quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

AQUELA QUADRA DA 7




Desde os tempos em que aquela velhinha curiosa, sempre à janela, perguntava à acompanhante de visão perfeita: “Quem foi que passou?” – e a companheira dos olhos vivos respondia: “São as meninas do´seu´ Trajano, nhá Candinha”, muitas águas rolaram por aquela quadra da Rua 7. Eram tão lúcidas as lembranças de minha mãe (a menina mais moça do vovô Trajano) de seu tempo de jovem, que dava para a gente ver as mocinhas da época vivendo sua vidinha simples, mas cheia de sonhos... A repressão dos pais, as novidades dos bailes de mês do Clube União, uma das únicas ocasiões em que podiam estar próximas de seus namorados para um número, bem reduzido por sinal, de danças (se não, dava falatório). E o que era melhor ainda: a preparação para esses bailes. Cabelos cacheados à custa de ferro quente, saias de armação e vestidos engomados, fitas, flores. Levava dias! Quando menina, ainda alcancei o tratamento com o mesmo ferro para os cachos: era quando me vestiam de anjo, e uma sobrevivente da época de minha mãe, moradora na quadra, ainda conservava aquela “preciosidade”. Fazíamos fila para que ela nos atendesse.
Mamãe e as amigas inseparáveis, Jeny e Anita, eram as “mandaletes” de suas irmãs mais velhas. Isso as divertia, porque podiam sair seguido de casa atrás de botões, linhas, rendas, enfeites para os cabelos, enfim, aqueles produtos que fazem a alegria dos armarinhos. As amostras de botões, trancelins, gregas e rendas podiam ser levadas às casas das freguesas para fazerem sua escolha, e assim era aquele ir e vir que agradava as três mocinhas, que riam à toa de tão felizes.
Além dessas saídas, elas tinham a janela que substituía com vantagem as nossas televisões e Internet. Lá, elas ficavam à espreita, e quando o galã de seus sonhos passava era aquela emoção. Taquicardia, joelhos trêmulos, rubor... que sofrimento gostoso!
Quando eu conheci aquela quadra (nasci ali), as casas eram as mesmas, os moradores é que variaram um pouco, por morte ou mudanças para outras cidades. Mas por muitos anos a vidinha correu mansa e sem grandes novidades. O açougue em frente movimentava nossas manhãs com o barulho das tamanquinhas das empregadas domésticas que iam comprar carne. (Como não havia ainda geladeiras, esse item do cardápio era comprado diariamente). O ruído do prato de louça sobre o balcão de pedra, o vozeirão de ´seu´ Carlos brincando com elas, que riam e conversavam, descontraídas, tudo isso a gente ouvia ainda na cama, de janelas fechadas. E aquele filete de claridade passando por um buraquinho nos postigos, ao encontrar o tecido das cortinas, nos dava uma imagem invertida, de pernas para o ar, dos personagens que passavam pela outra calçada. Era o nosso cineminha, e só a Física nos pode explicar esse fenômeno.
Lembro as crianças e jovens dessa época e suas casas tal como eram. A ex-morada do Aldo, agora lindamente remodelada, era da família da tia Aly: o Daniel, a Ceres, o Donaldo, o Domingos - eram oito filhos, alguns de nossa idade, companheiros de brinquedos e de trocas de revistas. Mais adiante, o´seu´ Afonsinho, viúvo, com os filhos, Alda, Maria, Lili, Cláudio. Depois, o ´seu´ Alcides e sua prole, Cléo, Luíza, Carlos... Entre essas moradias, a do `seu´ Lupicínio também com uma filharada, Odá, Alda, Magali, Tomás... Nas noites de verão, quanta ciranda, meia meia lua, passa passará brincamos juntos!
Na calçada de lá havia gente mais velha, tios de minha mãe, que aos poucos foram desaparecendo. Nossas visitas eram cerimoniosas e não passavam da sala de visitas, a não ser quando algum deles estava acamado. Lembro-me bem do tique taque tristonho do relógio de pêndulo, enchendo os silêncios das conversas que rareavam. Depois, bem depois, a quadra renovou-se com a vinda de ´seu´ João e dona Deli. Gente nova, alguns ainda bebês.
Na quadra funcionava a Folha do Sul, e toda sexta-feira à noite havia serão, que o Chico fazia até tarde. Nos sábados, lá estava ele bem arrumado nos bailes ou reuniões dançantes do Recreativo. Dois pontos a quebrar a calma da quadra: a rotativa do jornal e a música do Clube. Mas ninguém se queixava. Era a vida pulsando. Havia outro som na noite caçapavana passando por nossas janelas: a tosse de `seu´ Lupicínio. De longe a gente o reconhecia por isso: lá vem ele para casa.
São coisas que a gente não esquece, porque fazem parte de nossa história. E agora só temos de virar a página e começar outra saga, porque as pessoas são outras e as casas também. É a vida.

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