sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

ENVELHECER OU REVIVER



A vida é como um rio. Flui... Não há como voltar atrás. Corre por leitos macios ou empedrados, contorna obstáculos, segue reto ou faz curvas até lançar-se ao mar.
Dizer onde termina uma idade – infância, juventude, velhice – é apostar nos sinais.
Perguntaram a uma senhora de seus setenta anos como os idosos deviam sentir-se, e ela respondeu: “Não sei, nunca me disseram.”
Certamente, há momentos reveladores que causam impacto. Comigo aconteceu ao olhar-me no espelho depois da cirurgia de catarata. Meu Deus! Como é que eu não percebi antes? As marcas em meu rosto me denunciavam. Continuei a surpreender-me ao encarar as pessoas de minha época – como estão velhos, pensei.
Se fiquei triste? É claro, mas deprimida não, pois logo senti a urgência do fato. Quanta coisa ainda por fazer. O meu livro tão sonhado e a falta de tempo para reunir o material já pronto. Aquela viagem há anos programada e sempre adiada. Agora não cabem mais longas distâncias, Buenos Aires me basta. E o nordeste brasileiro. Ah, não esquecer que desejo conhecer as Cataratas do Iguaçu. Ver aquelas paisagens lindas, as águas espumantes, o recanto das borboletas, o arco íris sempre presente. Quanta maravilha à minha espera. Não desisti de sonhar.
Meu cotidiano é tão movimentado que não percebi a fase do “condor”. Mas, para ter assunto com pessoas de minha idade que se queixam de reumatismo, bursites e artrites, eu me exibo com minha osteoporose que se apresentou neste ano. Assim, chego a alegrar-me por fazer parte de tal grupo, sinal de que estou conectada. Este sentimento de pertencer é tão necessário para o ser humano!
Ao considerar que já vivi mais da metade de minha vida, quem sabe três quartos. E que me restam poucos anos pela frente – devo ficar deprimida? Quando abro as páginas do passado, como se fosse um livro com muitos capítulos, posso localizar- me no tempo de minha preferência no momento. Depende das circunstâncias ou das pessoas que encontro no caminho. É como reler um romance.
Dias atrás, ver uma colega de ginásio me transportou em pensamento e saudade para a minha querida João Neves, a Escola que me formou professora. “Educar é amar” foi nosso lema, e como o segui com devoção. Ao rever meus ex-alunos, que parecem ainda tão próximos no afeto, fico pensando como criei laços.
Quantas vezes no supermercado encontro mães que via no portão das escolas, esperando como eu a saída dos filhinhos, e nossas conversas de então e de agora girando em torno deles. Agora adultos, longe em suas vidas independentes, parece mentira que eles foram tão pequenos e desprotegidos.
Os casaizinhos de namorados que encontro pelos caminhos me olham com certa piedade. Coitadinha, devem pensar. Mal sabem que eu “já vi este filme” e muitos outros, de alegrias, tristezas, emoções.
Hoje, vendo estudantes pesquisando sobre a 2ª Guerra Mundial, até acho graça. Para mim, basta-me lembrar os noticiários da época em que eu ainda menina acompanhava com interesse e pesar as notícias. Na escola primária eu era o Repórter Esso das Irmãs. Vindas da Alemanha, elas sofriam pensando nos parentes nos locais de bombardeios. Meu pai assinalava num mapa recortado do Diário de Notícias o avanço das tropas, aliadas ou do Eixo. E o colocava em um quadro acima do rádio, nosso principal meio de comunicação na época.
Nas palavras cruzadas, um dos meus passatempos de agora, esse trio sanguinário tem sido lembrado seguidamente. É só preencher os quadrinhos com III. Mas quando o assunto são times de futebol, recorro aos meus filhos, bem como as músicas modernas e seus astros. Meu neto me ajuda nos elementos de informática ou com personagens de histórias em quadrinhos.
Sinto-me como as águas de um rio dividindo-se em afluentes, mas conservando sempre algo do início, aquela intensidade, a composição, o cheiro, a cor...
Sou um elo na cadeia das gerações. Dei à luz dois varões e já tenho um neto que continuarão nossa história.
Então, por que deprimir-me?

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