quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O GRILO SEM VOZ


Por acaso o surpreendi pulando para baixo do sofá. Pois ele não estava fazendo cricri, talvez por ter chegado adiantado. De fato, ainda não era verão, e ele queria passar despercebido. Esse grilo vai-me incomodar à noite, pensei.
De vassoura e pazinha comecei a caçada. Que não foi fácil. Quando pensava que ele estava preso, o bichinho pulava noutro canto da cozinha. Sempre em silêncio, sem aquele cantar enervante. Expulsei-o finalmente para o pátio, sem coragem de sacrificá-lo.
Finalmente livre da ameaça de uma noite em claro, fiquei pensando como o ano está passando tão rápido. Na verdade, houve momentos que se arrastaram, tanto pelos problemas como pelas preocupações. Mas a primavera chegou, e parecia tudo mais claro.
Quem se queixa da monotonia dos dias comuns, que a gente vive sem perceber, não deve ter notado como tantas coisas mudaram nos últimos meses. Os hábitos, aos poucos, foram-se modificando. As visitas que nos alegravam quase não são as mesmas: mortes, separações, distanciamentos de uns, aproximação de outros – a lei das compensações. Mas a tristeza ficou pela falta que alguns me fazem. O que mais dói é que as visitas do netinho, antes prêmios para suas férias, agora para ele estão ficando de obrigação. Os telefonemas de amigos distantes escassearam. Também, pelo preço das ligações de agora! E quem é que escreve cartas hoje em dia? Não tendo Internet, fica difícil comunicar-se.
Até os seriados de TV sofreram substituições. Mudaram de horário, ficaram sem graça pela repetição dos episódios, temporada após temporada. Porém, mudaram os personagens, mas me divertem da mesma maneira que os antigos. Depois que me acostumo com eles, acabam fazendo parte da minha turma de amigos, só que virtuais. Pois a arte não imita a vida? Clones deles eu vejo todo dia aonde quer que eu vá. Ou melhor, são eles as imitações, e as pessoas, os originais.
Continuo ouvindo os noticiários, principalmente de rádio, antes de abrir os olhos ao acordar. Quero saber em que mundo estou pondo os pés ao levantar-me. O que mudou é que as tragédias que aconteciam com estranhos agora estão cada vez mais próximas de nós.
Finados passou, e os lírios não se abriram a tempo. Relógio atrasado, eles que eram tão certinhos. Minha tia que os plantou e cuidava deles com tanto zelo partiu para sempre. O mundo girou, a vida mudou, e eu? Quando de manhã, sem maquiagem me olho no espelho, quem eu vejo é a minha mãe.
Não sei o que houve com o grilo. Parece mentira, mas na casa silenciosa, estou sentindo falta de seu cricri.

Nenhum comentário:

Postar um comentário