a força da vida.
Lembro aquelas viagens que faziam parte de meu ofício, nas estradas de
chão, tendo-se às vezes de abrir porteiras em campos particulares. O ônibus
parando a toda a hora para embarcar ou desembarcar passageiros.
Gostava de ouvir os recados dos moradores de beira de estrada – pois o
motorista era o “menestrel” que levava e trazia as notícias. Davam-lhe
encomendas diversas, desde missas a remédios, avisos para a Rádio local, até a
entrega de leite, ovos, carne, para o destinatário que esperava porteiras e
quilômetros adiante ou na Rodoviária.
Não passava uma vez sem que visse o motorista ser agraciado com presentes
de valor: um quarto de rês, charque, linguiças, dúzias de ovos, carne de
leitão. Mas ele merecia, e muito. As paradas do ônibus tinham também outros
motivos: às vezes porque ele via um animal em perigo na estrada. Então, logo
que avistava alguém da propriedade, parava o ônibus e avisava.
Os passageiros não reclamavam, porque compreendiam. Eram fatos de sua
vida. Eu, talvez a única estranha ao assunto no ônibus, ia assimilando aquela
realidade da vida rural. E admirando a serenidade dos passageiros. A alegria
daquela gente quando embarcava um amigo! As conversas intermináveis – Quem
nasceu? Casou? Morreu? – Para quem Fulano arrendou o campo? Como foi a safra? A
venda do gado?
Ao desembarcar um passageiro, o motorista esperava pacientemente as
despedidas, as recomendações – abraços à comadre...
Não havia pressa. A natureza estava completando o ciclo das estações. E
continuava trabalhando em silêncio.
Quantas vezes desejei ficar em alguma daquelas casas rodeadas de campo
bem verde, rebanhos pastando, laranjais florescendo, e os últimos raios de sol
dourando aquela paisagem.
Mas eu pensava na noite sem luz elétrica. Sem a leitura, o cinema, pois
naquele tempo ainda não havia televisão.
Neste mundo de agora, de tanta tecnologia, tenho saudade daquela vida
simples do campo, de onde nos vêm os alimentos e as matérias primas de nossas
indústrias. E fico pensando que é preciso a mão do homem, a vontade do homem,
seu suor para que haja o que colher. Para lavrar, semear e ver brotar ramos
verdes “naquele tronco que o lenhador desprezou”, conforme disse o poeta. Porque
haverá sempre primaveras. E o prêmio chegará mais cedo ou mais tarde àquele que
souber ouvir e atender aos apelos da terra.
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