domingo, 17 de novembro de 2013

AS RUAS FALAM





Ouso dizer que as ruas de uma cidade são como rios, sempre mudando de cara. As casas, calçadas, meio da rua podem ser os mesmos, mas as variáveis são muitas. Ruas alagadas pelas chuvas, ruas torrando ao sol escaldante de verão, ruas tranquilas nas tardes de domingo, ruas agitadas nas vésperas dos feriados, feriadões ou  eventos sociais importantes.
As ruas variam também ao sabor dos dias da semana ou do mês. Quando esse começa, seus passantes aglomeram-se em torno das agências bancárias para receber ou efetuar pagamentos. Estacionar um carro é um problema, e nos dias de calor a “briga” dos motoristas é para conseguir um lugar à sombra. Raríssima em nossa cidade de poucas árvores – a nossa Clareira na Mata.
À frente das lojas e supermercados oferecendo promoções, o movimento é intenso e lembra uma cidade grande.
Depois do dia quinze a gente respira aliviado. Impostos, taxas e prestações pagas, porém mais nada a receber, o remédio é apertar a bolsa e procurar outros afazeres. As ruas, então, são espaços abertos para pedestres ou motoristas. Somos uma cidade interiorana sustentada economicamente na maior parte pelas aposentadorias de seus habitantes idosos. Portanto, nossa receita municipal é bem previsível.
As ruas de dia têm uma cara, e nas altas horas outra muito diferente. Pela manhã, bem cedinho, são as empregadas domésticas que se dirigem ao trabalho. Coitadas! É a hora preferida dos estupradores, mas que fazer? É confiar em Deus e no socorro do próximo.
Também, ali pelas seis horas, ônibus das empresas de calcáreo recolhem seus trabalhadores em determinadas esquinas.
E o sono dos aposentados é interrompido pelo ronco dos motores desses coletivos e ainda mais pelo aquecimento dos caminhões de transporte, o que leva mais tempo, nos invernos. Aprendi a calcular a hora ouvindo esses barulhos. Porque galo cantando na minha vizinhança não se ouve mais. Que saudade!
Um pouco depois, são estudantes com suas mochilas e cara de sono. Seguem-se os funcionários de repartições ou do comércio, muitos deles – principalmente as comerciárias – em suas motinhas barulhentas, mas nem tanto.
À noite, depois do fechamento dos bares e pizzarias, o movimento escasseia, e o cidadão comportado pode dormir um sono profundo. Nem sempre, pois as ruas mudam de donos, e estes não se importam em causar transtorno. São os boêmios, os mal intencionados - arrombadores, assaltantes e bandidos - e os amigos das drogas. Às vezes, apenas alguns jovens sadios saindo de baladas. Música alta nos seus carros velozes, mas tudo bem, a gente entende, é a mocidade. Mas quando os gritos são de brigas, espancamentos, agressões, choro de mulher, aí é de ficar-se arrepiado.
Sirenes da Samu ou da Polícia são frequentes nessas horas, e a gente fica pensando quem terão sido as vítimas. E os culpados?
Enquanto o sono interrompido não volta, ficamos pensando onde estamos. Numa redoma? Cercados de grades e de cadeados, o mundo é dos outros, dos sem lei nem piedade. Mas a claridade do dia é nossa aliada, aí podemos sair do casulo para conviver com nossos semelhantes.
“A porta da rua é a serventia da casa” – quem terá inventado esse chavão e em que  trágicas circunstâncias? Nem é bom pensar nos dramas familiares que levam uma família a esse ponto – expulsar alguém assim.  E esse alguém, antes um ser amado e protegido, vai agora para o “olho da rua” – outro chavão.
Os nomes que dão às ruas não dizem nada ou quase nada. Nomes de políticos que quase ninguém se lembra quem foi. Ou o que fez. Ainda mais, que com essa tendência atual de reviver o nosso passado histórico, muitos deles de heróis se tornam vilões. Deveriam ser chamadas com um nome de flor, ou poético, ou animador. Como Rua da Esperança, das Andorinhas, Rua das Margaridas. Conheço algumas com apelidos medonhos: Beco do Laçaço – onde a Lei Maria da Penha não tem sossego – Rua dos Enforcados e outras até divertidas. O povo tem humor, é a sorte!
Ruas de minha vida, adorei todas elas. Posso contar os dias em que fiquei só dentro de casa. Por doença, é claro, pois como vou deixar de ouvir o seu apelo chamando-me para o social, o encontro com outras pessoas, outros assuntos, outros afazeres? E as surpresas a cada esquina! Minha rotina diária termina na porta da rua. Depois, é só aguardar para ver. E viver...




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