Ouso dizer que as ruas de uma cidade são como rios, sempre mudando de
cara. As casas, calçadas, meio da rua podem ser os mesmos, mas as variáveis são
muitas. Ruas alagadas pelas chuvas, ruas torrando ao sol escaldante de verão,
ruas tranquilas nas tardes de domingo, ruas agitadas nas vésperas dos feriados,
feriadões ou eventos sociais importantes.
As ruas variam também ao sabor dos dias da semana ou do mês. Quando esse
começa, seus passantes aglomeram-se em torno das agências bancárias para
receber ou efetuar pagamentos. Estacionar um carro é um problema, e nos dias de
calor a “briga” dos motoristas é para conseguir um lugar à sombra. Raríssima em
nossa cidade de poucas árvores – a nossa Clareira na Mata.
À frente das lojas e supermercados oferecendo promoções, o movimento é
intenso e lembra uma cidade grande.
Depois do dia quinze a gente respira aliviado. Impostos, taxas e
prestações pagas, porém mais nada a receber, o remédio é apertar a bolsa e
procurar outros afazeres. As ruas, então, são espaços abertos para pedestres ou
motoristas. Somos uma cidade interiorana sustentada economicamente na maior
parte pelas aposentadorias de seus habitantes idosos. Portanto, nossa receita
municipal é bem previsível.
As ruas de dia têm uma cara, e nas altas horas outra muito diferente.
Pela manhã, bem cedinho, são as empregadas domésticas que se dirigem ao
trabalho. Coitadas! É a hora preferida dos estupradores, mas que fazer? É
confiar em Deus e no socorro do próximo.
Também, ali pelas seis horas, ônibus das empresas de calcáreo recolhem
seus trabalhadores em determinadas esquinas.
E o sono dos aposentados é interrompido pelo ronco dos motores desses
coletivos e ainda mais pelo aquecimento dos caminhões de transporte, o que leva
mais tempo, nos invernos. Aprendi a calcular a hora ouvindo esses barulhos.
Porque galo cantando na minha vizinhança não se ouve mais. Que saudade!
Um pouco depois, são estudantes com suas mochilas e cara de sono.
Seguem-se os funcionários de repartições ou do comércio, muitos deles –
principalmente as comerciárias – em suas motinhas barulhentas, mas nem tanto.
À noite, depois do fechamento dos bares e pizzarias, o movimento
escasseia, e o cidadão comportado pode dormir um sono profundo. Nem sempre,
pois as ruas mudam de donos, e estes não se importam em causar transtorno. São
os boêmios, os mal intencionados - arrombadores, assaltantes e bandidos - e os
amigos das drogas. Às vezes, apenas alguns jovens sadios saindo de baladas.
Música alta nos seus carros velozes, mas tudo bem, a gente entende, é a
mocidade. Mas quando os gritos são de brigas, espancamentos, agressões, choro
de mulher, aí é de ficar-se arrepiado.
Sirenes da Samu ou da Polícia são frequentes nessas horas, e a gente fica
pensando quem terão sido as vítimas. E os culpados?
Enquanto o sono interrompido não volta, ficamos pensando onde estamos.
Numa redoma? Cercados de grades e de cadeados, o mundo é dos outros, dos sem
lei nem piedade. Mas a claridade do dia é nossa aliada, aí podemos sair do
casulo para conviver com nossos semelhantes.
“A porta da rua é a serventia da casa” – quem terá inventado esse chavão
e em que trágicas circunstâncias? Nem é
bom pensar nos dramas familiares que levam uma família a esse ponto – expulsar
alguém assim. E esse alguém, antes um
ser amado e protegido, vai agora para o “olho da rua” – outro chavão.
Os nomes que dão às ruas não dizem nada ou quase nada. Nomes de políticos
que quase ninguém se lembra quem foi. Ou o que fez. Ainda mais, que com essa
tendência atual de reviver o nosso passado histórico, muitos deles de heróis se
tornam vilões. Deveriam ser chamadas com um nome de flor, ou poético, ou
animador. Como Rua da Esperança, das Andorinhas, Rua das Margaridas. Conheço
algumas com apelidos medonhos: Beco do Laçaço – onde a Lei Maria da Penha não
tem sossego – Rua dos Enforcados e outras até divertidas. O povo tem humor, é a
sorte!
Ruas de minha vida, adorei todas elas. Posso contar os dias em que fiquei
só dentro de casa. Por doença, é claro, pois como vou deixar de ouvir o seu
apelo chamando-me para o social, o encontro com outras pessoas, outros
assuntos, outros afazeres? E as surpresas a cada esquina! Minha rotina diária
termina na porta da rua. Depois, é só aguardar para ver. E viver...
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