terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

VÉUS, CHAPÉUS E CAPACETES





Na igreja lotada, foi difícil encontrar um lugar para sentar. Depois da devota procissão de Corpus Cristi, por várias ruas da cidade, o corpo reclamava um bom descanso. Mas, graças à gentileza de velhas conhecidas, irmãs de fé, aperta daqui, empurra dali, abriu-se uma vaga. Complicado foi convencer o gaúcho a meu lado a levantar o chapéu de abas largas e barbicacho do assento que me destinaram. Depois de olhares nada amáveis trocados entre nós dois, esse vizinho de banco recolheu aquele precioso acessório para o próprio colo. Mas só por instantes, pois por diversas vezes ele era empurrado para o meu lado, numa acirrada competição por espaço.
Esse incidente, e mais o fato de saber que várias pessoas ainda continuavam de pé, não me deixaram relaxar. Eu, no bem bom, e as coitadas... Só depois, observando que aquela gente não tinha mais idade do que eu, é que pude sentir-me à vontade.
Parece mentira, pensei, não sou mais aquela jovem que dava lugar aos mais velhos em locais públicos. Agora sou um deles. Como a vida passa depressa!
Lembrei as senhoras de épocas atrás com seus véus: os pretos indicavam seu estado de casadas, tão sonhado por muitas mocinhas de véus brancos. E os homens ocupavam os bancos da direita da igreja, bem atrás. Por respeito humano: achavam que religião era para as mulheres.Por isso não chegavam a encher nem a metade do templo. Na entrada, porém, tiravam respeitosamente o chapéu. Coisas do passado que indicam a mudança de nossa mentalidade.
Acho que foi o Concílio II que derrubou esse costume, cabeças femininas cobertas e masculinas descobertas. Sinal de que as mulheres não podiam dirigir-se diretamente a Deus, mas através dos homens, seus senhores.
No cinema do Mirandinha do século passado, anos quarenta, era costume os cidadãos acomodarem-se ao lado das esposas e noivas e colocarem seus chapéus no colo delas. Que pareciam orgulhosas de receberem aquela honraria - ou sinal de servidão.
Hoje percebo quanta coisa mudou. Principalmente as “cabeças”. Quando vejo aquelas mocinhas em suas motos, fico em muda admiração. São balconistas, funcionárias de repartições e outros serviços que, ao meio dia ou no final do expediente da tarde, engrenam rapidamente a marcha em seus veículos e saem graciosamente rumo a suas casas. Tão diferente das primeiras motos masculinas que volta e meia se negavam a funcionar, essas, na primeira pedalada, rompem a marcha e partem “driblando” entre carros e obstáculos.
Foi uma invasão que começou aos pouquinhos e tomou conta da cidade. Agora já são milhares. Aquelas figurinhas de capacete e roupas jeans, em tal sincronia com a moto que parecem um corpo só, não fazem alarde, mas como besourinhos enfeitam a paisagem urbana.
Pelo espelho retrovisor do carro eu as vejo ultrapassar, tranquilas, e se comunicarem entre si com algum gesto amigo, de companheiras de jornada e de aventuras.
Sem véus, mas de capacetes, essas jovens enfrentam a vida e acreditam no amanhã. Deus as abençoe.

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