sexta-feira, 18 de maio de 2012

DIA DE FAXINA

Lembro as poucas manhãs desagradáveis de minha infância: era quando punham a casa de pernas para o ar, na faxina costumeira. Eu tinha que correr para salvar meus tesouros que, para os menos avisados eram apenas retalhos de pano, pedaços de papel colorido, recortes de revistas, cacos de louça, bonecas de trapos, caixinhas de pó de arroz, de sabonete ou remédios vazias. A sensação de que meu mundo vinha abaixo vendo aqueles objetos inestimáveis rasgados ou quebrados – mais ainda – na lata do lixo, deixava-me uma tristeza! Sentia-me solidária com meu avô, falecido antes de eu nascer, pois me contavam sua aversão às arrumações no seu quarto de viúvo. Apegado às recordações e objetos familiares, era contrário às mudanças de móveis de seu lugar costumeiro e às insinuações para que jogasse fora as latinhas velhas de biscoitos, pastilhas para a garganta; as caixas de charuto, cartas, cartões postais, retratos... Lá no fundo, sentia uma tristeza por não tê-lo a meu lado naquela hora terrível: seria um aliado poderoso contra as devastações do meu reino. Hoje lembrei tudo isso quando vi aquela casa sendo desocupada. Por longos anos abrigou uma família e seus acontecimentos alegres e tristes. Sob o comando e o carinho daquela mãe forte que enfrentou todas as tempestades abatidas sobre o seu lar. E agora precisando do apoio dos mais jovens nos derradeiros anos de sua vida. A casa é despojada de tudo aquilo que os anos e a vida foram acumulando: lembranças de festas e de luto. De nascimentos, aniversários, mortes. Dificuldades e sucessos. Agora receberá uma placa: “Aluga-se” ou “Vende-se”. Talvez risos de um casalzinho apaixonado venham preencher seu vazio. Depois o balbucear de um bebezinho rosado. Mais adiante, seus passinhos incertos. E logo já estará crescido. A vida é um relâmpago! Onde estão meus bebês? Aqueles que embalei amorosamente, louvando o milagre da Vida? Seus risos inocentes, os bracinhos roliços enlaçando meu pescoço, as mãozinhas estendidas pedindo minha ajuda para os primeiros passinhos? Ficou tão longe, e parece que foi ontem. Agora estão soltos no mundo, e este é tão cruel! Disse um psicólogo(ou diversos) que as novas gerações foram “podadas” em suas manifestações de pensamentos e sentimentos, nas últimas décadas. O regime de força – prisões e torturas de líderes estudantis – foi afastando pouco a pouco a juventude das linhas de influência. Tolheram-lhes a capacidade de inovar a sociedade, decidir sobre os destinos do país e de sua geração. Hoje eles nos culpam por nossos legados de costumes, cultura, tradições. Julgam a sociedade como responsável por seu desencanto. E acomodam-se. Falta-lhes vontade de lutar, de mudar esse estado de coisas que só leva à alienação. Por isso os “aposentados” ou “inativos” que uma autoridade jovem disse deverem ficar quietos em seu canto, descansando, não conseguem usufruir desse direito. Porque vêem que há muita coisa a mudar. É preciso despertar a juventude que a cada nova geração demora mais a amadurecer. E soprar-lhes à consciência sua responsabilidade pelo futuro que aí vem. Já está à sua porta, muito breve, cobrando-lhes pelo que fizeram de errado ou, mais do que isso, pelo que deixaram de fazer.

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