quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

FIM DE ANO



Minha vizinha de banco na igreja é aquela mesma senhora que no ano passado me parecera o próprio símbolo da seca: magrinha, cabelo grisalho sem viço, nenhuma expressão nos olhos pretos. Mãos postas, dedos longos, descarnados. O vestido reformado, ainda cheirando a naftalina. Também, na casa velha cheia de traças, suponho, é preciso muito cuidado, se não a roupa guardada nos baús fica toda rendada de furos.
À minha frente, mãe e filha lado a lado, como sempre. Todos os sábados, ano após ano. Os irmãos casaram, saíram de casa. Essa é a filha que ficou.
Do outro lado, o casal envelhecendo junto. Chorando, sorrindo, rezando.
Senhoras piedosas acendem as velas do altar, distribuem folhetos de orações e cânticos, recolhem donativos.
Longe, no passado, eu vejo a elegante anciã, então uma bela senhora bem vestida, perfumada, com sua bolsa de couro de crocodilo. Combinando com os sapatos. Que atração exercia sobre mim aquele “clic” quando a dona tinha de abri-la em busca de um lenço de renda.
As crianças chegavam com suas mães.  Às vezes também com os pais. As meninas usando grandes laços de fita nos cabelos lustrosos. Os meninos com seu traje à marinheira.
Agora, onde ficaram aquelas vozes juvenis entoando belos cânticos sacros? E as ladainhas ressoando pelas abóbodas da igreja?
Penso na vida. Foi ontem. Eu me distraía na missa pensando no vestido cor de rosa quase pronto à minha espera na costureira. Era para o dia primeiro do ano. De que ano? Quantos já se passaram?
Parece que ainda sinto o cheiro da seda crepe e o seu contato agradável na minha pele. Um vestido simples, modelo escolhido por minha tia que entendia de moda. A cor me agradava. Disfarçava minha natural palidez.
Agora me distraio percebendo aquela expressão de sofrimento num rosto conhecido. E eu sei por quê. Então, sofro junto.
Aprendi com a experiência que alegria e sofrimento são institucionalizados, assim como a economia. Ninguém pode considerar-se inteiramente feliz vendo a dor da saudade e da frustração corroendo as vidas que já não têm mais esperanças em dias melhores.
Acho estranho que esses pensamentos me ocorram num lugar tão santo! Onde tudo se pode pedir e receber.
A missa prossegue, e eu tento conter-me para não deixar rolarem as lágrimas. Por mim, por minha vizinha do lado, por todos que me cercam. Cada um carregando a sua tristeza.
Tenho vontade de abraçá-los chorando, e dizer-lhe que sinto muito, eles não estão sozinhos.
Percebo então que essa nostalgia sempre me ocorre nos finais de ano. Quando eu sinto um gosto amargo de fim. E cada vez é mais forte à medida que os cabelos embranquecem, e a atração pelos vestidos bonitos vai ficando para trás.
Mas nada disso aconteceria se eu visse entrar por aquela porta o bando alegre dos jovens da praça portando violões e cantando. Colorindo a igreja com suas vestes alegres, o sorriso nos lábios e aquele brilho nos olhos que a só a mocidade pode apresentar.
Ver as criancinhas atirando beijinhos ao Menino Jesus no presépio. Remexendo na bolsa da mãe, nos bolsos do pai atrás de moedas para colocar na bandeja.
Aí, sim, a igreja se fortaleceria com sangue novo.  Não veríamos os fiéis envelhecendo tristes pensando no fim. A música os animaria, e os jovens os fariam sonhar novamente. Lembrando que o Ano Novo chega cheio de promessas e surpresas agradáveis. E que a vida continua...

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