Coisa tem alma? Depende. Às vezes me surpreendo ouvindo o que me dizem
objetos que acumulei na vida e me contam estórias... Eles me remetem a tempos
idos, lembram pessoas e fatos que não consigo ou não desejo esquecer.
Rezando diante da imagem do Coração de Jesus, devotamente colocado acima
da lareira da sala, revejo com os olhos da saudade minha tia, de quem o herdei,
rezando diante dele. E sinto que aquela imagem, na sua estrutura de papel,
vidro e moldura, não é apenas um objeto inerte. Ele guarda tanta energia, tanta
fé e também muitas lágrimas e pedidos de ajuda.
Por isso minhas orações me dão a esperança de serem atendidas.
A vida tem suas fases, e da infância passamos à juventude, à maturidade,
à velhice. Mas sempre fica alguma coisa de cada etapa manifestando-se em nossa
maneira de agir e encarar as coisas. Por isso aceito certas manias que estou
adquirindo e o meu gosto pelas relíquias que me cercam.
Nestas noites frias de nosso inverno, achei bem escondidinha num baú uma
peça de meu enxoval de noiva, que passei a usar agora. Uma “maianita” (assim se
dizia e não sei de que língua ela vem) tricotada pela Chica em nossos serões de
conversa e cafezinho, no antigo Hotel do Comércio. Revejo com saudade as
figuras queridas da Elsa, da Amélia, da Lindóia, da Ana Maria, às vezes a Norma,
depois que atendia no balcão de doces do cinema de seu pai. Todas já disseram
seu adeus definitivo. Fazíamos tricô, e as conversas sobre o mundo e nossas
vidas, cada uma exercendo uma profissão, bancária, comerciária, professora,
tricoteira, eram variadas. Não se resumiam em falar nos alunos, como em
reuniões de colegas minhas, também apaixonadas pela profissão. Mas nas noites
em que o cinema exibia novos filmes, não contassem comigo e com a Elsa. Era um
de nossos hobbies.
Hoje o sensato é ficar em casa para fugir do frio e da umidade do inverno.
Cada uma na sua casinha, como diz minha mana Duty, e a companhia são os
personagens das novelas. E se todas as irmãs, agora viúvas e com os filhos
criados, passassem a morar junto, não seria o ideal? Mas como abandonar nosso
cantinho, nossos guardados que tentamos diminuir a cada faxina, mas que formam
o relicário de nossas vidas?
São dilemas que a gente vai empurrando com a barriga até que eles se
resolvam por si mesmos. Até lá, vamos conservar nossas lembranças e a cada dia
tirar o pó dos objetos que as representam. Pendurados nas paredes, colocados de
enfeite na mesinha da sala, sobre a cômoda do quarto, nas cristaleiras e
armários de livros, ninguém os tire dali.
Eles são pedaços de nós e falam de coisas que só nós entendemos.
Também acredito que as coisas têm alma e já escrevi a respeito. Parabéns pela crônica.
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