Era o casal mais idoso da
quadra. Beirando os setenta. Os demais moradores, famílias com filhos pequenos,
passavam a maior parte do dia sumidos. Os adultos no trabalho, e as crianças e
jovens estudando. Por isso frequentemente batiam à sua porta, quando uma jovem
mãe vinha recomendar um filhinho a seus cuidados, porque a empregada ainda não
chegara. Ou uma jovem procurava pela
chave da casa que deviam ter-lhe deixado ali. Coisas de vizinhos.
Dona Isaura servia a
todos de boa vontade, o mesmo não acontecendo com seu Aníbal que não gostava de
ser incomodado. Desde que sofrera aquele sequestro relâmpago, há anos, ele
ficara desconfiado de tudo e de todos. Aposentou-se e passava o inverno de
pijama e roupão. Era preciso a esposa
observar-lhe que já era hora de usar bermuda e camiseta quando começava o
calor. Aí ele se entretinha pelo pátio procurando formigueiros e matando
lesmas. Dona Isaura sorria satisfeita de vê-lo assim ocupado, em vez de só
andar de radinho de pilha colado ao ouvido, sofrendo com as desventuras do
Grêmio. Ela suspirava recordando o quanto ele fora alegre e brincalhão no tempo
em que viajava com sua caminhonete de entregas pelos municípios vizinhos. Por
onde passava ia fazendo amigos. E não negava caronas pelo caminho. Cuidado, ela
vivia dizendo. Até que o assaltaram, roubando a carga, o dinheiro e deixando-o
ferido e amarrado a uma árvore longe da estrada. Só dois dias depois foram
encontrá-lo em estado de choque. Alguma coisa morreu dentro dele. Ficou arredio
e desde então preferia ficar sempre em
de casa. Não saía nem para visitar os filhos. Assim, todo o serviço de rua
ficou para dona Isaura que teve de aprender a lidar com caixas eletrônicos,
cartões de crédito, compras e pagamentos. Na hora de aplicar as economias, ela
precisava informar-se do melhor sistema, entre CDBs, FRF, até descobrir o que
fosse isento do CPMF. Quando precisavam de algum conserto doméstico, ela é que
procurava o profissional. Chegou a organizar uma agenda com endereços por
serviços em ordem alfabética, dando graças a Deus que quase todos, marceneiros,
encanadores, eletricistas, jardineiros e até empregadas domésticas tinham
telefone celular.
Quando já ia saindo de
carro da garagem, dona Isaura ouviu seu Aníbal fazer uma encomenda: Me traz
veneno para formiga. Que tipo, cortadeiras ou aquelas que correm de um lado
para outro sem carregar nada? Aquelas são as dançarinas, diz ele. Vendo que
nada sobrara de suas lindas violetas, não foi preciso mais explicações. É para
as cortadeiras.
À tardinha ela foi aguar
as flores da frente. Marilda ia passando com sua graça juvenil. Oi, dona
Isaura. Tudo bem? Tudo bem, e o namoro continua firme? A menina chegou mais
perto e falou baixinho: Ainda não rolou nada, só em janeiro é que vamos
transar. Ainda aturdida com a novidade – agora marcam data pra isso? – a
senhora entrou em casa e esbarrou no marido que ouvira a conversa. Notou que
sorria. Nisso a campanhinha tocou, e ele desapareceu como um fantasma. Vizinha,
diz Rosélia, tenho vergonha, mas preciso de panela para uma feijoada. Meu novo
amor vai chegar e está de aniversário. E se não for pedir demais, pode me
emprestar este vaso com as flores? Que lindas! Vai ficar bonito sobre a mesa.
Já pus candelabros com velas vermelhas. Que acha? Meus filhos foram lá para a
minha irmã. Hoje a noite é minha.
Dona Isaura depois
comentou com o marido: Ela troca de parceiros como se fosse de carro do ano.
Será que desta vez ela acerta? Seu Aníbal dirige-se aos formigueiros com o
veneno. Mas sobre o ombro ainda diz: Essa é das dançarinas.
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