Neste último Dia dos Pais, fiquei lembrando as pequeninas coisas que
caracterizavam nosso pai, essa figura querida que lembramos com tanto carinho.
Lembro-me dele à cabeceira da mesa presidindo as refeições. Tinha um modo
elegante de servir-se, usando garfo e faca como mandam as etiquetas. Ele veio de um lar muito simples, de gente da
campanha. Quem o ensinou?
Gostava de vê-lo pôr farinha no feijão e misturá-lo com laranja de
umbigo.
Após o almoço, cada um de nós chegava até ele para receber a colherada de
emulsão de Scott seguida de um gomo da fruta. Assim, não dava para sentir o
gosto do remédio que era tomado sem queixa. Papai temia as gripes e gostava de
saber-nos prevenidos contra elas. Além das preocupações com a doença, as despesas
com os remédios ameaçavam o modesto orçamento da família.
Papai gostava de frutas, e seu pequeno pomar tinha um pessegueiro (seu
orgulho) que dava pêssegos gostosíssimos. Que só ele apanhava e fazia questão
de oferecer-nos com muito orgulho e satisfação. O primeiro colhido na época
ficava um dia ou dois no guarda-louça da cozinha esperando amadurecer bem.
Quando chegava a hora, ele descascava-o com todo o cuidado para reparti-lo conosco. Doty, a mais
gulosa, não via a hora de poder comê-los inteirinhos.
Nas manhãs de domingo, antes da Missa das dez, nós o víamos fazendo a
barba diante do espelho pendurado na parede da copa-cozinha. Noutras manhãs,
perdíamos o “espetáculo”, porque era a hora de ir à escola. Tão pequeno e
ficava bem alto, fora de nosso alcance. O barbeador, antes do descartável de
hoje, um aparelho que se abria ao apertá-lo para colocar a lâmina, não era a
mais conhecida Gilette, mas da marca Valete, mais resistente. Sua barba, muito
densa e forte assim o exigia. Aquelas lâminas eram poupadas e afiadas numa tira
de couro guardada junto com seu kit
de barba numa caixa de goiabada – de madeira. Ah, lembrei-me de outra cena
doméstica que ele protagonizava. Éramos loucos por açúcar, e quando não havia
sobremesa, ele abria uma embalagem desse doce. Nós ficávamos na expectativa,
salivando, enquanto ele tirava com uma faca os grampos da tampa. Colocava a
barra num prato raso e ia partindo fatia por fatia, enquanto mamãe lhe
alcançava nossos pratos.
Seu senso de economia funcionava admiravelmente. Pudera! Ele foi um ótimo
profissional, contador da Prefeitura, perito em fazer orçamentos. E no lar nada
de essencial nos faltava, mas ele combatia todo o desperdício. Dava gosto ver
seu prato depois das refeições. Costumava dizer, fazendo graça, que funcionário
público tem que roer os ossos, e assim ele fazia.
O expediente na Prefeitura era em dois turnos, o da tarde começando às
duas horas. Depois do almoço, sobrava-lhe um tempinho para uma soneca de janelas
abertas para não perder a hora. Ele e a mamãe ficavam ouvindo as novelas do
rádio deitados. Duvido que soubessem da trama a metade, pois o sono atrapalhava.
Quando se ouvia o barulho das chaves tilintando no molho que ele usava no
cinto, sabíamos que ele já levantara e estava pronto para retornar ao trabalho.
Voltava à tardinha, e então se dedicava aos assuntos do lar. Conferir o
caderno do armazém, ouvir os relatos do dia dos filhos e da esposa, assinar os
boletins do colégio – e que satisfação a minha quando lhe apresentava as notas
altas! Papai se mostrava satisfeito, mas nunca me incentivou a competir com os
colegas pelo primeiro lugar. E eu lhe agradeço também por mais esse traço de
seu caráter. Ele sempre nos deixou escolher nossos caminhos, sem pressão, mas
infundindo-nos sua confiança. Sempre dizia que deixaria como nossa herança a
educação. E assim foi, mas muito mais do que isso. Todos os valores que norteiam nossos caminhos.
À noite, antes de irmos para a cama, havia o beijo e o pedido de bênção.
Dormíamos tranquilos, não antes de ouvi-lo passar as trancas nas portas da
frente e da cozinha e verificar os ferrolhos das janelas. Nas noites de
tempestade seus cuidados com a segurança da casa eram ainda maiores.
Domingos de visita aos avós, caminhando no meio da rua, nós na frente e
eles seguindo de braço dado atrás, naquele diálogo interminável de um casal
feliz.
Ou nos levava a um piquenique. A pé, nas cercanias da cidade. Ele fazia
um churrasco, e era tudo tão gostoso.
Pequenos flashs ficam pipocando
na minha memória, e eu vejo aquela figura inesquecível trepado numa cadeira
meio capenga, com a doce companheira firmando-a, enquanto ele trocava alguma
lâmpada queimada. Ou trocando fuzíveis no “contador” da sala., que estavam
sempre queimando. Nossa rede elétrica era um desastre na época. Noutros momentos,
recordo-o puxando o balde do poço onde ele colocara garrafas de refrigerante ou
apenas água para refrigerar. As bebidas ficavam na temperatura certa para os
nossos suaves verões.
Estas são lembranças apenas de minha infância e começo da adolescência. Quando
todos, pais e irmãos coabitávamos debaixo daquele teto abençoado.
A vida nos levou a outros lares, e a figura do nosso pai foi ganhando
novas dimensões, de avô, de amigo, de companheiro em todas as horas, de
exemplo. E enchendo-nos de muito carinho e orgulho de sermos seus filhos.
Posso dizer com certeza que nunca nenhum de nós, seus filhos, teve crises
de rebeldia na adolescência. Nunca o recriminamos por nada. E todos os dias até
hoje, lhe agradecemos, e a nossa querida mãe, pelos caminhos que nos ajudaram a
escolher na vida. Sermos seus filhos foi um “privilégio”, como diz minha
querida amiga Rita.
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