Não vejo mais a figura do velhinho encurvado, cajado no ombro e um cartaz
com o número do ano que se despede. E do outro lado o bebê sorridente,
coradinho, de cachinhos loiros, acenando com o novo estandarte do ano que vai
começar. Estavam sempre na sobrecapa do calendário. Dá uma peninha na gente aquele
vovozinho e, por que não confessar, também do menininho inocente. Sabe-se lá o
que terá de viver. Mas a hora é de
comemoração, a família toda brindando às boas coisas que aconteceram e em especial
ao amor e à compreensão que nos vêm unindo há tanto tempo. Que bom!
Se formos lembrar tudo o que aconteceu, vamos dar razão a qualquer
cartomante que previu coisas boas e coisas ruins. Tragédias e conquistas, gente
famosa morrendo, calouros “bombando”, políticos e criminosos aprontando novos
golpes - nenhuma novidade, já vimos esse filme que vem sendo repetido há
séculos e séculos.
Mas, procurando esquecer as grandes tristezas coletivas, e a mágoa da
perda de amigas queridas, um grande acontecimento foi a visita do Papa ao
Brasil na Jornada Mundial da Juventude. Foi quando se revelou a verdadeira alma
do povo brasileiro. Gentil, sonhador, acolhedor e piedoso. Além das aparências,
apesar das falhas da Segurança, da ganância dos aproveitadores e oportunistas,
o clima daqueles abençoados dias foi perfeito, lembrando os primeiros tempos do
cristianismo. Até hoje as imagens daqueles dias tão especiais nos animam
fazendo crer que a bondade existe.
O verão chegou no dia certo e com ele o calor que promete aumentar ainda
mais. As pobres flores dos canteiros das avenidas e jardins – ainda bem que
recebendo boas aguadas – vão ficando murchinhas sob o calor do sol. As
hortênsias, coitadas, apareceram tão vistosas e agora têm a aparência de fim de
estação. Geralmente dá gosto chegar perto e sentir seu frescor. Elas me lembram
os fins de ano com suas formaturas e entregas de prêmios escolares. A grande
mesa do salão da escola secundária era sempre ornamentada com essas flores, os
professores tinham um ar solene ao entregar-nos as notas – resultados de um ano
dedicado ao estudo e com muitos sacrifícios e privações em prol do sucesso
esperado.
No primário, os exames finais tinham um clima austero, o coração da gente
batendo forte enquanto os pontos da prova eram sorteados, papel almaço em
prontidão, com a margem devidamente dobrada, os tinteiros no vão próprio para
eles nas carteiras de madeira maciça recebendo tinta de uma garrafa tamanho
família, e finalmente a ordem de “começar”.
Dias depois, junto à entrega dos boletins, havia a exposição dos
trabalhos manuais realizados no ano. Meu pobre guardanapo - de quarenta por
quarenta centímetros - era minha única obra, de longe competindo com as belas
toalhas de chá bordadas por minhas colegas, com pontos de Richilieu, pintura de agulha e outros bem complicados e lindos.
Minha mãe, depois de uma boa lavada, enfeitava-o com uma pontilha de crochê e o
engomava. Assim parecia mais atraente o coitado. Em compensação, minhas notas
mereciam “troféus”, como um cartão pintado pela Irmã Laurentina, que além de
artista plástica era nossa professora de música. Com todos os conhecimentos que
ela trouxe do Velho Mundo e da sua saudosa Alemanha.
As salas de aula, então, mudavam de aspecto. Chão de madeira devidamente
lavado de escova, bem como as carteiras na ocasião cobertas com os trabalhos
das alunas, não tinham mais o ar de ambiente de estudo que tanto nos ocupou
durante o ano. E as hortênsias ali estavam também.
Nossos fins de ano mudaram tanto nas últimas décadas. Meus manos e eu
agora somos do primeiro escalão, os venerandos, que nas festinhas familiares
ocupam os primeiros lugares nas mesas. Parece que foi ontem o tempo em que
servíamos o chá ou refrigerantes nos aniversários de nossos pais! Os dias e anos passaram tão rápido que ainda não
assimilei meu novo papel. Acho graça quando alguém me dá o braço para subir ou
descer uma escada, transpor algum obstáculo, enfim... Ainda me sinto a filha
daqueles velhinhos queridos que só nos deixaram lembranças doces e uma grande
capacidade de amar assim como eles nos amaram.
Minhas amigas de mocidade estão-se indo. Mas não me sinto só, pois agora tenho a graça de fazer novas amizades,
gente mais nova que eu, que me acompanharão até o fim.
Bendito ano que passou, com suas tristezas superadas e expectativas de
dias felizes. Na convivência de filhos, irmãos, amigos que são o meu mundo.
Pensando bem, as alegrias foram em maior número. Obrigada, meu Deus.
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