quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

UM GAÚCHO A PÉ ESPECIAL


Minha companheira de banco ajeitou como pode as diversas sacolas cheias de preciosidades do campo: queijo, linguiça, ovos crioulos, pão caseiro e mudas de folhagens, muitas mudas. Estas eu procurei acomodar comigo. Tão frágeis, mas com aquele anseio de vida que lembra riachos murmurantes, matas intocadas, de onde provavelmente elas tenham vindo.
O ônibus prossegue em direção a Porto Alegre, e a nossa conversa também. Aos poucos, o quadro de sua vida vai-se delineando: a situação econômica insustentável do marido, pequeno agricultor em dívida com o Banco do Brasil; e a necessidade de educar e preparar os filhos para um futuro melhor levaram a família para a capital atrás de trabalho. Em vez do verde das lavouras e pastagens, o asfalto, o concreto, o movimento atordoante dos carros nas ruas, o povo acotovelando-se nas calçadas.
Mas a família resistiu unida, porque o ânimo era forte, e a vontade de trabalhar foi com eles. Em vez da periferia com suas favelas, miséria, degradação, o marido empregou-se de zelador num prédio bem central, onde acomodou os seus. Ele, com seu jeito amável de servir, habilidoso para qualquer conserto doméstico de um prédio de apartamentos, e ela, prestativa e bem humorada, socorrendo as moradoras idosas e solitárias que solicitavam sua companhia em qualquer hora, até para assistir novelas, conquistaram logo a simpatia de seus patrões. Que melhor combinação poderiam eles encontrar do que essas pessoas honestas, competentes e educadas para as emergências do dia a dia em seus apartamentos? Ainda mais num casal!
Anos se passaram, chegou a hora da aposentadoria do chefe da família, mas os condôminos não o deixaram sair. Assim, eles criaram os filhos perto de todos os recursos, boas escolas, convívio com pessoas educadas, cultas, e isso foi um bom começo para a prole. Hoje são pessoas independentes, cada qual no seu trabalho, ganhando bem, com casa própria, filhos com seus planos de saúde e educação.
Mas nos fins de semana ou feriadões, o casal se retira para seu sítio nas imediações, comprado e cultivado ao longo do tempo, onde reúne filhos e suas famílias para não perderam o contato entre si e com a vida do campo que eles jamais vão esquecer.

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