terça-feira, 11 de novembro de 2014

E OS LÍRIOS SE ABRIRAM






Finados. Um dia para ficarmos tristes, cheio de lembranças de um tempo que passou, não volta mais.
Romarias de “sobreviventes” dirigem-se aos cemitérios para homenagear os seus mortos. Mais do que isso: para senti-los próximos e que a vida deles valeu a pena e deixou marcos inesquecíveis entre nós. Acode-nos uma sensação de culpa dos momentos que perdemos de estar com eles ainda em vida. Mas este mundo de hoje é tão tumultuado, e a vida passa rápido demais.
Descobri, com o avançar da idade, que os mortos queridos continuam a viver em nós, no cotidiano, nas lembranças compartilhadas em família, nos gestos que foram sua marca e que não esquecemos.
Desse modo é até possível sorrir quando os recordamos cheios de vida e animação. Descobrir que estamos, inconscientemente até, imitando suas atitudes e seguindo os conselhos tão importantes e oportunos que nos deram.
Assim, é comum acontecer-me nos hábitos diários ouvir a voz daquela tia - que foi uma perfeita dona de casa -  recomendar-me: “Estica bem os lençóis, prende as pontas debaixo do colchão, nada de deixar uma preguinha que seja, que a colcha não  é para esconder o malfeito”.
Sinto meus pais junto de mim nas alegrias e nas aflições. Bem mais nos momentos felizes. Cada gracinha da netinha e novos progressos de meu neto na escola, por exemplo, eu fico louca que eles vejam e se alegrem comigo.
Recordo o abraço carinhoso de tia Duca e seu modo meigo de acolher-me em sua casa. As sugestões tão oportunas de tia Eufrásia em momentos de crise me acalmavam e ajudavam a decidir. O olhar triste de tia Elma com saudade do filho.
O anedotário da família é relembrado alegremente a cada ocasião de reencontros. O tio nervoso que não ficava mais de cinco minutos no mesmo lugar. “Vou ver um amigo”, e lá ia ele dando voltas por toda a cidade, quando vinha visitar-nos.
Quando alguma coisa dá errado, e preciso encontrar de novo o caminho de partida, é do Dindo que me lembro. Porque, se houve personagem mais adequado para servir de inspiração a Kipling, em seu famoso poema “SE”, esse homem foi ele, que nunca desanimava com os insucessos e logo recomeçava outra empreitada. Entre outras máximas, ele deixou esta: “Não adianta chorar depois do leite derramado.”
E muito especialmente, neste dia e em todos os outros, a figura da tia Neusa se faz  sempre presente na minha casa, nos meus pensamentos e saudade, com seu companheirismo e aquele  carinho tão doce que dedicou no cuidado de meus filhos.
Vejo-a cuidando dos lírios do pequeno canteiro aqui de casa e colhendo-os todos os dias de Finados para enfeitar a última morada de seus entes queridos.

E eles reabriram mais uma vez .

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