Chega! esbravejou seu Armando, desligando a televisão. Na minha casa, não
quero mais ouvir ou ler notícias. Só tratam de corrupção e Lava Jato. Gente que
parecia a nossa esperança de paz e progresso agora está na lista do Fachin. Até
o senador em quem votei está listado, não nessa, mas na Lei Maria da Penha.
Dona Conceição concordou com o marido. Mas disse: Na hora da novela, meu
velho, me deixa assistir.
A proibição do chefe de família se estendeu à mesa de refeições: Nada de
conversa sobre políticos. A esposa até que gostou do atual estado de coisas.
Agora seus dois filhos estavam de acordo. Antes, era preciso pedir com seu
jeitinho meigo que não discutissem, um defendendo seu partido, outro acusando. A última lista – até o momento – derrubou as
últimas crenças na honestidade dos eleitos do caçula, que ainda na semana
anterior não acreditava nas acusações. Coitadinho, sentiu a mãe, observando seu
ar desconsolado.
Na rua, conhecidos se encontram nas esquinas e ficam a comentar os últimos
acontecimentos. Seu Osvaldo, notório sonegador de impostos e mau patrão - não
assina as carteiras de trabalho dos empregados nem recolhe ao INSS - era o mais
ferrenho acusador. Para ele tinham que dar prisão perpétua para “esses ladrões
do povo, que deixam doentes morrerem por falta de atendimento, criancinhas
passarem fome, adultos desempregados” e por aí afora. Um caminhoneiro se
queixava das más estradas que não permitem ou encarecem o escoamento das
safras... Um pai de família lamentava o estado precário das escolas, a falta de
professores, funcionários e equipamentos.
Os problemas dos jovens sem perspectivas de futuro, entregues por isso
às drogas, malandragem e delinquência. A falta de segurança nas ruas, nas
estradas, os bandidos comandando a vida dos moradores da periferia, desalojando
famílias para instalarem suas bocas de fumo.
As críticas se estenderam ao estado das ruas, calçadas esburacadas.
“Outro dia, uma senhora quebrou a perna aí” disse o morador da vizinhança, sem
olhar para a frente de sua própria casa, cuja calçada foge a todas as regras de
segurança. No meio-fio, o capim crescendo sem parar. Culpa da Prefeitura, todos
comentam.
Uma professora, passando ali, foi pensando como é fácil criticar,
destruir, mas qual daqueles homens estaria livre de alguma culpa? Se em vez de
ficarem falando à toa, pegassem uma enxada e arrancassem o matagal que se
alastra enfeiando suas fachadas...
Se os funcionários públicos e privados cumprissem lealmente suas tarefas,
em vez de só exigirem seus direitos; se aquela dona de casa queixosa do alto
custo de vida deixasse de surrupiar produtos nos Supermercados; se a pessoa que
pegou o dinheiro no caixa eletrônico que a velhinha afobada esquecera de
recolher, ao avistar uma conhecida e ir abraçá-la. Quando ela se deu conta e
voltou, o dinheiro não estava mais lá. E o indivíduo – homem ou mulher – na
parada do ônibus nas vésperas do Natal, numa tarde de chuva – em vez de alcançar
à dona a sacola que ela esquecera na afobação de embarcar no ônibus, achou
melhor ficar com ela. Eram os presentes de Natal para a família, comprados a
prestação por longos meses de prazo...
A corrupção dos poderosos é uma avalanche que cai sobre nós, um tsunami
que arrasa por onde passa e deixa o povo mais pobre, desassistido, desiludido.
A desonestidade do povo é um micróbio que vai devagarinho minando o
organismo, e passa para o DNA das novas gerações.
Qual deles é o mais letal?
E a professora concluiu: Atire a primeira pedra, mas só depois de um
criterioso exame de consciência.
Anna Zoé Cavalheiro
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