sábado, 3 de novembro de 2012

VIVER É MUDAR








Foi ficando cada vez mais difícil escolher o presente de aniversário para o meu netinho. Depois de seus nove anos, as lojas de brinquedos não tinham mais o que lhe oferecer. O que interessava era só o computador e a Internet. Para acompanhá-lo, perdi muitas partidas de jogos eletrônicos, nunca conseguia alcançá-lo. Até minhas palavras ele estranhava e corrigia: “Não é estufa, vó, é aquecedor, é ar condicionado...” Se falo em toca disco, lá vem a correção: “É CD”
Mesmo assim, nos entendíamos às mil maravilhas. Com a linguagem do coração. Ele me dizia “Te amo, vó.” E eu respondia. “Eu também te amo.” Ele insistia que me amava ainda mais. Para encerrar a discussão, o danadinho me vencia com esta tirada: “Te amo ao infinito. Aí eu me retirava de campo.
Quando me acordo, a cada manhã, fico pensando como a vida mudou. Quanta novidade por conta da tecnologia e dos novos relacionamentos familiares. E fico lembrando meus despertares de menina, no quarto da frente da casa de meus pais. Não havia venezianas. As janelas eram altas, e um buraquinho nos postigos, cobertos com uma cortina de renda, funcionava como cinema. Onde eu via as imagens da rua. Invertidas. De cabeça para baixo. Coloridas. Não entendo de Física, mas deve ser um fenômeno natural de reflexão da luz. Sei lá. Eu ficava vendo os vultos que se encaminhavam para o açougue em frente a nossa casa. Ouvia o barulho dos pratos fundos (as embalagens da época) no balcão de pedra. E a conversa  e risadas das empregas domésticas, as maiores freguesas. Seu Carlos era gentil e devia ser engraçado, porque elas riam muito. Falavam dos namorados. E voltavam cantando para o trabalho que não tinha hora certa para acabar. Foi antes da CLT...
Nossa empregada, na ocasião, era a Cesárea. Acho que ela não gostava de nós. Queria distância, e seu humor variava de acordo com o comportamento do amado Caburé. Devia ser um malandro, pois seguidamente aprontava. E nós é que pagávamos. Comida salgada, carne queimada ou dura, um despropósito.
Quando eu tinha febre (sofria das amígdalas), mamãe me entretinha fazendo bonecas de pano. Procurava em sua cestinha de costura alguns retalhos e dali saía a nova personagem. Certa vez, o pano era preto, e ela fez uma negra. Achei-a parecida com a nossa serviçal, por isso a chamei de Cesárea.
Anos depois, em férias no sítio do Dindo – a  inesquecível Charqueada do Paredão

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