terça-feira, 12 de janeiro de 2016

PALAVRAS COM ALMA



Existem palavras que calam fundo na gente. Boas ou más, elas produzem seus frutos -  doces ou amargos. Nos relacionamentos em família, no trabalho e sociedade, deve-se ter um cuidado especial para evitar mal-entendidos. Porque para o ferimento que causam, os remédios são bem complicados.
Num filme antigo, a protagonista era uma velhinha moradora de rua, que vivia catando coisas nas latas de lixo. Ela falava sozinha e vivia repetindo palavras de sua predileção. Peitoril, cotovelo – ela pronunciava com gosto. Acho que aliava as duas pensando em colocar-se à janela, bem acomodada, vendo a vida passar. Coitadinha, faltava-lhe a casa, a família, tudo...
Algumas palavras me agradam, outras não. Lembro que cultivei uma implicância bem grande contra a palavra “sistema”, mas não foi preciso procurar muito o motivo. É que minha tia onde me hospedava para estudar em Cachoeira, ao chamar-nos a atenção para a falta de ordem de nossas coisas, roupas e livros, vivia a repeti-la: “Meu sistema não é esse.”
Não era só com os sobrinhos que abrigava em casa – sinal de sua boa vontade em promover os jovens da família – mas todo o seu “staff” sofria com  o tal “sistema”. Ela era uma dona de casa perfeita, tudo ali funcionava às mil maravilhas, cada coisa no devido lugar, da sala à cozinha. Nos banheiros, então! Como a coitada reclamava do monte de roupas que pendurávamos nos cabides atrás da porta, em vez de guardá-los nos armários! Freud explicaria por que, ao mudar-me para minha casa, deixei as portas dos banheiros sem cabide nenhum. Só agora, filhos criados e morando fora é que me atrevi a adotá-los. São tão práticos!
Depois, ao avançar nos estudos, fui compreendendo o significado importante dessa palavra que abominei por tantos anos. Por causa da rezinga da minha tia.
Vivemos dentro de um sistema, e alienado é aquele que não se submete a ele, não se enquadra. Sistema de governo, sistema solar, sistema nervoso, sistema respiratório. Um conjunto de coisas estruturadas e dispostas a funcionar, umas dependendo das outras. Uma pecinha que não funcione bem, a máquina para.
Outro dia fui a uma loja, e logo me perguntaram: “Vai pagar com dinheiro ou cartão?”
- Com cartão.
- Então não vai dar.
Aconteceu que o sistema estava fora do ar. Coisas das novas tecnologias. Ótimas quando funcionam, mas, dando uma pane, tudo se complica, a vida para, desde os caixas dos bancos até os trens e ônibus conectados com a Internet, tudo...
Assim sendo, meu relacionamento essa palavra ora está em alta, ora me vejo amaldiçoando-a. Tudo é relativo.
Mas há palavras que nos trazem expectativas felizes. Sempre gostei de “primavera”. Para mim, quando menina, ela representava uma prima querida que chegava à nossa casa. Abrindo sua mala, dela saíam pássaros, borboletas, flores e um ar puro, perfumado, que dava gosto aspirar.
Até hoje ela me inspira, como a própria estação, os melhores sentimentos de vida nova, recuperação e doces momentos.
Mas, voltando à palavra “sistema”, até hoje recordo com admiração a organização da casa de minha tia. No verão, no sítio, ela passava fazendo compotas, passas de frutas, geléias, e no inverno dava um gosto olhar as prateleiras da copa providas com esses petiscos.
As amigas adoravam aceitar seu convite para o chá da tarde. Entre conversas animadas, iam saboreando as bolachinhas recheadas com pessegada, figada, ou outro doce de tacho; as cucas, com geléias de vários sabores, os sucos de uva... Enfim, dava gosto apreciar estas cenas.

E no decorrer de minha vida aprendi a valorizar o Sistema. Se a vida já parece complicada e confusa nos dias atuais, o que seria de nós sem ele?

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