Em nome do bom senso, é difícil
acreditar que haja sogras como a personagem do Walcyr na novela Amor à Vida.
Uma megera! Convidada, a contragosto do genro, para morar com a filha na casa
da família, ela não esquece as velhas implicâncias com ele. E continua a
hostilizá-lo, pedir-lhe satisfações e colocar espiões à sua volta para
flagrá-lo em mais uma infidelidade conjugal. Até no seu ambiente de trabalho, o Hospital que ele dirige.
Pois eu conheci alguém que parece ter sido a inspiração para essa figura.
Era a Dona Mimosa, que de mimosa não tinha nada. Viúva pobre, criou a filha
única como uma princesinha bem vestida (a mãe era exímia costureira), e
preparou-a desde cedo para um casamento
de sucesso. A mocinha era meiga e bem bonitinha, e com os truques da mãe –
estar no lugar certo na hora certa e agir certo – conseguiu um bom partido. Ele
era diretor de importante instituição pública do Estado. Pois a sogra metia o
bedelho até na repartição, convidando para o chá da tarde as secretárias mais
influentes e delas extraindo os segredos que lhe interessavam. Daí a uma rede
de intrigas e fofocas foi um passo. Pode-se dizer que ela foi a responsável por
muitas decisões oficiais do pobre genro...
Um dia destes, recordando essa personagem intrigante, minha mana lembrou uma
de suas façanhas. Nossa tia era amiga desde jovem da filha dela e continuavam
seu relacionamento visitando-se com frequência, na casa de uma, na capital, ou
da outra, no interior. Numa ocasião, Dona Mimosa se queixava de que titia
estava demorando a aparecer por lá. E descobriu que o motivo foram nossas
doenças de criança que fizeram nossa Dinda vir em socorro da mãe atribulada.
Pois a velhinha, enciumada com essa preferência, escreveu uma violenta carta
que ficou na história. Em certo trecho dizia assim: “Ondina, quando te juntas
com a tua mana e a filharada dela, é como construíres uma arca de Noé só para
vocês. O resto do mundo pode soçobrar que nem estás ligando.” Ficamos
encantadas com a expressão “soçobrar” que a velhinha empregou. Ela conhecia o
poder das palavras e usava as expressões lidas nos romances da época, cheio de
palavras pomposas!
Hoje somos as fontes mais antigas para essas heranças históricas. Quando
procuramos alguém para confirmar nossas lembranças, não a encontramos mais.
Somos sobreviventes de um mundo que ficou para trás. Como no filme Farherneit,
do livro de mesmo nome, história de uma sociedade do futuro que proibia livros
e leituras, e os rebeldes – escondidos em florestas - decoravam as obras famosas, passando-as
oralmente aos mais novos que tinham de também de decorá-las, porque os livros eram incendiados em grandes fogueiras pelas
brigadas do governo.
Tal como eles, mas sem a mesma pressão e sofrimento, pelo contrário,
quando hoje nos reunimos em aniversários, casamentos e até mortes, os assuntos
remontam a décadas atrás. E as lembranças se reacendem e se complementam. É
quando uma das manas chega divertida dizendo: Trago hoje “novidades” antigas. O
bom é que os mais novos se interessam, ficam ouvindo e depois passarão adiante.
Assim, a tradição oral não vai morrer.
Por isso achei interessante registrar esse episódio da sogra e ao mesmo
tempo confirmar que a arte imita a vida. E a inspiração se encontra em toda a
parte...
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