Dona Judith era uma vizinha prestativa. Daquelas que sempre alcançavam o tantinho
de sal ou de açúcar que faltara na hora do aperto na casa ao lado. Se uma bola
caía no seu pátio, ela gentilmente a retornava por cima da cerca, assim como
uma galinha extraviada que encontrara causando danos às suas verduras. Diferente
de dona Ernestina que, de raiva, devolvia a bola furada e o pobre bicho sem
vida.
Ela se interessava pela vida dos vizinhos, e quando alguém adoecia – o
que ela ficava sabendo pela presença do auto de praça na frente da casa –
sempre chegava para saber notícias.
É preciso esclarecer que em velhos tempos, antes do primeiro Hospital na
cidade, os pacientes eram atendidos a domicílio, e era preciso alguém ir buscar
o médico, tendo antes procurado o
“chauffeur” ou motorista de praça, para conduzir o doutor. Não havendo telefone
particular – era só a Central – alguém tinha que ir à casa do motorista para chamá-lo. Ainda bem que os endereços eram por
demais conhecidos por todos, pois havia apenas o Seu Chico Barata, o seu João
Feliciano e o seu Luciano que davam conta do recado.
Certa ocasião, Dona Judith, ao passar pela residência de seu Ataliba,
notou um auto de praça na frente, e dele
desembarcando o doutor. Deixou para chegar na volta para não atrapalhar a
consulta. Então ficou sabendo que o estado do vizinho não era nada bom.
Pneumonia agravada por enfisema pulmonar, e o paciente não estava reagindo bem
aos remédios – antes do aparecimento dos antibióticos. Então virou rotina.
Todos os dias ela chegava ali para saber como ele passara a noite. As notícias
não eram animadoras. Não passa de hoje, disse a empregada. Alarmada, ela
aceitou o convite para entrar, desta vez, e falar com a dona da casa. Já era
noite, e da sala ela podia ver a mesa da cozinha, onde a sogra do seu Ataliba
estava jantando. Pelo cheiro apetitoso, devia ser uma linguiça que a idosa
comia com todo o gosto. Que coisa, nesta idade e ainda janta, pensou.
No dia seguinte, a boa vizinha se assustou: na porta da frente da casa do
seu Ataliba estavam aqueles estandartes anunciando a morte, como era o costume
antes das Casas Funerárias. Coitado, dessa ele não escapou.
Preparada para dar os pêsames, ela entrou e foi direto ao caixão do
defunto, que estava com o rosto coberto e rodeado de flores. Abraçou os
familiares, procurando palavras de conforto. E como boa religiosa que era,
convidou a todos para rezarem um terço pela alma daquele ente querido. A cada
mistério da oração ela pedia pelo descanso eterno de seu Ataliba. Sentia que alguém a cutucava e murmurava
alguma coisa, mas ela não entendia o que era.
Terminada a oração, ela procurou a viúva, e como não a via por ali,
imaginou que estivesse no quarto, talvez até de cama curtindo a grande perda.
Foi procurá-la, e lá chegando levou o maior susto de sua vida: viu o seu
Ataliba recostado em travesseiros, bem vivinho, tomando uma sopa fumegante que
a esposa lhe dava na boca, com todo o cuidado.
Num instante fez-se luz na cabeça de dona Judith: o defunto era a sogra
que ela vira na véspera jantando com tanto apetite.
Pudera! Foi a linguiça...
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