Hoje eu vejo aquelas pessoas apressadas atentas ao celular ou alongando a
vista na espera ansiosa do ônibus que demora.
À sombra das centenárias árvores da Praça José Bonifácio - que nem
percebem . Não olham para cima... O tempo não para, e os compromissos difíceis
de cumprir nesta crise que nos envolve não as deixam sentir aquele hálito
amigo, a sombra que as protege do calor e dos raios agora tão temíveis – a
camada de ozônio desaparece...
Mas aquelas velhas árvores têm sua história, e sabe bem apreciá-las, com
todo o carinho e respeito, quem sobreviveu aos anos dourados do século que
passou.
Ah, noites quentes do verão cachoeirense! Suas árvores eram um
refrigério. Difícil conseguir bancos
para tanta gente ficar gozando de seu frescor. Nós, as meninas da época, íamos mais
cedo reservar lugar para nossas tias e mães que iam chegando e trocando-se
beijos e exclamações de alegria.
Os maridos estavam ali em frente, no Clube Comercial, para uma “carpeta”
entre amigos. De vez em quando um e outro chegavam até elas para oferecer-lhes
um refresco e para nós um picolé e ouvir alguma novidade. Algo de que aquelas senhoras
se orgulhavam de serem as fontes.
Ainda escuto no túnel da memória suas gargalhadas divertidas.
Do coreto da praça, em determinadas noites, vinha o som da banda de seu
Rosinha, que alegrava as ruas do centro da cidade. “(...) Anda o mundo a girar/ quantas voltas deu o mundo/ que eu cansei
de tanto amar. (...) Músicas melódicas, suas letras tinham profundo significado.
Também vindo do restaurante do quiosque aquele aroma gostoso dos filés
com fritas. Nosso apetite adolescente ficou sempre desejando saboreá-los. Mas a
hora era para os vaivens das meninas pelas calçadas – o chamado footing - enquanto os rapazes seguiam
também em turmas de amigos pelo meio da rua. E os olhares se cruzavam entre
eles nos “flirts” da noite - os
inocentes namoros daquela época.
Atravessando a rua, as meninas ficavam olhando as vitrines das Casas
Pereira e Bidone, fortes lojas de modas e armarinhos de famílias tradicionais
da cidade.
De dia, as árvores pareciam outras. Mas sempre acolhedoras assistindo aos
movimentos dos carros, aos passantes pelas lojas, clube, Banco da Província da
esquina – a potência econômica da época – enfim, como parte da vida que pulsava
com todo o orgulho bairrista dos concidadãos da Princesa do Jacuí, “a capital
do arroz”.
Do alto dos postes, ouvia-se por toda a área a “Voz Sonora da Princesa do
Jacuí” – precursora das rádios locais - onde jovens talentosos, mais tarde
transformados em importantes expoentes das TVs de S. Paulo e Rio de Janeiro –
mantinham programas de música e notícias bem elaborados. Um locutor apaixonado
mandava mensagens cifradas para sua “princesinha.”
Nos grandes acontecimentos, as árvores mantinham o clima de frescor para
o público das calçadas. Semana da Pátria, ah, quanto garbo! As escolas
principais, João Neves, Roque Gonçales e Imaculada Conceição disputavam os
aplausos do público com suas apresentações impecáveis. Uniforme, postura, brilho.
Os carnavais desfilavam sob sua sombra amiga os criativos carros
alegóricos, que iam desde as Baianas – e a Lovely, seus olhos verdes e pele cor
de canela encantando com sua graça – até os cortejos de Faraós e seus escravos
com aquelas ventarolas enormes abanando as rainhas cheias de luxo.
Nos comícios políticos, quanta vibração! Os cidadãos acreditavam em seus
candidatos. Fernando Ferrari e suas “mãos limpas”. Além disso, ele era um
“gato” como diziam as mocinhas da época que se aglomeravam a seu redor.
Getúlio Vargas e seu carisma também se apresentaram ali, ocupando a
sacada da casa ao lado do Clube Comercial que as proprietárias, umas senhoras
idosas e simpáticas, cediam com prazer e muito orgulho.
Momentos emocionantes os das procissões da Semana Santa. O encontro de
Jesus carregando a cruz, ensanguentado, trôpego, com sua mãe, Nossa Senhora
Maria das Dores. E os sermões do padres
Paulo Kédi e Achilles Sponchiado! Quem não chorava?
As Águas Dançantes, o Orquidário. Projetos maravilhosos que vieram para
dar mais brilho à praça e àquelas árvores que a cobriam ternamente!
A vida mudou, a cidade deixou de ser a Capital do Arroz. O centro agora
não é mais o que foi - o coração - mas apenas uma passagem para outras áreas,
outros bairros, outras atividades. Onde os usuários dos ônibus urbanos,
cansados, apressados e perdendo muitas de suas esperanças, ainda mantêm um
último privilégio: esperar a condução sentados na praça sob a copa das velhas
árvores. Mas até quando?
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