quinta-feira, 24 de maio de 2012

HOJE OS INIMIGOS SÃO OUTROS

Remexendo em velhos papéis, achei um caderno cheio de receitas de minha tia quituteira. Ah, como era gostoso tudo que se comia em sua casa! Mas, conferindo os ingredientes, fiquei alarmada. O “Rei Alberto”, por exemplo - creme que não podia faltar nos aniversários de adultos da família – levava uma dúzia de ovos. Nos bolos, a manteiga aparecia em boa quantidade. As compras nos mercados de antigamente nem cogitavam de verduras, em compensação banha de porco, linguiça e salames estavam sempre presentes. Nas salas de espera dos consultórios – não havia hora marcada – a conversa se estendia a todos. Os males citados eram causados por albumina em alta dosagem – quem fala hoje em albumina? Mais reservadamente, falava-se em doenças de senhoras. Ou reumatismos, amigdalite, apendicite crônica ou aguda. Fiz todo o meu primário com o atestado de apendi cite crônica, um bom motivo para ser dispensada da Educação Física que eu detestava. Mas até agora meu apêndice continua no mesmo lugar. Quando a gente era atendida pelo médico, já tínhamos várias receitas dadas pelos circunstantes, principalmente chás de toda ordem. E os nenês daqueles tempos criavam-se muito bem com o leite, materno ou em pó. Se nossas vovós revivessem, não saberiam o que fazer agora com a alimentação das crianças e até dos adultos. Intolerância ao leite, ou melhor, a seu ingrediente “lactose” é o que está acontecendo em grande escala. Elas nunca poderiam imaginar que os bebês do novo milênio seriam alérgicos a esse alimento tão completo e louvado de seu tempo. Hoje, passando por uma casa, ouvi uma galinha cacarejando, coisa rara! Que saudade de vê-las num pátio ciscando e depois escondendo seu ninho onde os ovos eram de um amarelo tão forte. Os bolos saíam coloridos. As gemadas, então! Vizinhas que tinham casa fora, sítios ou fazendas, nos forneciam esses produtos às dúzias, e ninguém falava em colesterol. Também vendiam queijos feitos com muito leite, e aquela manteiga que a gente lavava em diversas águas e colocava sal. No café da tarde – com leite – a fatia de pão era coberta com essas três iguarias. Ia esquecendo o mel – que vinha viscoso, daqueles que descem redondo. Nunca mais encontrei outro igual. Concluindo esse desabafo, lembro que os vilões da mesa, outrora, eram outros. Melancia, por exemplo. Tinha hora certa para ser degustada, não podia misturar com certos alimentos. Hoje são os doces e as gorduras nossos inimigos. Por isso as festas de aniversário já não têm a mesma graça. Fica sempre um sentimento de culpa quando não resistimos às tentações das tortas, salgados e docinhos. E ao refrigerante também.

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