Nas conversas dos últimos dias, ele foi o assunto principal. Todo o mundo
se queixava: “Que vento!” Janelas batiam e portas também. Ele soprava nas
frestas mais escondidas.
Na rua, os passantes quase davam meia volta no esforço de resistir ao
vento que agia com força em sentido contrário.
Se fosse no tempo das saias rodadas, que dilema! As mulheres não saberiam
como usar as mãos: para não deixar a roupa levantar ou para proteger o
penteado.
Outro sinal de que chegamos a Finados são aqueles lírios se abrindo no
canteiro aqui de casa. Plantados por minha saudosa tia, eles vão enfeitar agora
o seu túmulo. Ela os cuidava tanto, e agora eles brotaram mais do que em outros
anos como uma homenagem póstuma.
Um ar tristonho paira neste céu azul que aos poucos vai ficando sombreado
de nuvens. E as memórias rodopiam como o vento e me fazem pensar que estou
ouvindo os sinos de bronze – aqueles antigos da igreja matriz – que chamavam os
fiéis para a missa das sete, depois das dez nos passados domingos de Caçapava.
Ressoavam ao longe, lá nas Caieiras, no Pinheiro, Chácara Queimada, Segredo...
Revi os vultos endomingados dos paroquianos de então, com suas roupas
melhores, exalando perfumes da Coty.
Senhoras e moças bem vestidas e penteadas entrando pelo corredor central
da Matriz. Gente recalcada costumava dizer que missa não era lugar para desfile
de modas. Mas eu achava tão bonito vê-las passar, ajoelhar-se, abrir suas
bolsas de couro, tirar um lencinho de renda. Tenho certeza que até o bom Deus aprovava.
Estar bonito, ou pelo menos na melhor forma, é uma obra de caridade que se
pratica ao próximo. Assim dizia uma grande professora que tive – Noemy Athayde.
Tempo e vento andam sempre ligados. Eles trazem de volta o passado. Dizem
que o que Deus faz, o homem separa, e o vento reúne outra vez.
Nesse tempo de Finados, quanta gente que já não mora mais aqui temos
ocasião de rever ! O problema é reconhecer no senhor corpulento, na senhora
grisalha, os mesmos jovens que eles foram quando partiram.
A vida passa, as rugas chegam, os cabelos escasseiam ou embranquecem, mas
o sorriso fica, e este não muda a expressão de alegria pelo reencontro.
Flores têm o seu dia de festa. As amarelas daquele arbusto- mesmo no chão - ficam tão bonitas! E as folhas
despencadas pelo vento escondendo-se no cantinho do portão! Parece que uma
vassoura jeitosa as amontoou ali, bem juntinhas e quase desapercebidas.
Esse redemoinho, eu pensava em criança que escondia o Saci Pererê.
Bastava encostar uma garrafa sem tampa, empurrar o maroto numa soprada de vento
para dentro e colocar a rolha de volta. E ele seria nosso para fazer todas as
travessuras possíveis.
Finados, gente querida que partiu de nosso convívio. Mas continua fazendo
parte de nossas vidas na saudade, nos exemplos, no grande amor que nos uniu.
Sua lembrança é mais forte neste dia em que visitamos seus túmulos e os
enfeitamos com flores, última homenagem que podemos prestar-lhes. Deus os tenha
em seu Reino ,
Amém.
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